domingo, 16 de outubro de 2022

Há qualquer coisa errada que não está certa (II)

Não sou dado a pressentimentos, o esturro chega-me sempre na sua fase calcinada. Quando Matheus Nunes rumou ao sonho Wolverhampton Wanderers, um sonho que o próprio sonhou de véspera, já que tempos atrás se sonhava noutro olimpo, condescendi com a teoria da época previamente planeada, ainda o Jeremiah St. Juste não se lesionava cada vez que se levantava da cama para o pequeno-almoço.

Entretanto, Amorim, na sua versão economista das tardes da Júlia, encaminhava-nos para um ambiente de incoerências sem qualquer responsável, a não ser talvez um ente divino que manobra a vida do nosso clube com sapiência transcendental. Nestes casos acredito sempre na ilusão que me faz vestir a camisola preparando-me para a cerimónia.

O Sporting não se reforçou, sejamos honestos, nem que seja por um segundo. Saiu o Sarabia para entreter as idas à mercearia do Kylian Mbappé ou para colmatar as ausências de Neymar quando este está em campanha pelo Bolsonaro. Saiu o Palhinha que também veio a reboque do Braga (e nunca ninguém se queixou disso, caro Amorim); saiu o Tabata diretamente da feira da ladra em bom saldo, e o marroquino Feddal que ainda alguns devem recordar com saudade. O Jovane anda em convalescença espiritual em permanente aquecimento e o Slimani rumou ao paraíso das redes sociais, em bom francês.

As entradas foram permutas, rascunhadas para o modelo, percebi logo isso, já as conhecia do tempo da universidade - não esquecendo o Edwards que já cá estava, embora falando português por uma palhinha. Ninguém achou necessário incluir mais avançados, nem pinheiros, nem arbustos daqueles corredores que se costumam ver nos filmes de cowboys, capazes de fazer a vez do Paulinho quando este estiver ocupado entre linhas no banco de suplentes. E estava tudo planeado, cogitando-se mais um Pote de ouro no final do arco-íris.

Já muito foi escrito e talvez até falado, nas tascas, sobre a desmontagem da equipa do Sporting, mas sempre numa perspetiva extrínseca, isto é, do adversário, sem pensar na possibilidade da sua subversão a partir do interior e consequente decomposição em peças, mais ou menos coladas com a saliva de cada momento. Assiste-se muito a isso na vida de todos os dias. Pensei nisso enquanto via um documentário sobre o Gaudí e a sagrada família de Barcelona, ainda hoje por terminar.

O modelo (actual) é um simulacro do modelo, e como todos os simulacros, creio que o disse Baudrillard, não se trata de um seu sucedâneo, ou apenas de uma representação do original, mas da criação de uma ilusão, no limite da simplificação da simulação: fingir ter o que não se tem. Por isso todos acreditam que Amorim insiste, quando este encena, e, nesse sentido, assume-se como um criador de imagens que ultrapassam a esfera do futebol. Acredito que o simulacro até certo ponto precede o original.

Um bom exemplo disso são os primeiros dois jogos da liga dos campeões. Dizem-nos que resultaram porque o Sporting jogou contra equipas que tentaram assumir os jogos, libertando espaços, podendo assim surpreender com transições e trocas entre os jogadores, quando o que aconteceu foi funcionamento do simulacro em condições ótimas, permitindo finais assombrosos: por onde andará o rei Arthur Gomes após o admirável golo contra o Tottenham? Presumo que esteja a ser preparado para o modelo.

Qualquer alteração significativa ao simulacro, ou melhor, qualquer interferência na simulação, seja a forma como o adversário se dispõe, não tentando desmontar o modelo, mas simplesmente desrespeitando-o, como o fez a Santa Clara recentemente, torna o jogo do Sporting um pastiche (um pastiche do simulacro) arrastado, sobrevivendo de alguns rasgos individuais. Nos jogos contra o Marselha a derrocada do Sporting não foi mais que a ingerência do fator humano no jogo, muito comum em futebol ou noutras actividades cuja presença humana seja notória. Não foram (apenas) os erros individuais que possibilitaram o descalabro, mas o descalabro que pairava como uma sombra terrível, aguardando apenas que o acolhessem.

