segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Cão é que não!

O jogo, de sábado, contra o Porto e os comentários e análises que lhe seguiram foram extraordinários. O extraordinário está fora do ordinário, do normal. Não se pode ver e analisar o que está fora do ordinário, do normal, como se se estivesse a ver o próprio ordinário, o normal. Os conhecimentos de aerodinâmica atuais que nos permitem apreciar o voo de um avião não nos permitirão compreender um ovni quando o virmos, se alguma vez o virmos. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, mesmo que ambas as coisas voem. 

Houve bola, jogadores, treinadores e árbitros e, assim, mentes menos avisadas veem um avião e analisam o seu voo como se de um avião se tratasse. Mas bola, jogadores, treinadores e árbitros também fazem um ovni; e é um ovni que devemos ver e é o seu voo que devemos analisar. O que vimos tem um passado e um contexto conhecido aos quais o sistema de justiça vai chamando nomes (“apitos”, “malas” e por aí adiante). Repeti-los (e repetir-nos) não ajuda à compreensão porque, começando por nos parecer esdrúxulos, logo já nos habituamos a eles até passarem a ser normais, nada extraordinários, portanto. 

Para se compreender o jogo de sábado e o nosso campeonato, o extraordinário, em síntese, temos que recorrer à guerra fria e à Cortina de Ferro. Nesse tempo, na Europa Oriental, os países tinham clubes do regime. Uns tinham sido criados pelo exército, outros pela polícia e outros ainda pelos serviços secretos. Os exemplos são vários. Retenho um dos mais extraordinários (lá está, fora do ordinário, do normal): o Steaua de Bucareste. A história encontra-se disponível no ciberespaço e não a vou repetir. Retenho um dos fragmentos: entre 1986 e 1989, permaneceu invicto durante 104 jogos consecutivos disputados no campeonato, série que se concluiu abruptamente após a execução do ditador Nicolae Ceausescu mas que, ainda hoje, constitui recorde europeu. 

O Zaidu devia ter sido expulso pela entrada sobre o Pedro Porro? O Zaidu devia ter sido expulso pelo “penalty” sobre o Pedro Gonçalves? O árbitro e o vídeo árbitro erraram ao não marcar “penalty”? O Corona fez falta para mais um amarelo? E o Otávio e o Uribe? Se o Rúben Amorim foi expulso, o Sérgio Conceição também o devia ser? O tempo de desconto não foi adequado? Sim, sim, sim, sim, sim, sim e sim? Não! O sim aplica-se ao ordinário, ao normal, não ao extraordinário. 

A claque do Steaua de Bucareste tinha o seguinte cântico: “Tu podes ser um cão ou tu podes ser um adepto do Steaua”. A mensagem é simples, ou és do clube do regime ou és um cão. Seria delicado informarem-nos qual o clube dos militares e qual o clube dos serviços secretos. Que não temos clube, já sabíamos. O que ainda não sabemos é de que clube devemos ser. Cão é que não!

15 comentários:

  1. Caro Rui Monteiro
    Se alguém tivesse dúvidas sobre o seu post, bastava ouvir o Luís Filipe Vieira, ontem na TV 3, sobre a zanga com o Pinto da Costa.Está lá tudo.
    Após o " tratado de Tordesilhas " confirmado ontem pelo Vieira, ainda há gente que tenha dúvidas?
    O único homem no Sporting, que nos últimos anos colocou a nu o poder estabelecido chamava-se Bruno de Carvalho. Percebe-se agora o ódio que lhe foi( e ainda é ) nutrido, d e os seus eunucos ( alguns do Sporting ), não matam os tiranos, pedem mais, como dizia o Zeca Afonso.
    Para quando o fim do video árbitro da Sportv dos jogos do Sporting. Aquele ex.arbitro da regional que faz de vídeo árbitro, está impregnado de antisportinguimo primário, ou será só cretinice?
    Um abraço

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    1. Meu caro,

      Todos sabemos o que se passou no jogo. Sabemos os sportinguistas e sabem os da SporTV e os demais. O Porto não pode perder e o Benfica também não. Contra o Marítimo, foi um acaso. Andou-se a discutir se uma bola que não entra na baliza também pode ser golo. Ninguém procurou discutir como é que uma falta ofensiva foi transformada num "penalty".

