sábado, 1 de dezembro de 2012

Do que nos dá para falar quando o Sporting não joga

O Lateral Esquerdo é, dos blogues que conheço, o que mais e melhor ensina sobre futebol, em particular, sobre a forma de o olhar do ponto de vista sistémico. Esse ponto de vista não é neutro. Quase sempre, valoriza mais a dimensão tática e coletiva do que o desempenho individual. O desempenho individual, aliás, só tende a ser valorizado nesse contexto mais tático e coletivo.

A meu ver, este é um olhar muito profissional. É o olhar que adoto no exercício da minha profissão também. Mas é limitativo quanto à completa apreensão dos resultados das atividades humanas, como o futebol.

Esta forma de análise, muito frequente também na minha profissão, a dos economistas, tende a confundir risco com incerteza irredutível. O risco é algo de probabilisticamente determinável. Agora, há coisas que acontecem e ponto final. A crise financeira internacional foi um desses Cisnes Negros. Também tende a desvalorizar o caráter autorrealizável das expetativas humanas. Se, individual e coletivamente, acreditarmos que economicamente as coisas vão correr mal, então, elas vão mesmo correr mal; o contrário também acontece.

Passando da economia para o futebol, há golos que acontecem por acaso. Por isso, nem sempre conseguimos explicar os resultados e classificações. Muitas vezes, confundimos essas explicações com a construção de narrativas apropriadas “a posteriori”. Há golos que só aconteceram porque os jogadores acreditaram, quase sem uma completa consciência dessa crença, que os iam marcar. Não é por acaso que os melhores jogadores, dentro – e, por vezes, fora – do campo são possuidores de uma enorme autoestima. A junção da qualidade técnica a essa autoestima, dá origem a golos e resultados completamente improváveis.

Com tudo isto quero dizer que estou sempre em desacordo com o que se afirma no Lateral Esquerdo? Não. O que privilegio é a dimensão individual do jogo. Quando vejo um jogo estou sempre à espera da obra de arte que vai imortalizar o seu autor.

6 comentários:

  1. Caro Rui Monteiro, tenho que lhe agradecer este post. Ainda há dias falava sobre este assunto com um amigo e agora tenho as palavras certas para a minha argumentação: é enviar-lhe o seu texto.

    O assunto é pertinente porque há cada vez mais treinadores que se esquecem que o risco e a imprevisibilidade fazem parte do jogo e que constroem as respectivas equipas na base de controlar os 90 minutos e evitar o erro -- e no Sporting já tivemos a dose suficiente disso com o Paulo Bento, por exemplo.

    Já agora, o Cisne Negro é um excelente livro.

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  2. Caro Rui Monteiro
    Concordo com o seu ponto de vista. E o Sporting também. O nosso futebol é rico em «golos e resultados completamente improváveis», infelizmente...contra nós. Também cria por vezes verdadeiras obras de arte, quase sempre arte abstrata ou surrealista. E o pensamento económico também lá está, normalmente na economia de esforços e numa gestão de recursos humanos minimalista e irresponsável. Lamento mas deu-me para o negativismo ao ler a crónica do jogo de ontem. Parece que foi mesmo por caridade que jogaram, como já vem sendo habitual.
    Abraço

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    1. Caro A. Trindade,

      A nós acontecem-nos tantas vezes coisas que noutros clubes são tão improváveis, que admito que o improvável connosco é probabilisticamente determinável.

      Também estou de acordo no que respeita às obras de arte. A primeira obra de arte, surrealista - é verdade, começa com a escolha de amadores para treinadores. A utilização de amadores em manifestações artísticas e culturais acontece muitas vezs. Lembro-me, por exemplo de filmes do Clint Eastwood ou da Árvore do Tamancos, do Olmi. Nós levamos isso muito mais longe.

      Um abraço

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  3. :) abraços. Tb passo sp por aqui! Mtas x discordamos e assim é q é bonito. Permite-nos avaliar diferentes pts de vista p chegar a novas conclusões...

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    1. Meu caro,

      Lê-lo é um gosto. Adoro futebol. Vejo futebol desde miúdo. Praticamente a nenhuma outra atividade dediquei tanto do meu tempo. Vejo-o é como espectador. Você vê-o com os olhos do profissional. São formas complementares, no mínimo, de olhar o mesmo fenómeno (cultural, digo eu).

      Um abraço.

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