terça-feira, 10 de dezembro de 2019

O imenso Mathieu ou o futebol total no singular

Há vitórias por poucochinho que sabem a derrota, que o digam os Antónios, o Costa e o Seguro. Há outras, como a do passado Domingo, que representam autênticas goleadas. As expetativas não marcam golos mas também determinam os resultados. Segundo o Silas, se não fizemos o jogo da época para lá caminhámos, sendo as melhorias significativas. Estas afirmações baseiam-se em profunda evidência empírica e recurso a técnicas experimentais como as que determinaram o Prémio Nobel da Economia atribuído a Michael Kremer, Abhijit Banerjee e Esther Duflo. Colocou a equipa a jogar com e sem o Ilori e o resultado desta análise contrafactual não deixa margens para dúvidas: os problemas defensivos não são coletivos mas individuais (ou individual, melhor dizendo). 

Como venho referindo há mais de dois anos, a melhor forma de se passar ao ataque é contar com o passe tenso do Mathieu para o lateral esquerdo, normalmente o Acuña, ou, na impossibilidade, com o seu passe também rápido a virar o flanco ao jogo. Bem podem avançar e recuar o Doumbia ou Wendell que o sucesso da transição ofensiva continua a chamar-se Mathieu. O único lance de perigo do Moreirense também é revelador da nossa transição defensiva. Perda de bola e o Doumbia sem saber se corta a linha de passe ou marca o único adversário situado entrelinhas e que podia construir o contra-ataque, defesa a recuar perante um avançado de frente para a baliza e passe para o lado direito da defesa, onde não se encontra o Mathieu o nosso mais rápido e atento defesa. Com o Wendell sem capacidade de pressão, o Doumbia sem leitura de jogo, sem saber se sai ao jogador com bola, marca o espaço e as linhas de passe ou acompanha a desmarcação dos adversários, e a lentidão do Coates ou do Neto, a nosso transição defensiva também tem um só nome: Mathieu. 

O ataque também costuma ter um só nome: Bruno Fernandes. Neste jogo, as coisas não lhe saíram muito bem e o ataque também ficou entregue ao Mathieu: desmarcou o Borja para o primeiro golo, anulado por um poucochinho; rematou ao poste na marcação de um livre; participou na melhor jogada de ataque culminada com remate do Bruno Fernandes ao lado; e, cereja em cima do bolo, centrou tenso para a cabeçada do Luiz Phellype que nos deu a vitória. Enfim, no futebol existe a defesa e o ataque e, nos entretantos, conforme se ganha ou perde a bola, a transição defensiva e a transição ofensiva. Também há quem diga que existem ainda as jogadas táticas: os cantos e livres. No Sporting, Mathieu faz tudo isto e, por vezes, sozinho. É a encarnação num só jogador do futebol total do Rinus Michels e do Johan Cruijff. 

O treinador do Moreirense efetuou uma análise muito interessante ao jogo. O interesse não esteve tanto no que disse mas na semântica utilizada. Segundo ele, se os seus jogadores tivessem mais discernimento quando da posse da bola, o resultado poderia ter sido diferente. Traduzindo, se os jogadores do Moreirense soubessem o que fazer da (e com a) bola, podiam ganhar o jogo. Aparentemente, a equipa está magnificamente treinada para jogar sem bola, modalidade que designávamos por “apanhada” quando era miúdo.

8 comentários:

  1. Magnífico, Rui.

    A abordagem experimental para reduzir a pobreza global, de Kremer, Banerjee e Duflo, aplicada a Ilori; o futebol total de Michels, metamorfoseado num todos-em-um aplicado a Mathieu; a "apanhada" muito bem apanhada pelo autor Rui Monteiro.

    Sinceros parabéns!

    P.S. Por estes dias de intenso nevoeiro, lê-lo é um bálsamo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado Pedro.

      O livro "A Economia dos Pobres", de Abhijit Banerjee e Esther Duflo, diz-me muito: pelo livro em si e pela influência que teve e tem na formação económica e nos seus trabalhos de investigação da minha filha, a quem lho emprestei, há uns anos atrás.

      O Silas fez um estudo contrafactual. É verdade que não o precisava de fazer num jogo, bastando os treinos, mas louva-se esta abordagem experimental. O Mathieu é um grande jogador e atleta. Impressiona sobretudo a sua inteligência de jogo. Sabe estar sempre no sítio certo e tomar a melhor decisão.

      O Moreirense é aquela equipa típica do futebol português treinada pelo típico treinador de futebol português. Entra no jogo sem plano à espera que o tempo lhe dê razão. Se o tempo não lhe dá razão, arranja uma desculpa.

      Um abraço

      Eliminar
  2. O Mathieu jogou, de facto, muito bem, mas o resto da equipa também elevou o seu habitual (baixo) nível, exceptuando Bruno Fernanes que baixou o seu habitual (alto) nível, quiçá para se aproximar dos colegas. Enfim, face à habitual táctica de Silas, de passe para o lado e para trás, o Sporting, de Domingo passado, quase que goleou. Mas afinal teve que entrar o lento-lento, Luiz Phellype para marcar, pois os rápidos Jesé, Bolasie e até BF não conseguiram acertar nas redes.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Meu caro,

      Eu acho que há melhorias. De alguns jogos para cá, a equipa está a defender melhor. O Doumbia não tem a leitura de jogo necessária para ser o seis que pretendíamos, mas, mesmo assim, sofre-se menos golos e concede-se menos oportunidades.

      No ataque tudo como dantes. Tudo depende do Bruno Fernandes. Espera-se que marque. Se não o consegue, está tudo estragado. A boa vontade e entrega do Bolasie não se transformam em golos e o Phellype é demasiado gordo para o meu gosto, apesar de ter algum golo. O Vietto alterna o bom com o sofrível e o Jesé é um caso perdido para a modalidade.

      SL

      Eliminar
  3. Delicioso o seu comentário ao comentário do treinador do Moreirense: afinal o que atrapalha é a bola. O futebol sem bola, tipo Blow-Up de Antonioni, é o futuro.

    O futebol também seria mais interessante se não houvesse baliza contra a qual os jogadores do Sporting mandam sempre a bola, ou então um poucochinho mais alta que os 2,44 metros actuais e o nosso Bryan Ruiz teria acertado com a baliza naquele jogo.
    O Rui Monteiro também ém craque sem bola.
    Saudações Leoninas

    João Balaia


    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro João,

      Acho que treinador do Moreirense tem uma enorme lata. A equipa não jogou nada. Teve uma oportunidade num contra-ataque caída praticamente do céu aos trambolhões. Passou o jogo ao chutão. No final, a culpa é dos jogadores que são lerdos.

      SL

      Eliminar
  4. Parabéns! Jogar com o Jesé é jogar com menos um que poderia ser compensado com o Mathieu que vale por dois não fora os 4 ou 5 que por lá andam que valem zero. O Neto obrigou a acordarem o Coates...que entrou de ombros caídos e assim continuou numa atitude de enfado. Que tristeza o nosso futebol é uma miséria! SL

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Meu caro,

      O Jesé é um caso perdido, embora até possa admitir que se possa estar a esforçar. Tem qualidade técnica, mas não tem nem velocidade para jogar nas laterais nem força e capacidade de disputar a bola para jogar a ponta-de-lança. Dá ideia que joga porque estava previsto no contrato que jogasse.

      Esta é uma época praticamente perdida. Seria a altura ideal para varrer alguns destes jogadores e apostar nalguns jovens, devidamente enquadrados por três ou quatro bons jogadores que também temos, como o Mathieu, o Acuña ou o Bruno Fernandes.

      SL

      Eliminar