A crónica de um jogo é sempre uma narrativa. Não deixa de ser uma reconstrução que tem como objetivo legitimar o resultado final, que encerra os factos, todos os factos. As coisas não são como são. Obedecem sempre a uma lógica que as determina e lhes dá sentido. A sorte ou o azar têm detalhe técnico [nem que seja o da famosa eficácia], não são sorte ou azar, ponto. A crónica só precisa assim do resultado final e de plausibilidade.
Perdemos por dois a um contra o Benfica e ficámos em quarto lugar no campeonato. Estes são os resultados e, por isso, os factos, todos os factos. Como se sabe, o Sporting ferrou o cão ao Braga. Mas há ferrar o cão e ferrar o cão. Há formas de ferrar o cão que são contra os Direitos Humanos. O pagamento do IVA ou do Imposto sobre o Valor Acrescentado ao Estado é da responsabilidade do vendedor, a partir do momento que se dá o movimento económica mas não, necessariamente, o financeiro, isto é, a partir da faturação. Como se verifica, o resultado de ontem serviu para adiantar o IVA ao Braga.
Dantes, estes assuntos eram tratados por departamentos especializados dos clubes ou por empresas de contabilidade. Como se costuma dizer, hoje o futebol é uma indústria e estes movimentos passaram a ser intermediados por profissionais muito qualificados que trabalham em empresas de gestão de carreiras. Os movimentos são sobretudo em espécie: hoje um resultado, amanhã a transferência de uma jovem promessa, depois um encontro de contas.
Tinha visto vários jogos na Benfica TV, mas nunca tinha ouvido, os narradores e os comentadores. Imagino que as transmissões da Pyongyang TV sejam do mesmo género. Ouvir referência ao Jorge Jesus durante a transmissão constituiu o momento "Big Brother is watching you". O Benfica, enquanto clube, e os benfiquistas, enquanto adeptos, estão transformados no benfiquismo, um fanatismo, uma ideologia com bigodes.
Em condições normais, acabada a época, seria necessário pensar o futuro. Nos tempos que correm, lê-se a "Visão Estratégica" de António Costa Silva. Parafraseando, o objetivo é transformar o Sporting numa potência média de “soft power”, ligando a diplomacia na Liga e na FPF, as missões de solidariedade com o Tondela, o Setúbal ou o Aves, a tecnologia do vídeo-árbitro e a necessidade de combater o antijogo, para abrir caminho à criação de plataformas colaborativas no âmbito da UEFA e da FIFA. No passado, pensaríamos que a contratação de um defesa central para emparelhar com o Coates, de um defesa direito parecido com um defesa direito e de um avançado que marcasse golos resolveria o nosso problema. Eram outros tempos, tempos de amadores.
"Tinha visto vários jogos na Benfica TV, mas nunca tinha ouvido, os narradores e os comentadores. Imagino que as transmissões da Pyongyang TV sejam do mesmo género. Ouvir referência ao Jorge Jesus durante a transmissão constituiu o momento "Big Brother is watching you". O Benfica, enquanto clube, e os benfiquistas, enquanto adeptos, estão transformados no benfiquismo, um fanatismo, uma ideologia com bigodes."
ResponderEliminarClaro que na Sporting TV isto não acontece, certo?
Mas temos que entender isto de quem não é fanático ao ponto de por no título de um blog falar sempre mal do Benfica...
Meu caro,
EliminarÉ simples. Vou explicar melhor para compreender.
Comecemos pelo básico. Não escrevi que a Sporting TV é melhor do que a Benfica TV. As transmissões e reportagens da Sporting TV são tão alienantes quanto às da Benfica TV. Existe uma diferença, uma pequena diferença, que faz toda a diferença. Só o Benfica tem os seus jogos do campeonato nacional transmitidos pela televisão do clube. Aliás, é caso único na Europa (porventura no Mundo).