      No sábado foi mais do mesmo. O Sporting passa para a frente e passou a valer tudo. Nem me irrita especialmente o que se passou. O que me irrita é os sportinguistas que têm um tal ódio ao Varandas que não vêem o que está à frente dos olhos. No Sporting, o Zaidu tinha acabado a carreira no sábado. O que diríamos todos nós? Um jogador que faz uma entrada despropositada para vermelho. A seguir, é comido na desmarcação do Pedro Gonçalves, faz "penalty" e é expulso. Estaríamos todos a insultar o Varandas e outros que tais pela contratação de outro perneta. No Porto, acabou como herói.

      Jogámos contra o Campeão Nacional, que nos ficou à frente dezenas de pontos. A nossa equipa é praticamente toda nova e cheia de miúdos. Não ganhámos pelas razões que sabemos. Pergunta: como é que o Porto é campeão a jogar tão pouco?

      Abraço

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    2. Claro que tem razão no se que refere ao Zaidu. Aliás, seria interessante fazer uma estatística das entradas a matar do Zaidu, quando estava no Marítimo, e agora no Porto.
      Ele mal assinou pelo Porto, foi informado, que naquele clube, vale tudo, não há problema....
      Quando ao Varandas: Não votei nele. E não votei porque continuo a pensar, que ele não foi correto com o Bruno de Carvalho e a sua atitude na gestão do Sporting deixa muito a desejar.
      Não gosto, pessoalmente, das claques pelas razões sobejamente conhecidas, quando não fiscalizadas, são facilmente monopolizadas por grupos criminosos e nazis. Mas não se pode ter uma politica de terra queimada, porque as claques bem organizadas de apoio ao clube são sempre necessárias. Ir ver jogo de futebol, não é a mesma coisa que ir à missa.
      Para já não falar da rábula da Assembleias gerais.
      No entanto, enquanto for Presidente do clube, é o meu Presidente.
      Sei muito bem separar as águas....

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  2. Peço desculpa em estragar a analogia, mas "cães", aqui, refere-se aos rivais directos do Steaua, os "Cães Vermelhos" ("Cainii roșii"), modo como se autodenominam, com orgulho, os adeptos do Dínamo de Bucareste - que era o clube do Ministério do Interior, ou seja, da Securitate (e do nosso Marius Niculae), pelo que não eram propriamente desvalidos como nós. SL e obrigado pelo excelente trabalho. JPT

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    1. Meu caro,

      Obrigado pela correcção. Este meu "post" decorre de um "link" enviado por um amigo meu. A parte dos cães também serve de "punch line" e pouco mais. A história do futebol nos países de leste está cheia de histórias de clubes do regime. As bancadas estavam sempre recheada de tropa fardada a ver o jogo. A história do Steua é uma entre muitas. diferencia-se das de outros pelo facto de dispor do recorde de jogos invictos. Acho que um dias destes o Porto ou o Benfica vão bater esse recorde pelo caminho que as coisas vão.

      SL

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    2. Eram as bancadas mais verdes da Europa. Daquilo a que por cá se chamava "feijão verde". JPT SL

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    3. Sobre este assunto, vem propósito uma história que me foi contada pelo próprio. Nos anos 80 do século passado, o Porto foi jogar a Moscovo contra um dos clubes que pertencia ao exército.Um adepto do Porto,meu amigo,para além de ser Escuteiro, não falhava um jogo do Porto nas competições cá dentro e lá fora. Quando veio de Moscovo vinha muito admirado, porque " nunca tinha visto tanto escuteiro junto na vida dele a ver um jogo de futebol".

