segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Ajustar as velas em função do vento

“É preciso ajustar as velas em função do vento”, disse o Abel Silva, treinador do Braga, no final do jogo de ontem. As alegorias nem sempre se percebem. Nem sempre são alegorias sequer, recordando o “Bem-vindo Mister Chance” e a interpretação de Peter Sellers. O sentido metafórico apela mais ao recetor do que ao emissor. Poderá querer dizer que os treinadores, os bons, precisam do vento para navegar. O problema é que nem sempre se sabe de que lado sopra o vento antes de se começar a jogar e o vento muda de direção e sentido durante o jogo. O bom treinador talvez seja aquele que saiba jogar contra o vento, que seja capaz de navegar à bolina. O bom treinador não é, nem pode ser um cata-vento. É esta necessidade de antecipar de que lado sopra o vento que me vem preocupando no Marcel Keizer. A equipa vai sendo ajustada tacitamente de jogo para jogo, em função do adversário e daquilo que dele se espera. 

Ontem, contra o Braga, aconteceu mais uma vez. Em posse de bola, a equipa jogava com três jogadores recuados: Coates, Ilori e Borja, com os dois últimos a jogar pelo lado de fora, em cobertura às laterais. Não se pode dizer que a equipa jogou com três centrais, porque se é verdade que o Ristovski recuava quando se defendia para a sua posição de lateral, não acontecia exatamente o mesmo com o Acuña. Na primeira parte, a linha defensiva era formada por quatro jogadores, passando por vezes para cinco, na segunda parte, por força da colocação do Wilson Eduardo e da necessidade de o Acuña fechar mais o lado esquerdo da defesa. Esta tática permitiu à defesa jogar mais confortável contra os dois avançados do Braga e não sinalizar à partida o jogador pelo qual passaria predominantemente a construção de jogo. O Gudelj não precisou de jogar tão recuado como de costume, competindo a esses três jogadores a saída da bola, ou pelas laterais ou pela zona central. Com o Ristovski mais projetado na lateral, o Diaby podia partir do lado direito para o meio, encostando ao Bas Dost e apoiando-o, de forma alternada com o Bruno Fernandes. 

O Braga nunca atinou com esta forma de jogar. A imprevisibilidade da saída de bola deixou o Wendell sistematicamente liberto do lado esquerdo para conduzir o jogo ofensivo, onde o Esgaio não sabia se devia encostar ao Borja, marcar o Acuña ou jogar mais por dentro para impedir que o Wendell recebesse a bola e ganhasse superioridade numérica. Do outro lado, o defesa esquerdo nem sempre percebia se devia acompanhar as movimentações do Diaby ou tapar as investidas do Ristovki. As táticas ajudam os jogadores a ganhar jogos mas são sempre os jogadores que os ganham. Livre à entrada da área bastante descaído para o lado direito do ataque e circunstância ideal para se assistir a um momento Balakov às avessas, também designado momento Bruno Fernandes. O guarda-redes pressentiu o que iria acontecer e meteu cinco jogadores na barreira, ao qual se juntou um sexto quando o Ristovski lhe tentou tapar a visão do lado de dentro, com pelo menos um deles a tapar um metro para além do poste, convidando assim o Acuña a rematar. O Bruno Fernandes é que não estava para brincadeiras e meteu a bola por onde não parecia possível que ela entrasse, fazendo-a descrever uma parábola, passando por cima da barreira e caindo em seguida praticamente junto ao ângulo inferior direito da baliza. 