Não será por acaso que após estas recentes ingerências etéreas no modelo (Amorim não se afasta nem um milímetro do seu… simulacro), o jornal Record tenha publicado que o Sporting procura pelo menos três jogadores para o mercado de Inverno; ou que tenha vindo a público o resultado financeiro absolutamente histórico, com lucro de 13,6 milhões nas contas da SAD, apresentado recentemente. Os números aparecem sempre nestas ocasiões, embora por aqui pairem algumas nuvens sobre o Clube, nomeadamente sobre o futuro das modalidades.

Nota: deixo aqui a minha perplexidade relativamente às assistências em Alvalade, após o anúncio com grande pompa do record de vendas de Gamebox. Em quatro jogos para o campeonato, dois não chegaram aos 30.000 espectadores e outros dois por pouco ultrapassaram essa barreira. Grande parte dos detentores de gamebox pura e simplesmente não vão ao estádio, ou estão sempre de férias, em lugar incerto. Outra perplexidade, para além dos silêncios cada vez mais prolongados nos jogos em casa, é aquela bancada vazia atrás de uma das balizas. Resolvam-se.

18 comentários:

  1. Não ficará, seguramente, esquecida a peça de fruta que simula administrar o clube, pois não?

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    1. Meu Caro,
      Tendo em conta a especialidade hortofrutícola de um dos nossos rivais, a analogia parece-me infeliz. Todavia, a resposta encontra-se na posta, na teoria da época previamente planeada e da equipa reforçada. Entre outros.

      SL

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    2. Infeliz será, mas, alternativamente, vamos chamar o quê a uma banana?

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    3. Ah, convém deixar nota de q o texto mantém o registo tradicional, aqui do sítio. Obrigado.

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    4. Meu caro,

      Obrigado nós. Volte sempre.

      SL

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  2. O lucro da SAD foi de 25M€. O do clube: cerca de 13M€ (embora aqui foi na quase totalidade justificado por uma questão contabilistica com as VMOC) Este ano 22/23 provavelmente a SAD terá um lucro maior...

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    1. Meu caro ou minha cara,

      Esse assunto dava pano para mangas. Mas não posso deixar de constatar a sua preocupação com o estado da equipa de futebol e os seus resultados recentes, bem como todos os outros assuntos que lhe passam, obviamente, ao lado.

      Já agora: SL

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  3. Excelente texto que antecipa o que se passou ontem. O Sporting anda em negação, será que voltarremos à estaca zero?

    Sl
    Leao de Leiria

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    1. Meu caro,

      Obrigado.
      O plantel é limitado e os milagres, ainda que na sua versão de simulacro, não acontecem sempre.

      SL

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  4. Bom dia
    Quem não está bem é Matheus Nunes, prometeram-lhe um lobo , deram-lhe um cordeiro.; como se diz na sua terra, foi com sede demasiada ao pote. Deixou o Pote sòzinho e perdeu a oportunidade de brilhar e rumar a Inglaterra noutro clube maior.
    SL

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    1. Meu caro,

      Ao pote assim não vamos nós. Perdemos activos (agora é assim que se diz) e ficamos com a parte tóxica. É uma história conhecida: onde para o dinheiro?

      SL

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    2. Onde para o dinheiro? é seguir as cascas do banana. preferencialmente sem pisar.

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    3. Meu Caro,

      O dinheiro, se houver, deve estar num saco de cor indeterminada, ali para os lados da luz stadium.
      Sl

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  5. Ontem qualquer coisa de errada ficou certa; elemeto chave Paulinho , o querido das escumalhas.. Amorim foi à escola e .de uma acentada, trouxe de lá 5 bebés, como dizem os lampioes. Com o grande Nuno Santos na batuta, só o engenh. ainda não o viu, a equipa fez uma segunda parte à campeão e com 6 craques da cântera.O futro está assegurado.
    SL

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    1. Meu caro,

      O futuro aos deuses pertence...mas

      http://levezaliedson.blogspot.com/2022/10/ha-qualquer-coisa-certa-que-nao-esta.html

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    2. Realmente afigura-se muito risonho, esse futuro... Resta saber para quem, mas, como dizia outro qualquer, who cares ...

      trad.: já está, já está. Ou fácil, fácil. Sempre em repetição não fosse a gaguez condição imprescindível nas frigideiras do campo grande.

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