O jogo contra o Braga necessita de umas notas, de umas explicações adicionais, para ver se se compreende o que se passou e as razões para tanto mau perder. De repente, ficámos a saber que existem milhões e milhões de adeptos do Braga e que a comunicação social é quase unânime em considerar a sua equipa como a melhor do campeonato e arredores. No futebol, tarde ou cedo, as profecias autorrealizam-se: nem sempre se perde, nem sempre se ganha. Afirmar que o Sporting vai perder não é sequer uma profecia, é um facto. A comunicação social fez esta profecia como sempre a faz, época após época, mas a profecia tarda a cumprir-se. É todo um parlapié sobre futebol, um modo de vida que está em causa.
Desta vez é que era. O Sporting não ganhava e o Benfica, ao ganhar [estava-se mesmo a ver], passava para a liderança. Num só fim-de-semana, a conversa e mais conversa sobre esta profecia legitimava-se e assim se continuava como dantes, como de costume. Mandaram-se os habituais foguetes antes da festa e depois foi um sarilho para andar a apanhar as canas, aparecendo melões, muito melões, e explicações atabalhoadas, como a dos remates enquadrados e não enquadrados de um rapaz da Sporttv. O mau perder do Carvalhal, que aprecio [afirmo para não haver dúvidas] e que aprecio ainda mais quando, ao falar inglês, traduz literalmente frases idiomáticas, cumprindo o princípio do grande Eça de se falar patrioticamente mal qualquer outra língua que não seja a língua portuguesa, foi a cereja em cima do bolo.
Vamos analisar um pouco melhor jogo para ver se nos entendemos. As equipas encaixaram-se bem e as oportunidades de golo foram muito poucas. O entusiamo do relato e dos comentários fizeram-nos crer noutra coisa, mas a verdade não é essa.
Na segunda parte, o Braga não tem nenhuma oportunidade de remate enquadrado, como agora se diz. No lance do golo anulado, nem o Feddal, nem o Coates procuram recuperar posição e limitam-se a manter a linha de fora-de-jogo e assim a anular o lance à nascença. Há quem diga que 14 centímetros é pouco, mas a verdade é que foram os jogadores do Sporting que intencionalmente o deixaram 14 centímetros em fora-de-jogo. O outro suposto lance nasce de outro bom posicionamento da linha defensiva que deixa o Esgaio vários metros em fora-de-jogo, que o fiscal-de-linha vesgo não viu ou fez que não viu [e então não é vesgo mas outra coisa]. Em síntese, durante 45 minutos o Braga não tem uma oportunidade para amostra e nos últimos 30 minutos, a perder, não o consegue apesar de ter a equipa toda no ataque.
Na primeira parte, o Braga tem uma excelente oportunidade de golo, quando o Horta se isola e tenta o chapéu ao Ádan. Os dois outros remates perigosos nascem de simples confusões e carambolas. No primeiro, a bola anda em bolandas até que o Horta sem ver bem onde estava nem onde estava a baliza lhe enfia uma biqueirada para onde estava virado. No segundo, tudo se inicia num corte do Coates, seguido de uma escorregadela do Paulinho que impede a disputa da bola e lhe permite, no chão, aliviá-la mais ou menos para onde estava virado, proporcionando um remate de fora da área de olhos fechados que leva a bola ao poste.
Não pretendo desenvolver nenhuma teoria sobre oportunidades de golo ou remates enquadrados, seja isso o que for, e assim estabilizar conceitos. O que estamos mais ou menos de acordo é que a equipa do Sporting e a sua defesa só permitiram uma oportunidade golo a partir de uma jogada do Braga com pés e cabeça [em sentido figurativo, porque em sentido literal a cabeça não é para aqui chamada]. Esta análise permite um conclusão, que vem sendo repetida jogo após jogo: o Sporting não é uma equipa fácil de bater! Este é o grande mérito do Rúben Amorim e, como tenho referido, na cabeça dele, na sua tática defender bem é condição necessária. Sem defender bem, não é possível ganhar.
Em muitas circunstâncias, defender bem é condição necessária e suficiente. Há sempre uma bola vadia, uma carambola, um canto ou um livre que fazem o que falta para se ganhar o jogo [no futebol português, ganham-se mais jogos assim do que de outra forma qualquer]. Quando se tem de atacar é que a porca torce o rabo. O Sporting não dispõe de um ponta-de-lança de referência que permita, com base nele, construir o ataque e chegar a zonas de finalização. A equipa precisa sempre que os laterais consigam desbloquear os seus flancos e desequilibrar no ataque, com movimentações dos extremos para o interior; para isso, precisa de espaço e foi esse espaço que o Braga concedeu no primeiro golo. A diferença esteve na finalização do Pedro Gonçalves por oposição ao Horta.
Não conseguindo construir no ataque posicional [à falta de melhor definição], a equipa vive da pressão alta e de bolas em profundidade, colocando muita, muita intensidade nesta forma de jogar. A diferença relativamente às outras equipas também tem sido esta: mais intensidade e maior resistência física. O segundo golo [mais um remate enquadrado] e os últimos vinte minutos de controlo do jogo devem-se às substituições e a essa maior capacidade física [no início do jogo, o Sporar não teria passado pelo Esgaio e pelo Rolando como cão por vinha vindimada].
Dito isto, o resultado poderia ter sido outro. No futebol, é sempre possível. Ganhar e merecer ganhar são uma e a mesma coisa. O objetivo é marcar mais golos do que adversário e, marcando, atinge-se o objetivo e "mutatis mutandis" impede-se o adversário de o atingir. O Braga não jogou mal, muito pelo contrário. Foi o facto de ter jogado bem que tornou esta vitória ainda mais relevante. O que se dispensa são os foguetes antes da festa, o futebolês permanente, o mau jornalismo e a arbitragem portuguesa, como se viu mais uma vez. Não são precisos estes acessórios para que os jogadores façam dentro de campo o que têm de fazer e que os treinadores determinaram. No fim, no fim logo se vê e assim é que é bonito.