Rasgar as vestes ou o cartão e culpar o Varandas ou o Keizer desopila mas não gera qualquer entendimento útil sobre o que ontem se passou. Sem esse entendimento, estamos condenados ao Mito de Sísifo e a carregar o sportinguismo montanha acima para o ver despencar-se uma e outra vez. Vou lendo e ouvindo que os jogadores do Benfica são muito melhores. Arrisco-me a dizer que se se trocassem as camisolas, estaríamos a dizer o mesmo. O Coates é muito pior do que o Ferro, o Mathieu do que o Rúben Dias e o Acuña do que o Grimaldo?
A fanfarronice do Bruno Lage ia-lhe saindo cara. Não sei se previu ou não previu, mas o sistema dos três centrais surpreendeu-o num primeiro momento e não se viu a perder por sorte (e competência do seu guarda-redes). Mas o que também foi evidente é que o nosso plano era o de surpreender o adversário e, acabada a surpresa, não havia muito mais. Este sistema de três centrais não é igual ao da época passada, pois os jogadores não são exatamente os mesmos. É diferente jogar com o Borja do lado esquerdo ou com o Mathieu. Tirou-se do meio o jogador mais inteligente e mais capaz de dobrar os seus colegas e de sair a jogar ao mesmo tempo que se o obrigava a estar com um olho no burro e outro no Acuña, acautelando as suas subidas. Para equilibrar a equipa, o Bruno Fernandes tem de se posicionar mais à esquerda, com responsabilidades defensivas acrescidas e ficando distante dos locais onde pode fazer a diferença, nomeadamente aproveitando um ressalto ou saindo a jogar com mais opções de passe.
Mal os jogadores do Benfica deixaram de pressionar à maluca os centrais, o Sporting teve as habituais dificuldades de saída da bola para o ataque. Com três centrais sem especial pressão, esperava-se que saíssem mais a jogar, de forma a surpreender o adversário. De outra forma, os médios ficam em inferioridade para receber a bola e a passar ou sair a jogar. Em contrapartida, a equipa continua a não pressionar alto ou a fazê-lo de forma desconfiada e a desistir à primeira. Jogando nas transições ou no erro do adversário, o Bas Dost é um jogador a mais. Não se lhe pode pedir que seja um pino na frente porque o que ele dá à equipa são movimentações de ataque à bola para finalização e nisso é muito bom, como todos sabemos.
Na primeira parte, o Sporting controlou os acontecimentos, teve mais oportunidades de golo mas acabou por ficar em desvantagem, num lance revelador das suas fragilidades defensivas, dispondo de cinco defesas e de dois médios à sua frente. O Wendell deu todo o espaço e tempo necessários ao Pizzi para meter a bola nas costas da defesa, o Neto não encostou ao Seferovic, o Thierry Correia calculou mal a trajetória e tentou fechar por dentro, o Renan Ribeiro não deu um passo em frente para encurtar o ângulo e o Rafa acertou de primeira com a canela e colocou o Benfica na frente.
No início da segunda parte, ainda parecia que podíamos dar a volta, mas, a partir do momento em que o Bruno Fernandes levou uma pancada e passou a coxear, era uma questão de tempo até tudo se desmoronar. Não consigo dizer que no segundo golo a culpa é do Mathieu, dado que o Coates não aliviou e foi-se embrulhar com ele, deixando-lhe a bola sem querer e com ele parado à espera de tudo menos daquilo. O terceiro começa numa falta escusada do Coates seguida de um remate em que o Renan Ribeiro parece mal batido. O quarto é revelador do estoiro da equipa, sem ninguém a acompanhar o Pizzi que em movimento e de frente para a baliza fez o que quis. O quinto não aconteceu antes por acaso e demonstrou a excelente capacidade de reação do Borja.
Há jogos como este, acontecem. Mas temos de analisar o que aconteceu em perspetiva, no tempo longo. Há anos que o Sporting não revela andamento para os noventa minutos quando joga com equipas melhores. Vem pelo menos do tempo do Jorge Jesus. As razões podem ser de vária ordem, táticas, físicas ou de qualidade dos jogadores, mas o que impressiona é andarmos nisto há anos. Os jogadores parecem estar sempre muito distantes uns dos outros. O meio-campo acaba sempre em desvantagem e os adversários aparecem de frente para a defesa com esta às arrecuas. A partir de certa altura, há uns jogadores que deixam ou de recuar ou de avançar, partindo-se a equipa. Não se consegue jogar em ataque continuado ou quando acontece é mais permitido do que conquistado. Os jogadores são sempre os mesmos e jogam até cair para o lado, não se compreendendo as contratações enquanto efetivas alternativas para o treinador. Os golos resultam de acasos e do virtuosismo dos melhores jogadores e muito pouco do envolvimento coletivo.
Contrariamente ao que afirmou Frederico Varandas, há razões para desconfiar da estrutura e do que anda a fazer. O resultado de ontem tem uma componente que pode ser explicada pelo acaso que um jogo sempre envolve. No entanto, nada do diagnóstico do jogo é, propriamente, novidade. A equipa e o seu modelo de jogo não dão sinais de melhoria. Os jogadores são sempre os mesmos. A aposta é nos jovens e no “scouting” e depois essa aposta não tem reflexos na equipa principal. O treinador foi escolhido porque dispunha de perfil necessário para dar resposta a estas apostas e melhorar o nosso jogo. Quem conhece o futebol português e os seus contornos, não espera títulos, a não ser muito esporádicos. O que legitimamente se espera é valorização de jovens jogadores e bom futebol. Se não se corresponde a essa expetativa, então o Peseiro servia, desde que devidamente equipado com uma pata de coelho.