O jogo de sábado presta-se a todas as metáforas. O contexto permite várias: o Natal e o seu pinheiro, as depressões e tempestades que passaram a ter nome próprio e deixaram de ser simples vento e chuva. Talvez se preste à principal alegoria, à nossa razão de ser: a resistência. Nas últimas quatro décadas, o Sporting constitui uma impossibilidade. Pouco ou nada se ganha, o Benfica e o Porto, à vez, passeiam a sua hegemonia. Mas nós continuamos Sporting e do Sporting e, connosco, os nossos filhos e netos. Contra o Portimonense, não desistimos, não desistimos dos jogadores, os jogadores não desistiram de nós e o Silas não desistiu da sua equipa e do apuramento para a “final four” da Taça da Liga, vendo para lá do que a vista alcança.
Começámos depressa de mais, com sentido de urgência despropositado, como se tudo tivesse que ser resolvido no primeiro quarto de hora. A precipitação, as perdas de bola, a aselhice e o azar iam deitando tudo a perder: um “penalty” escusado e um autogolo. Qualquer equipa se teria resignado. Nós não. O Ristovski fez o que sabe fazer melhor, passar ao Bruno Fernandes, e o Bruno Fernandes simulou o remate, tirou um adversário do caminho e esperou a desmarcação do Vietto para lhe fazer tabelar a bola na cabeça e assim voltarmos ao jogo. Pressentia-se o segundo golo ainda antes do intervalo, mas o nosso caminho não tem só as suas pedras, tem também árvores, bichos vários e aves raras. O árbitro viu o que não podia ver porque não existiu (teve uma alucinação, por outras palavras), e expulsou o Bolasie, premiando a batota.
O início da segunda parte constituiu mais um teste à nossa capacidade de sobrevivência. Um avançado desmarca-se nas costas da nossa defesa, isolando-se e obrigando o Coates a um corte em desespero, que, azar dos azares, tira o Max da jogada e deixa o adversário com a baliza aberta. Esperávamos o golo, enquanto o jogador do Portimonense dominava a bola para a empurrar para a baliza. No entanto, do nada, da “twilight zone”, vimos regressar o Max ainda a tempo de se estirar e desviar o remate para o poste, mantendo-nos com a cabeça de fora. Logo a seguir, o Coates quis-nos explicar, a nós, aos seus colegas e ao adversário, que não estávamos no jogo só para sobreviver e foi por ali fora, tropeçando na bola e nos adversários, tabelando uma e outra vez, até deixar o Vietto isolado para rematar com a canela ao lado, falhando um golo cantado.
O destino não estava escrito, ainda havia tempo para se fazer história, e o Silas substitui o Doumbia e o Ristovski pelo Luiz Phellype e o Gonzalo Plata, deixando todo o lado direito para o Rafael Camacho e assim mandando o miúdo fazer-se à vida. E o miúdo nunca mais foi miúdo, cresceu, ficou adulto e partiu tudo com o segundo golo. O Silas volta a mexer e equilibra a equipa, tirando o desgastado Wendell para meter o Battaglia, que recupera uma bola, o Vietto desmarca de primeira o Bruno Fernandes e este domina-a com um pé e, sem a deixar cair, fá-la sobrevoar um defesa, isolando o Gonzalo Plata que, mais parecendo um veterano, marca o terceiro golo. Os festejos não deixam dúvidas: temos equipa! Mas uma história, uma bela história, precisa de todos os seus heróis improváveis, todos têm o seu papel, faltando, assim, o último golo do Luiz Phellype, depois de um excelente passe do Gonzalo Plata a desmarcar o Vietto que cruza rasteiro para este marcar um “penalty” de bola corrida.
Este jogo foi mais do que um jogo, foi um conto de Dickens. O rabugento Scrooge que há em nós (sportinguistas) tem um coração à espera da sua oportunidade. Ninguém desiste, ninguém desiste de ninguém. O Bruno Fernandes, o Camacho, o Plata, o Phellype, o Max, o Coates, o Acuña (o Mahatma Acuña neste jogo, tais foram as falta e as entradas à espera da sua reação), todos eles, não desistiram, não desistiram de nós e nós não desistimos deles. Esta é a história que queria escrever para desejar um Feliz Natal a todos os sportinguistas!
Excelente crónica. Pero Vaz de Caminha não escreveria melhor.
ResponderEliminarEu também não desisto do Sporting....e não desisto deste blog.
Feliz Natal para o Rui Monteiro e demais autores.
João Balaia
Caro João Balaia,
EliminarObrigado! Um Feliz Natal para si e para os seus.
Um abraço amigo do
Rui Monteiro
Os sportinguistas não desistem,não desistem de dizer mal nem do Sporting.Excelente texto.
EliminarBoas Festas para os autores e seguidores do Blog. SL
Caro Baleiras,
EliminarSomos da raça que nunca se verga. Obrigado! Um Feliz Natal para si e para os seus.
Um abraço amigo do
Rui Monteiro
“ Mas nós continuamos Sporting e do Sporting e, connosco, os nossos filhos e netos.”
ResponderEliminarSim, com muita bondade e compaixão continuo a verde e branca. Mas preciso de doses cavalares de equanimidade para suportar sem reacção a elite bafienta que tomou novamente conta do clube. uma vergonha! Enfim, encho-me de alegria empática e finjo não são desta existência.
Boas Festas e cá continuarei a segui-lo neste seu espaço de verdadeiro Leão.
Um Abraço
Caro João Miguel,
EliminarSe não fôssemos do Sporting seríamos exactamente do quê? As famílias são assim. Há sempre um tio ou uma tia ranhosa com a qual nem sempre podemos, mas que não seríamos os mesmos sem as suas meias de lã pelo Natal.
Um abraço amigo do
Rui Monteiro
Caro Rui,
ResponderEliminarConcerteza :) pela minha parte enquanto os tias e tias e abençoados priminhos não se assoam entrego o numerário da minha cotização à UNICEF,
aqui: https://www.unicef.pt/como-ajudar/amigos-da-unicef/
Forte Abraço
Caro Xará
EliminarDou para muitas instituições sempre que solicitado, na medida das minhas posses, mas as quotas de sócio do Sporting, desde a Bancad Nova, são para o Sporting. Não são para os presidentes.
SL
João Balaia
Caro Xará, tens muita Graça. continua assim que a elite bafienta agradece-te o gesto. por haver gente como tu é que o Sporting é o que é. boas fêstas
EliminarMais um excelente texto de Rui Monteiro. É isso mesmo, nós não desistimos, contra ventos e marés, mesmo com comandantes de fraco nível, contra os ladrões, vestidos de preto, a mando dos delinquentes, vestidos de vermelho, ou de azul (tem dias), marchar, marchar...
ResponderEliminarSL
Caro Toujoursvert,
EliminarObrigado pelo seu comentário. Um Feliz Natal para si e para os seus.
Um abraço amigo do
Rui Monteiro