Os benfiquistas talvez não compreendam, mas é no mínimo estranho que a narração e os comentários tenham como únicos destinatários os benfiquistas (e os benfiquistas fanáticos, digo eu). Quem narra e quem comenta fá-lo de camisola do Benfica vestida e como se os jogo não estivesse a ser visto por adeptos do Sporting e não lhes disseste respeito também.
É como se o jogo dissesse exclusivamente respeito ao Benfica e o adversário simplesmente não existisse. Para tudo ser perfeito, ainda temos comentários do Veloso. Não se arranja um comentador com aparência de neutro? Não se arranja outro mais do Sporting para o contraditório pelo menos? A cereja em cima do bolo é ouvir durante o jogo autênticos momentos de propaganda da atual direção do Benfica.
Como vê, não proponha em alternativa a Sporting TV. Proponho uma coisa mais parecida com o normal. Uma transmissão dos jogos do campeonato nacional para todos, adeptos ou não de um clube, com regras básicas de jornalismo desportivo. Isso simplesmente não é possível num canal de clube nenhum.
Compreendido agora?!
Começa mal ao crer fazer uma suposta superioridade intelectual sua sobre o meu comentário – indicia logo falta de argumentos.
ResponderEliminarJá agora onde é que escrevi essa acusação que para o Rui a Sporting TV é melhor que a do Benfica? O que eu escrevi é que na Sporting TV acontece o mesmo.
Tem bom remédio, Rui – mude de canal, baixe o som ou ponha música.
Já agora partilha essa opinião também nas modalidades? É que pelo que tenho conhecimento e se não estou em erro, há modalidades com transmissão exclusiva dos clubes, inclusive do Sporting.
Mas no ultimo parágrafo é que se descobre onde quer chegar – a famosa centralização dos direitos televisivos.
Esqueça, enquanto não houver respeito por todos os clubes só mesmo por imposição legal é que vamos ter isso.
Meu caro,
EliminarArre que é chato!
Veio ao blogue e disse o que bem entendeu. Respondi-lhe da maneira que achei melhor. Responde-me outra vez, dizendo que sou (i) arrogante e disfarço na arrogância a falta de argumentos; (ii) tendencioso e falo mal do Benfica por falar.
Não sei se fui arrogante, mas esse queixume faz-me lembrar aquelas coisas de miúdos. Quando se vai à luta, não nos queixamos se o adversário é maior ou mais gordo. Vamos à luta e damos e levamos. No final, bebem-se umas cervejas em conjunto e fala-se sobre a vida. É assim que as coisas devem funcionar entre adultos nesta coisa das conversas da bola que, na prática, na prática não têm interesse nenhum.
Falo mal do Benfica por falar, mas sobre isso não há a mínima dúvida: a linha editorial do blogue é clara e está escrita no cabeçalho. Só lê o blogue quem quer e ninguém vem obrigado. O facto de falar por falar não quer dizer que não acerte. Até um relógio parado acerta duas vezes ao dia. Neste caso, não faltam os argumentos (se há coisa que nunca me falta é argumento). Vamos repeti-los de outra forma sem conversas morais pelo meio.
Faz sentido um jogo do campeonato nacional ser transmitido para um grupo de adeptos e não para o público em geral? Os jogos do Benfica são só para ser vistos pelos seus adeptos ou pelos adeptos dos seus adversários também? Imagine o contrário. Um jogo do Sporting contra o Benfica comentado pelo Manuel Fernandes sem contraditório, com referências aos jogadores do Sporting e com poucas ou nenhumas referências aos jogadores do Benfica, entremeadas por umas conversas de propaganda sobre a competência do Varandas na contratação do Rúben Amorim. Nada disto faz sentido, nem para o Sporting, nem para o Benfica. Tanto não faz que é caso único.