O Abel Silva percebeu o problema que tinha do lado direito da defesa e fez a substituição que se impunha no início da segunda parte. No entanto, só tarde de mais é que percebeu que tinha problema idêntico do outro lado da defesa também. O Diaby recebeu uma bola do lado direito, tropeçou nela e num adversário, tropeçou nela outra vez e noutro adversário e, quando se isolava, dois adversários tropeçaram nele esquecendo-se de tropeçar na bola ao mesmo tempo. “Penalty” e Bas Dost a avançar para a bola enquanto olhava para o guarda-redes, rematando para o lado contrário onde este se lançou. Lançamento de linha lateral do lado direito, Bruno Fernandes a receber a bola e a demonstrar ao Diaby que existem formas esteticamente mais consentâneas com o estatuto de jogador de futebol de nela tropeçar e nos adversários, dando-lhe um ligeiro toque de calcanhar (?) para a frente, tirando o defesa do caminho e metendo de primeira para o Bas Dost encostar, perante a incredulidade dos defesas quanto à forma como tudo aconteceu. 

A perder por três a zero, os jogadores do Braga resolveram dar um festival de mau perder, perante um árbitro que achava que a cor dos cartões só combinava com as das camisolas do Sporting, nada que não se esperasse, sobretudo depois da forma como acabou a primeira parte connosco a atacar e vários jogadores dentro da área à espera de um passe. A marcação das faltas também seguiu um padrão hilariante, especialmente quando o defesa esquerdo se decidia espraiar-se no relvado sempre que sentia nas costas o bafo do Acuña. Com o jogo a concluir-se, o árbitro deu-o como perdido e a contragosto foi mostrando um ou outro amarelo aos do Braga que, assim, conseguiram concluí-lo com onze jogadores. 

Várias dúvidas e perplexidades nos deixa este jogo. Esta tática é para continuar? Serviu contra o Braga e serve contra outros adversários, em particular quando são mais modestos? Hipotecam-se tantos jogadores na construção do ataque quando os adversários jogarem com um só avançado, equilibrarem o meio-campo e recuarem mais? A equipa do Sporting dispõe de um portfólio de táticas que treina e ao qual pode recorrer nos jogos ou estas táticas são coladas com cuspe nos treinos que lhes antecedem? Uma certeza existe: o Marcel Keizer não é um Peseiro qualquer e sabe o que faz. O que não sabemos é se é o medo de perder que o move ou a vontade de ganhar. Talvez valha a pena mostrar-lhe a ele e aos jogadores o último “time out” do Nuno Dias no jogo de futsal contra o Benfica, perguntando aos seus jogadores se queriam virar o resultado da primeira volta. Quando se esperava que a equipa procurasse neutralizar melhor o 5x4 do adversário, foi ela própria que lhe impôs esse 5x4, enfiando-lhe mais dois golos num minuto e forçando o seu destino.

18 comentários:

  1. Muito bom, Rui.

    pelos vistos também pertilhamos do gosto pelo Sellers, juntamente com os Monty Python uma referência para mim.

    O Diaby é que foi de bolina:uma diagonal a 45º naquele seu estilo tão peculiar. Mas resulta, salvo erro contra o Aves (passe de ruptura de Bruno Fernandes) marcou assim.

    Mandam as recomendações que os árbitros também se movam à bolina, mas o Jorge Sousa deve tê-lo confundido com "bovina", tal a expressão impassível da sua face face (coisas do português) aos atropelos às regras cometidos por jogadores do Braga.

    No final da primeira parte, o árbitro fez-me lembrar aquela "sketch" do aviador, do Herman, que interrompia os actos ("que é isto, hein?").

    Um abraço

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    1. Caro Pedro,

      O “Bem-vindo Mister Chance” é um dos meus filmes da vida, mas no "Rato que ruge" o Peter Sellers atinge o máximo a que qualquer actor pode aspirar.

      O problema do Diaby nunca foi o vento. O problema maior dele é a bola. A bola só serve para atropelar os adversários. O árbitro não tem respeito pelo jogo, pelos jogadores e pelos espetadores. No fundo, este como os restantes do campeonato nacional, bastam-se a si próprios e não precisam de nada nem de ninguém e têm razão: o campeonato é decidido por eles.

