segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

O coração do Scrooge que há em nós (sportinguistas)

O jogo de sábado presta-se a todas as metáforas. O contexto permite várias: o Natal e o seu pinheiro, as depressões e tempestades que passaram a ter nome próprio e deixaram de ser simples vento e chuva. Talvez se preste à principal alegoria, à nossa razão de ser: a resistência. Nas últimas quatro décadas, o Sporting constitui uma impossibilidade. Pouco ou nada se ganha, o Benfica e o Porto, à vez, passeiam a sua hegemonia. Mas nós continuamos Sporting e do Sporting e, connosco, os nossos filhos e netos. Contra o Portimonense, não desistimos, não desistimos dos jogadores, os jogadores não desistiram de nós e o Silas não desistiu da sua equipa e do apuramento para a “final four” da Taça da Liga, vendo para lá do que a vista alcança. 

Começámos depressa de mais, com sentido de urgência despropositado, como se tudo tivesse que ser resolvido no primeiro quarto de hora. A precipitação, as perdas de bola, a aselhice e o azar iam deitando tudo a perder: um “penalty” escusado e um autogolo. Qualquer equipa se teria resignado. Nós não. O Ristovski fez o que sabe fazer melhor, passar ao Bruno Fernandes, e o Bruno Fernandes simulou o remate, tirou um adversário do caminho e esperou a desmarcação do Vietto para lhe fazer tabelar a bola na cabeça e assim voltarmos ao jogo. Pressentia-se o segundo golo ainda antes do intervalo, mas o nosso caminho não tem só as suas pedras, tem também árvores, bichos vários e aves raras. O árbitro viu o que não podia ver porque não existiu (teve uma alucinação, por outras palavras), e expulsou o Bolasie, premiando a batota. 

O início da segunda parte constituiu mais um teste à nossa capacidade de sobrevivência. Um avançado desmarca-se nas costas da nossa defesa, isolando-se e obrigando o Coates a um corte em desespero, que, azar dos azares, tira o Max da jogada e deixa o adversário com a baliza aberta. Esperávamos o golo, enquanto o jogador do Portimonense dominava a bola para a empurrar para a baliza. No entanto, do nada, da “twilight zone”, vimos regressar o Max ainda a tempo de se estirar e desviar o remate para o poste, mantendo-nos com a cabeça de fora. Logo a seguir, o Coates quis-nos explicar, a nós, aos seus colegas e ao adversário, que não estávamos no jogo só para sobreviver e foi por ali fora, tropeçando na bola e nos adversários, tabelando uma e outra vez, até deixar o Vietto isolado para rematar com a canela ao lado, falhando um golo cantado. 

O destino não estava escrito, ainda havia tempo para se fazer história, e o Silas substitui o Doumbia e o Ristovski pelo Luiz Phellype e o Gonzalo Plata, deixando todo o lado direito para o Rafael Camacho e assim mandando o miúdo fazer-se à vida. E o miúdo nunca mais foi miúdo, cresceu, ficou adulto e partiu tudo com o segundo golo. O Silas volta a mexer e equilibra a equipa, tirando o desgastado Wendell para meter o Battaglia, que recupera uma bola, o Vietto desmarca de primeira o Bruno Fernandes e este domina-a com um pé e, sem a deixar cair, fá-la sobrevoar um defesa, isolando o Gonzalo Plata que, mais parecendo um veterano, marca o terceiro golo. Os festejos não deixam dúvidas: temos equipa! Mas uma história, uma bela história, precisa de todos os seus heróis improváveis, todos têm o seu papel, faltando, assim, o último golo do Luiz Phellype, depois de um excelente passe do Gonzalo Plata a desmarcar o Vietto que cruza rasteiro para este marcar um “penalty” de bola corrida. 

Este jogo foi mais do que um jogo, foi um conto de Dickens. O rabugento Scrooge que há em nós (sportinguistas) tem um coração à espera da sua oportunidade. Ninguém desiste, ninguém desiste de ninguém. O Bruno Fernandes, o Camacho, o Plata, o Phellype, o Max, o Coates, o Acuña (o Mahatma Acuña neste jogo, tais foram as falta e as entradas à espera da sua reação), todos eles, não desistiram, não desistiram de nós e nós não desistimos deles. Esta é a história que queria escrever para desejar um Feliz Natal a todos os sportinguistas!

11 comentários:

  1. Excelente crónica. Pero Vaz de Caminha não escreveria melhor.
    Eu também não desisto do Sporting....e não desisto deste blog.
    Feliz Natal para o Rui Monteiro e demais autores.

    João Balaia

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    1. Caro João Balaia,
      Obrigado! Um Feliz Natal para si e para os seus.
      Um abraço amigo do
      Rui Monteiro

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    2. Os sportinguistas não desistem,não desistem de dizer mal nem do Sporting.Excelente texto.
      Boas Festas para os autores e seguidores do Blog. SL

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    3. Caro Baleiras,
      Somos da raça que nunca se verga. Obrigado! Um Feliz Natal para si e para os seus.
      Um abraço amigo do
      Rui Monteiro

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  2. “ Mas nós continuamos Sporting e do Sporting e, connosco, os nossos filhos e netos.”

    Sim, com muita bondade e compaixão continuo a verde e branca. Mas preciso de doses cavalares de equanimidade para suportar sem reacção a elite bafienta que tomou novamente conta do clube. uma vergonha! Enfim, encho-me de alegria empática e finjo não são desta existência.
    Boas Festas e cá continuarei a segui-lo neste seu espaço de verdadeiro Leão.
    Um Abraço

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    1. Caro João Miguel,

      Se não fôssemos do Sporting seríamos exactamente do quê? As famílias são assim. Há sempre um tio ou uma tia ranhosa com a qual nem sempre podemos, mas que não seríamos os mesmos sem as suas meias de lã pelo Natal.
      Um abraço amigo do
      Rui Monteiro

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  3. Caro Rui,
    Concerteza :) pela minha parte enquanto os tias e tias e abençoados priminhos não se assoam entrego o numerário da minha cotização à UNICEF,

    aqui: https://www.unicef.pt/como-ajudar/amigos-da-unicef/

    Forte Abraço

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    1. Caro Xará
      Dou para muitas instituições sempre que solicitado, na medida das minhas posses, mas as quotas de sócio do Sporting, desde a Bancad Nova, são para o Sporting. Não são para os presidentes.
      SL

      João Balaia

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    2. Caro Xará, tens muita Graça. continua assim que a elite bafienta agradece-te o gesto. por haver gente como tu é que o Sporting é o que é. boas fêstas

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  4. Mais um excelente texto de Rui Monteiro. É isso mesmo, nós não desistimos, contra ventos e marés, mesmo com comandantes de fraco nível, contra os ladrões, vestidos de preto, a mando dos delinquentes, vestidos de vermelho, ou de azul (tem dias), marchar, marchar...
    SL

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    1. Caro Toujoursvert,
      Obrigado pelo seu comentário. Um Feliz Natal para si e para os seus.
      Um abraço amigo do
      Rui Monteiro

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