Aliás a história da Benfica TV é uma coisa não explicada. É um canal próprio que transmite os jogos de futebol do seu clube, mas depois vende os direitos televisivos à NOS. Como é evidente, tudo isto é um enorme faz de contas e serve para empolar as eventuais receitas do Benfica. Do ponto de vista do negócio das transmissões, o resultado para o Benfica é nulo (se não for mesmo negativo). Agora, o Benfica tem esse privilégio de assegurar a realização e edição das transmissões e esse privilégio não é coisa pouca. Não se traduz em receitas imediatas mas traduz-se na possibilidade de condicionar as narrativas construídas durante e após os jogos. Como disse, as narrativas legitimam os resultados.
Misturar isto com as modalidades amadoras é misturar alhos com bugalhos. As modalidades amadoras não têm milhões de visualizações nem envolvem milhões e milhões de euros. As modalidades amadoras não rendem direitos televisivos e, por isso, é que têm de ser as televisões dos clubes a transmiti-las.
Pronto, um dia destes bebemos umas cervejas e falamos de outra coisa qualquer que mereça ser falada.
Rui,
EliminarGaranto-lhe que não está a escrever para um miúdo, pode haver uma luta mas somente de argumentos e com RESPEITO mútuo. A partir do momento em que me classifica como básico e chato aí o Rui já está em falta, isso não tolero – pode ser assim com um seu amigo que tenha mais confiança mas a mim não me conhece de nenhum lado.
Não sei se reparou mas está a escrever num blog, aberto a tudo e todos. Antigamente é que havia os diários que ninguém podia ler. Se convive mal com a crítica para que é que anda a escrever? - da mesma forma que escreveu “Só lê o blogue quem quer e ninguém vem obrigado.”- assim volto a perguntar: se não gosta do que respondem para que é tem um blog aberto a comentários? Feche os comentários como alguns fazem.
Os jogos transmitidos pelos próprios clubes foram e vão ser sempre assim e isto acontece na Sporting TV também, não venha dizer que deste lado é caso único. Há poucos anos até tiveram o desplante de apresentar num Sporting x Benfica o símbolo do Benfica mais pequeno e dizer adversário em vez de Benfica. Lembra-se?
Resultado para o Benfica nulo ou negativo?!? Queria voltar aos tempo da Oliverdesportos? Era bom era…Agora é que se vê quem contribui – sem o Benfica não há viabilidade financeira para qualquer projecto. Mas reconheço (sem problemas) que não é só direitos, também há obrigações.
E essa das narrativas, Rui…Agora que também a nível das competições europeias os próprios clubes podem transmitir em exclusivo os seus próprios jogos vai ser desta que o Benfica volta aos bons tempos na Europa! É isso? Vamos também condicionar resultados na Europa! Poupe-me…
É o principio que está em causa e não valores. Senão volta a contradizer-se nas “narrativas legitimam os resultados.”…
E não merece ser falado?
Meu caro,
EliminarTambém não sou miúdo. Aliás estou bem mais próximo de ser um velho. Agora, paremos de desconversar.
Eu sou contra transmissões de jogos de futebol nas televisões de clube, narradas para os adeptos do clube, com comentadores do clube e imagens editadas pelo clube, bem como as realizações. Sou contra relativamente ao Benfica, ao Sporting ou a outro clube qualquer. Os jogos de futebol devem passar noutros canais com jornalistas independentes e isentos.
Ainda não compreendi a sua opinião. É a favor ou contra? É a favor se for o Benfica? É a favor se for o Benfica porque o Sporting também transmite jogos?
Rui,
EliminarIndo então ao assunto sou a fazer da centralização se for para reforçar a competitividade e não como desculpa para continuarmos a ter clubes endividados e sem peso europeu.
Mas não me choca se um clube decide transmitir um jogo nos termos que descreveu exceto na parte das “e imagens editadas pelo clube, bem como as realizações.” e claro, com o devido respeito pelo adversário – não creio que exista um obrigação legal em centralizar (só moral) mesmo no estrangeiro.