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  3. Este jogo com uma arbitragem, os portistas acabavam o jogo com pelo menos 9 jogadores. Deram pau à farta e amarelos, poucos.
    A cereja no topo no bolo: o penálti "revertido" (ehehe) podia ter sido visto através de uma fresta do Estádio, por um habitante que estivesse à janela nos prédios em frente ao Estádio, tal era a sua clareza, mas o VAR com 8/9 (?) câmaras não viu. Para este nem a optivisão lhe pode valer, portanto nada menos que a sua expulsão da arbitragem, para o "reversor" pela péssima "apitadeira", do principio ao fim do jogo, devia de regressar, com a visão melhorada e calminho, depois de passar a pandemia. Eles mereciam.
    Uma moeda tem duas faces, Benfica e Porto preenchem-nas. São farinha do mesmo saco...
    Ó Migang, com toda a consideração, o Bruno de Carvalho? Já passou há tanto tempo, o tempo não anda para trás.

    O Poeta iletrado

    Sl

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    1. Meu caro,

      O problema é que a história repete-se e a nós pouco nos importa se se repete como tragédia ou como farsa. No próximo jogo será assim e no seguinte também até o fim dos tempos. Ou se muda de regime ou não há nada a fazer. Não se percebe é como se consegue construir uma Perestroika qualquer.

      SL

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  4. Caro Rui,
    Permita-me assinalar esta pequena curiosidade de que sou testemunha à força: nos sucessivos TJ's da RTP eles não se cansam de afirmar que o Benfica tem 5 pontos de vantagem sobre o Porto. Mesmo sem mentir tentam esquecer que há 4 equipas a 5 pontos e uma delas tem um jogo a menos. Ai se a má fé fosse taxada a uma taxa razoával...

    SL

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    1. Caro Aboím Serôdio,

      O campeonato ainda mal começou e o campeão já está anunciado. O Porto perdeu 5 pontos. Sobre o Benfica. O Sporting serve para o que sempre serviu, para fazer número. É assim que os nosso jornalistas pensam futebol.

      SL

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  5. Rui Monteiro
    O campeão já está encontrado, Jorge de Jesus em mais uma brilhante tirada : "nunca um clube ganhou os primeiros 4 jogos do campeonato". Os incidentes em Alvalade inserem-se numa estratégia equilibradora, mal seria se o FCP perdesse, ficava a 7 pontos, lá se ia o equilibrio imaginário.
    Depois há sportvs, dezenas deprogramas futeboleiros. Há que manter o mínimo de competição.
    O Sporting há 40 anos não conta, os Sportinguistas divertem-se na guerra dos varandistas x brunistas.
    Sábado há mais. Força Amorim
    SL

    João Balaia

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    1. Caro João,

      A questão é mesmo essa. É preciso manter a roda a girar mesmo que não se saia do mesmo sítio. Há jornais para vender, programas desportivos para produzir, jogos em "pay per view", etc. Tem que se dar a impressão que o campeão é incerto quanto tudo está escrito nas estrelas.

      SL

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  6. Caro Rui,

    Extraordinária crónica. Procuro sempre ver o futebol jogado e não a farsa executada pelas arbitragens, mas ele há coisas que não podem ser analisadas enquanto ordinárias. O que se passou no Sábado foi fora do normal e portanto é um erro arriscar uma análise ordinária. Daí achar a sua análise extraordinária.

    No entanto há algo de normal no meio disto tudo: as extraordinárias declarações de Sérgio no final do jogo! Depois de um jogo em que os seus jogadores distribuíram fruta a torto e a direito acabou por dizer: "Há jogadores que têm de perceber o que é a identidade do FC Porto" Fiquei também eu sem perceber, mas desconfio que pode ter a ver com a fruta, ou com o desconhecimento de alguns jogadores sobre os verdadeiros milagres que a sua gerida distribuição podem fazer...

    SL

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    1. Caro João,

      Excelente observação. Imagino que a identidade do Porto passe por entrarem em campo com um faca do Rambo e uma Kalashniko. Entrar em campo só com vontade de partir a tíbia e o perónio do adversário é para meninos.

      SL

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