      Um abraço

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    2. Caro Rui,

      às vezes Alvalade assemelha-se a Grand Fenwick. O nosso "Pinot" foi replicado ali do outro lado da Península de Setúbal e nós propomo-nos ir à luta munidos de ...arco e flechas. E não é dando as nossas melhores colheitas que valorizaremos o nosso "vinho"...

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    3. Caro Pedro,

      Só falta a Liga e a FPF renderem-se porque estavam num exercício de simulação de uma ataque atómico, um ataque com emails, vouchers e assim.

      Um abraço

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  2. Caro Rui, caro Pedro:
    Não percebo a vossa surpresa com o Jorge sousa, aquela criatura cuja cabeça tem formato de amendoim, o que me proporciona grandes barrigadas de riso quando o focam durante um jogo: não se lembram que este rapazito foi para a jarra por faxer publicidade, num jogo da equipa B do Sporting, ao mais famoso artigo do artesanato popular das Caldas da Rainha?
    O homem, desde essa altura, o homem ficou com uma azia tal ao nosso Clube que não perde ocasião de nos tentar lixar.
    Teve azar, uma vez mais. Temos pena. Recomendar-lhe-ía a famosa frase do Maradona que, por ser este blogue de gente séria e distinta, aqui não cito.
    Abraço aos dois,
    José Lopes

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    1. Caro José Lopes,

      Lembro-me muito bem dos impropérios dirigidos a um puto que era o guarda-redes. Uma vergonha. Para ele só foi vergonha porque toda a gente viu e ouviu na transmissão.

      SL

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    2. Retribuo os cumprimentos, caro José Lopes.

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  3. Optima crónica como sempre: Humor, conhecimento e análise específica. O cocktail da vida. Parabens e confesso que fico sempre com atenção ao que escreve.
    Realmente resta a duvida: É tudo premeditado e o que falta é tempo para treinar? Há qualquer coisa que não está explicado, subentendido ou enviado por mensageiro, nesta trajectória errante. Prefiro olhar para o futuro mas é difícil compreender o que aconteceu no passado recente. Quando se começa a descortinar algo que parece definir uma coerência, eis que existe um "flick-flack". O treinador deixa para nós analisarmos, o presidente fala só as vezes e explica pouco. Posso perceber que um clube não se dirige ao sabor dos adeptos e que foram adeptos (?) que fizeram Alcochete mas, caramba, nós somos os sócios e os adeptos, damos vida ao clube... não seria pelo menos "jeitoso" (e ja agora "respeitoso") que houvesse uma linha clara (mesmo que se possa vir a revelar errada) sobre o que estamos a fazer na gestão e no campo? Eu que tenho o pecado de amar o Sporting me confesso... baralhado!

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    1. Meu caro,

      Não sei se o Marcel Keizer tem experiência bastante para aguentar um clube como o Sporting. Não sei se tem estaleca, como se diz. Agora, parece saber da poda. As coisas não parecem surgir do acaso. A série de jogos que ganhámos com goleada não resultou da chicotada psicológica. Havia trabalho e ideias claras.

      De repente, as coisas começaram a mudar e não se percebe porquê e ninguém nos explica. A preparação dos jogadores não dá para mais? Os jogadores não serviam e estes servem, apesar de só praticamente o Borja entrar diretamente no onze? Onde é que está a aposta na formação? Muitas interrogações e poucas explicações, como diz.

      SL

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  4. Caro Rui,

    Mais uma vez uma excelente crónica. Pegando no seu mote fica a dúvida se ontem o vento empurrou um navio à deriva no sentido correto por mero acaso, ou se efetivamente passado o tenebroso período do mercado temos finalmente alguém ao comando...

    Do lado de Jorge Sousa não há dúvidas: do que depender dos sopros dele vamos sempre contra o vento. Ontem não foi uma ventania das maiores, mas fica a sensação que vinha preparado para uma tempestade!

    SL

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    1. Caro João,

      O Marcel Keizer vai mudando de jogo para jogo em função dos adversários, contrariamente ao que aconteceu nos primeiros jogos. Às vezes resulta, outras vezes nem por isso. Por isso é que não sabemos se esta tática veio para ficar ou se foi mais um arranjo para este jogo em particular.

