sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Fa(c)tos, a(c)tos a a(c)tas

Ontem, não vi, não li e não ouvi praticamente nada sobre o jogo contra o Villarreal. Liberto dos factos, qualquer pessoa se sente mais livre para falar do que quer que seja. Colegas mais jovens de trabalho, costumam-me pedir para os ajudar a escrever atas de reuniões dos mais diversos órgãos e instâncias. Chegam-me com horas e horas de gravações transcritas em páginas e páginas. Em Portugal, é comum existirem ordens de trabalho vagas sem documentação distribuída para deliberação, acrescentando-se o facto de ninguém procurar conduzir as reuniões e evitar intervenções excessivas e sem propósito. Reconheço que, com o avançar da idade, fui ficando mais e mais paternalista e, com frequência, ajudo-os. É um exercício muito divertido procurar dar sentido às intervenções de pessoas que não sabem o que dizem e dizem-no sem concordâncias verbais e nominais. Depois das atas prontas, invariavelmente as pessoas se reveem no que (não) disseram e sentem-se mesmo orgulhosas do que (não) disseram. Este é o exercício que me proponho fazer. 

Onze contra onze, ganha o Bruno Fernandes, é uma das morais deste jogo. É extraordinária a sua sagacidade, percebendo que o defesa ia dominar mal a bola ainda antes de ela lhe ser passada, seguida de uma demonstração de convicção e autoconfiança, correndo meio-campo com a bola e rematando sem qualquer hipótese de defesa ainda antes de entrar na área isolado. Na segunda parte, os jogadores do Sporting revelaram um enorme sentido das conveniências. Pressentido que era possível passar a eliminatória e que na seguinte se podia suceder uma catástrofe, suicidaram-se coletivamente. Não o podendo fazer coletivamente ao mesmo tempo, essa missão foi iniciada por aquele que quando joga é como se não jogasse, o Jéfferson.

Se onze contra onze ganha o Bruno Fernandes, dez contra onze ganham o árbitro e o Gudelj, porque os do Villarrreal não atinavam, é outra das morais deste jogo. É absolutamente extraordinário o comportamento defensivo no golo adversário, com o Ristovski a parar o avanço de um jogador do Villarreal enquanto espera ajuda pelo lado de dentro que nunca aparece, porque o Gudelj vem a passo a recuar e sem saber o que fazer muito bem. Para que se consumasse o suicídio coletivo, no último minuto, o Bas Dost falhou o segundo golo à boca da baliza. Este falhanço tem atenuantes. A desmarcação acontece no momento do passe do Bruno Fernandes, antecipando a trajetória da bola que depois lhe aparece à frente de repente, não lhe dando tempo para preparar o remate (que, porventura, devia ter sido de cabeça e não com o pé esquerdo, o seu pior pé). 

A minha opinião sobre as competições europeias é conhecida de há muito e não mudou. Serve para o “graveto” e pouco mais. Também serve para os treinadores dizerem que ainda se encontram em todas as frentes antes de deixarem de estar, como desculpa para o cansaço dos jogadores. Os grandes clubes europeus e os seus adeptos se querem circo romano devem procurar cristãos noutros locais. Dito isto e continuando com os mesmos objetivos de início da época nas competições internas (coisa que os nossos adversário não o podem dizer), sou capaz de fazer a ata do discurso final do Marcel Keizer no balneário depois da eliminação. Várias vezes estive tentado a colocar nas atas que referi discursos recheados de citações, mas até o abandalhamento administrativo tem limites. No futebol não tem e, por isso, segue a ata do discurso final. 

Marcel Keizer entra no balneário e olha nos olhos cada um dos seus jogadores, fulminando-os. Os jogadores ficam sem se conseguirem mexer, petrificados. O silêncio é de chumbo e não de ouro. Marcel Keizer desloca-se para o meio do balneário e começa a falar: 

“You ask, what is our policy? I say it is to wage war by land, sea, and air. War with all our might and with all the strength God has given us, and to wage war against a monstrous tyranny never surpassed in the dark and lamentable catalogue of human crime. That is our policy. You ask, what is our aim? I can answer in one word. It is victory. Victory at all costs - Victory in spite of all terrors - Victory, however long and hard the road may be, for without victory there is no survival”. 

O discurso foi em crescendo. Ao constrangimento inicial dos jogadores, seguiu-se o correspondente nó na garganta. Sentiam sem saber o que sentiam. As palavras, uma a seguir à outra, feriam a consciência de si próprios e o coração, que ganhava vida própria e acelerava, provocando pressão insuportável sobre as têmporas. O discurso acabou mas as últimas palavras continuavam vivas no meio do balneário, “ Vitória – vitória a todo o custo, vitória a despeito de todo o terror, vitória por mais longo e difícil que possa ser o caminho que a ela nos conduz; porque sem a vitória não sobreviveremos”. De repente, um juntou-se a outro ao qual se juntou mais outro até ficarem todos menos um: o Jéfferson. O que se passou a seguir e o destino final do Jéfferson não devem ser contados.

11 comentários:

  1. agora que penso nisso, não vejo o que é que o keizer tem capacidade para nos oferecer, sem ser, realmente, sangue, suor, e lágrimas.

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    1. Meu caro,

      Nisso não é muito diferentes dos antecessores e dos que lhe seguirão. Títulos é que não, nem para ele nem para os outros.

      SL

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  2. O Jefferson é quem é, o Sporting é quem é...mas o árbitro põe fora um jogador num lance daqueles também é quem é...e por acaso é o mesmo que em Moscovo há uns anos na elimnatória para acesso à Liga dos Campeões anulou o golo do Slimani que nos daria a passagem porque a bola teria saído do campo ao ser marcado o canto (mas só deram por isso depoois de a bola entar na baliza) e não viu o golo do CSKA marcado com a mão pelo Doumbia (se não erro).

    Convém ter isto bem presente em qualquer análise.

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    1. Meu caro,

      Tem razão. A dualidade de critérios foi gritante tanto na primeira mão como na segunda. Adoro os comentadores que analisam as faltas de per si e os amarelos também sem nada dizerem sobre o critérios dos árbitros em situações semelhantes.

      SL

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  3. Quem me dera que o Keiser a falar fosse metade do Rui a escrever.

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    1. Meu caro,

      Por incrível que possa parecer, sobretudo para a minha filha, o meu inglês é melhor do que o dele. Sendo eu um poliglota com uma pronúncia que nunca disfarça o ciciar beirão e ele holandês, país onde o inglês é como se fosse a primeira língua, não deixa de ser estranho, mas o Marcel Keizer é estranho, é um facto.

      SL

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  4. Muito obrigado, caro Rui Monteiro, por sempre desanuviar estas minhas constantes e consecutivas tristezas acerca do jogo jogado e todas as suas vicissitudes do nosso Sporting, apesar das suas crónicas serem sempre concisas e realistas acerca do que se passou (ou não) dentro do(s) campo(s)!!
    Um abraço

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    1. Meu caro,

      Escrever faz parte da minha terapia também. Ainda bem que não me ajuda só a mim e o ajuda a si também. Estamos cá para isso.

      SL

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  5. Que loucura ... que crónica!

    Somos um clube que não gosta de ser feliz. Com toda a felicidade que estava a acontecer, há sempre um Jefferson qualquer que nos estraga a alegria.

    SL

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    1. Obrigado. Deixe lá, o Jéfferson está lá para isto. Quando não está, está outro. Dantes era o Polga sobretudo.

      SL

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