Só neste país é que é possível uma televisão de um clube, transmitir, em canal fechado, os seus jogos para um campeonato. Isto era impensável noutro país no mundo civilizado.
ResponderEliminarO Real Madrid tentou fazer isto, há anos, e foi o próprio governo espanhol que não autorizou invocando o desvio da verdade desportiva.
Assim como há jornais que dão prejuízo a certos grupos económicos para pressionar o governo e não só, como por exemplo O Público da SONAE, também o benfica faz o mesmo com a sua televisão que também dá prejuízo, mas lucro no final do campeonato, é simples:
Um árbitro no inicio ou a meio da sua carreira, vai apitar o benfica no seu reduto.Sabe consciente ou inconscientemente que se errar contra o benfica o erro vai ser tele-visionado "ad nauseam", mas se errar a favor do benfica, o erro, só é repetido por mera distracção.
E esta convicção que qualquer árbitro leva para a luz, dá ao benfica, pelo menos, mais 10 pontinhos no final. Prejuízo na TV, lucro no campeonato. Elementar meu caro Watson, como diria o outro.
Portanto, quando isto acontece e toda a gente vira a cara para o lado, está tudo dito.
Meu caro,
EliminarToda a razão. Como expliquei atrás: "a história da Benfica TV é uma coisa não explicada. É um canal próprio que transmite os jogos de futebol do seu clube, mas depois vende os direitos televisivos à NOS. Como é evidente, tudo isto é um enorme faz de contas e serve para empolar as eventuais receitas do Benfica. Do ponto de vista do negócio das transmissões, o resultado para o Benfica é nulo (se não for mesmo negativo). Agora, o Benfica tem esse privilégio de assegurar a realização e edição das transmissões e esse privilégio não é coisa pouca. Não se traduz em receitas imediatas mas traduz-se na possibilidade de condicionar as narrativas construídas durante e após os jogos. Como disse, as narrativas legitimam os resultados".
SL
Caro Rui,
ResponderEliminarParabéns, mais uma excelente crónica, tem muito mais matéria de interesse que o próprio jogo teve.
Não vou comentar a televisão ao estilo de Pyongyang, porque não me sinto competente para o efeito. Não só não ouvi a transmissão pela dita TV, como também não tenho por hábito ouvir as emissões vinda da Coreia. O que sei é que deve ser bom negócio: são regimes com muitos leais seguidores!
Vou por isso focar-me na ideia final. Longe vão os tempos em que os grandes temas do futebol eram os miúdos ou graúdos que entravam para o campo e desatavam aos pontapés à bola. Para nada interessa hoje se é o Ristovski quem vai fazer asneiras para a lateral direita ou se é um artista empacotado por um Jorge Mendes a querer 'relançar a carreira' depois de um clube qualquer ter enfiado um barrete. O que interessa de facto é o soft power e os milhões (ou a falta deles). Esperemos então por uma plataforma colaborativa que nos ponha a defender melhor as bolas paradas, em particular nos dias que o Coates não joga. Bem precisamos.
SL
Caro João,
EliminarA leitura do Costa Silva inspirou-me neste “post”. A linguagem é absolutamente fantástica (não, não estou a dizer que está mal escrito).
Dantes, havia a bola e 11 de cada lado. Uns ganhavam, os que tinham os melhores jogadores, os outros perdiam, os que tinham os piores jogadores. Hoje é necessária uma qualquer narrativa para explicar os resultados, as opões técnico-táticas dos treinadores ou as aquisições de jogadores. Ao lado disto tudo vão-se cobrando milhões e milhões de comissões.
SL
Caro Rui,
ResponderEliminarVai-se o IVA (se calhar ainda não), ficarão alguns dedos?
Um abraço
Meu caro,
EliminarAcho que ficou pouco, muito pouco. Não sei se lhe chamaria dedos. No tempo do Jorge Gonçalves falava-se de unhas. Não vejo grande unhas e as que vejo parecem encravadas.
Um abraço,