      Não tivéssemos marcado na primeira parte e tínhamos o caldo entornado. O jogo das faltas e dos amarelos serve par enervar uns e descansar outros. Quando o jogo se aproxima do fim e não se desata, temos asneira da grossa. Como marcámos na primeira parte e concluímos o resultado ainda na fase inicial da segunda parte, não houve tempo para estragos.

      SL

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  5. Conhecem aquelas páginas do Facebook, de "frases inspiradoras", e "citações motivacionais", que na grande parte das vezes são mal citadas, ou atribuídas à pessoa errada, que fazem muito sucesso entre as senhoras com mais de 50 anos?
    Parece que o Abel também é fã.

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    1. Caro Vítor Hugo Vieira,

      Estas são aquelas frases que os directores de comunicação sopram aos ouvidos dos treinadores para eles as irem transmitir para as conferências de imprensa. Por exemplo, o Bruno Lage desde que começou a ganhar é metáfora atrás da outra.

      SL

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  6. Cabral descobriu o Brasil empurrado pelo vento, Keizer que deve andar a ler a nossa história para tentar compreender onde se meteu, aproveitou o tempo chuvoso, nem estava assim tanto vento, como no Estoril de JJ, e mandou Abel de trombas de volta para a Pedreira.
    Antes que me esqueça, Acuña foi um heroi, levou pancada e portou-se como bom samaritano, ou ja percebeu que gostam de o amarelar e ontem com o padre do bolhão era tiro certo.
    Excelente analise do jogo, subscrevo. Keizer nos jogos grandes, excepto com o Benfica em Alvalade, tem acertado na tática, falha quando as equipas jogam com 1 avançado,fazendo transições rápidas.
    Ontem a equipa teve 6 jogadores poupados contra o Vila Real, esteve fisicamente muito melhor, por outo lado Borja é melhor que Jefferson e Ristovski que Gaspar, talvez Doumbia seja o 6 que procuramos.
    Keizer tera encontrado, finalmente, o ponto de equilibrio e tendo Bruno Fernandes é meio caminho andado para o sucesso.

    João Balaia

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    1. Caro João,

      Começo a ter pena do Acuña. No Porto e no Benfica virava-os uns atrás dos outros e era considerado a alma da equipa. No Sporting, leva e não reclama porque, de outra forma, vai para a rua e os comentadores dizem que precisa de umas sessões de psicoterapia.

      Este sistema tático, mesmo com o Mathieu no lugar do Borja, é capaz de ser aquele que menos expõe a equipa. Sendo os centrais das pontas mais rápidos e jogando com o pé certo, a equipa está menos desequilibrada e pode sair com a bola sem contar com o pastelão do Gudelj. Ontem, por exemplo, não jogou mal. Preocupou-se em recuperar umas bolas e não atrapalhar quem joga à bola.

      SL

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  7. Boa essa do Acuña. Ja tivemos um exemplo, João Pereira, no Benfica, malhava do principio ao fim e nada no Sporting foi o que se viu, lembro um jogo com o Benfica, João Pereira levou vermelho directo aos 10 minutos de jogo.
    Maxi terá dito no Porto que jogava mais à vontade no Benfica, mas para o Sporting nunca iria. Lá terá as suas razões.
    SL

    João Balaia

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  8. Afinal o Raul Silva foi suspenso por dois jogos, apos queixa do Sporting.
    Como foi possível o árbitro e o VAR não terem visto aquela brutal agressão. Conhecendo bem o Acuña, o Homem deve ter contado ate 100 para não responder. Merecia uma ovação de pé no próximo jogo em Alvalade.

    João Balaia

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    1. Caro João,

      Depois do Ristovski agora o Acuña. Está na altura de se escrever uma tarja em Alvalade a dizer" Deixem jogar o Mantorras".

      SL

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