Na época 88/89, o Arsenal, que
completava 18 anos sem ganhar a Liga Inglesa, disputava a vitória no Campeonato
com o Liverpool, nessa altura, um colosso do futebol inglês e europeu. Desta
vez, muito melhor do que eu, o grande Nick Hornby, escritor e adepto fanático do Arsenal, descreve
magistralmente na sua “Febre no Estádio” os memoráveis momentos finais dessa
época. Vale a pena ler.
“E ao fim de cerca de dez anos
disto, o Campeonato transforma-se numa coisa na qual se acredita ou não, tal
como Deus. Reconhecemos que é possível, claro, e tentamos respeitar as opiniões
daqueles que conseguiram manter a sua credulidade. Aproximadamente entre 1975 e
1989 eu não acreditei. Tinha esperança, no início de cada época; e uma ou duas
vezes quase deixei que me arrastassem para fora da minha caverna agnóstica. Mas
no fundo do coração, eu sabia que isso nunca iria acontecer (…).
Em 1989, 18 anos depois da última
vez que o Arsenal tinha ganho a Liga, permiti-me relutante e tolamente
acreditar que era possível que o Arsenal vencesse o campeonato. (…) Mas assim
que me tornei um novo membro da Igreja dos Crentes no Campeonato dos Últimos Dias,
o Arsenal sofreu uma paragem catastrófica. A equipa perdeu em casa contra o
Derby; e de novo em casa, contra o Wimbledon não passou de um empate 2-2. (…)
Nunca mais deixaria que isto acontecesse [acreditar que o Arsenal ia ganhar o
Campeonato], nunca mais, e tinha sido um parvo, agora sabia-o, tal como sabia
que havia de levar anos a recuperar da terrível deceção de ter chegado tão
perto e falhado”.
Mas ainda não estava tudo
acabado. O jogo final da época era precisamente em Anfield contra o Liverpool e
o Arsenal precisava de uma vitória por dois golos para ser campeão.
“Não fui a Anfield. O jogo
começou por ser marcado para uma data anterior, quando o resultado não era tão
crucial, e quando se tornou claro que era aquele jogo que ia decidir o
campeonato, já não havia bilhetes há muito tempo. De manhã, fui a Highbury
comprar uma nova camisola da equipa, pura e simplesmente por achar que tinha
que fazer qualquer coisa, e apesar de reconhecer que usar uma camisola na
televisão não deva ser especialmente encorajador para a equipa, sabia que isso
me faria sentir melhor. Mesmo ao meio dia, umas oito horas antes do pontapé de
saída, já havia montes de autocarros e carros à volta do estádio, e no caminho
para casa desejei boa sorte a todas as pessoas por quem passava: o seu otimismo
(três-um, ou mesmo um jovial quatro-um) nessa bonita manhã de Maio fez-me
sentir triste por eles, como se esses jovens chilreantes e corajosamente
confiantes se preparassem para ir para a tumba e não para Anfield perder a fé,
na pior das hipóteses.
Fui trabalhar à tarde e, por
menos que quisesse, fiquei muito enervado; por fim, fui direito para casa de um
amigo apoiante do Arsenal, para ver o jogo. (…) E à medida que o jogo se ia
desenrolando e se tornou evidente que o Arsenal ia cair debatendo-se,
ocorreu-me pensar como conhecia bem a minha equipa, os seus rostos e
maneirismos, e como gostava de cada um dos seus membros. Do sorriso do Merson,
com os seus dentes afastados e o feio corte de cabelo à africano, das
tentativas viris e comoventes do Adams de resolver as suas imperfeições, da
elegância enfatuada do Rocastle, da diligência adorável do Smith… Até consegui
perdoar-lhes por terem chegado tão perto e terem estragado tudo: eram novos e
tiveram uma época fantástica, e um apoiante não pode pedir mais do que isso.
Fiquei entusiasmado quando o
Arsenal marcou um golo logo no início da segunda parte, e voltei a animar-me a
uns dez minutos do fim quando o Thomas teve uma clara oportunidade e passou a
bola ao Grobbelaar, mas no final o Liverpool parecia estar cada vez mais forte
e a conseguir criar cada vez mais oportunidades, e, por fim, quando o relógio
do canto da televisão mostrou que os 90 minutos tinham passado, preparei-me
para exibir um sorriso corajoso por uma equipa corajosa”. (…)
Nesses segundos finais, “o Lukic
passou a bola ao Dixon, o Dixon passou ao Smith, como era de esperar, um golpe
brilhante do Smith… e de repente, no último minuto do último jogo da época, o
Thomas [sim, esse mesmo, imagine-se, o Michael Thomas que andou anos mais tarde a
arrastar-se ali para as bandas da Luz] ficou sozinho e com uma boa hipótese de
fazer o Arsenal ganhar o campeonato. “É agora ou nunca!” gritou o Brian Moore;
e aí eu achei que me estava a controlar, a tirar uma lição dos recentes lapsos
de ceticismo enfurecido e a pensar, bem, pelo menos chegámos perto do fim, em
vez de pensar, Michael, por favor, Michael, marca o golo, meu Deus, só espero
que ele marque o golo. E a seguir ele deu uma cambalhota e eu caí redondo no
chão, e toda a gente na sala saltou para cima de mim, dezoito anos, totalmente
esquecidos num segundo. (…)
“Não me lembro de mais nada que
tenha cobiçado durante duas décadas (que mais existe que possa ser cobiçado com
alguma razoabilidade durante tanto tempo?), nem me lembro de mais nada que
tenha desejado tanto em rapaz como em homem. Portanto, espero que sejam
tolerantes para com aqueles que descrevem um momento desportivo como o seu
melhor momento de sempre. Não é por falta de imaginação, nem por termos vidas
tristes e estéreis; é que a vida real é mais pálida, monótona, e contém menos
potencial de delírio inesperado”.
Como me identifiquei com essa angustia dos arsenalistas. Também eu em 2000 sofri a bom sofrer na deslocação do SCP a Vidal Pinheiro e também recordo que ao longo do ano não acreditávamos muito no título.
ResponderEliminarNo entanto foi o mais saboroso dos títulos, algo porque esperei uma vida inteira.
SL
ainda por cima depois do desaire em Leiria, algumas jornadas antes... ( só mesmo o Sporting: sofrer golos de toscos que com a nossa camisola vestida, nem sabiam onde ficava a baliza )
EliminarSaudações Leoninas
P.S. a tradução do texto do adepto inglês, está admirável