sexta-feira, 6 de junho de 2014

A alma humana é porca como um ânus



A alma humana é porca como um ânus
E a Vantagem dos caralhos pesa em muitas imaginações.
Meu coração desgosta-se de tudo com uma náusea do estômago.
A Távola Redonda foi vendida a peso,
E a biografia do Rei Artur, um galante escreveu-a.
Mas a sucata da cavalaria ainda reina nessas almas, como um perfil distante.
Está frio.
Ponho sobre os ombros o capote que me lembra um xaile —
O xaile que minha tia me punha aos ombros na infância.
Mas os ombros da minha infância sumiram-se antes para dentro dos meus ombros.
E o meu coração da infância sumiu-se antes para dentro do meu coração.
Sim, está frio...
Está frio em tudo que sou, está frio...
Minhas próprias ideias têm frio, como gente velha...
E o frio que eu tenho das minhas ideias terem frio é mais frio do que elas.
Engelho o capote à minha volta...
O Universo da gente... a gente... as pessoas todas!...
A multiplicidade da humanidade misturada
Sim, aquilo a que chamam a vida, como se só houvesse outros e estrelas...
Sim, a vida...
Meus ombros descaem tanto que o capote resvala...
Querem comentário melhor? Puxo-me para cima o capote.
Ah, parte a cara à vida!
Levanta-te com estrondo no sossego de ti!

s.d.
Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993. - 159. (http://arquivopessoa.net/textos/1032)

2 comentários:

  1. Faltaram algumas palavras para que o poema tivesse "aceitação", digamos... popular e maior numero de comentários. Nomeadamente a palavra "nádegas" e a palavra "trampa"...

    SL

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  2. Saudações Virgílio
    As mentes ilustradas e abertas, como as que aqui circulam, dispensam palavras e explicações. Um ânus é um ânus!
    Abraço

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