domingo, 26 de junho de 2016

O autocarro

Se o jogo fosse para o campeonato nacional, diríamos que a Selecção estacionou um autocarro à frente da baliza. Foi um autocarro com vários andares ou camadas, tal era a vontade de condicionar o jogo da Croácia em todos os momentos e em todos os locais do campo.

O Adrien entrou para condicionar o Modric e empurrar o jogo da Croácia para as laterais, onde se verificava um completo congestionamento face à concentração de jogadores da Selecção, que defendiam com dois laterais de cada lado. A bola não podia entrar pelo meio e, para além do Adrien andar atrás do Modric, o William Carvalho tinha a função de não deixar o Rakitic tocar na bola. Os laterais só tinham como função defender o melhor que podiam e sabiam. O João Mário e o André Gomes tinham de fechar as laterais. O Nani e o Ronaldo ficavam para uma bola que lhes chegasse aos trambolhões, tendo-se deslocado o Nani para fechar um das laterais numa fase mais adiantada do jogo. O Pepe e o Fonte eram os feios, porcos e maus, que tinham que arreganhar os dentes a qualquer avançado que pretendesse disputar uma bola na área. O Patrício ficava para os pontapés de baliza e para fazer outros chutões para frente quando lhe atrasassem a bola.

Não se pode analisar o desempenho dos jogadores sem se compreender o que lhes foi pedido. Foi-lhes pedido que condicionassem o jogo da Croácia e eliminassem os seus principais jogadores. As substituições de forma directa ou indirecta também foram determinadas por esse objectivo. Foi o que os jogadores fizeram. Não sou capaz de destacar nenhum. Todos fizeram bem o que lhes foi pedido.

O golo da Selecção nasce de um roubo de bola do Quaresma e de um excelente passe do Ronaldo para o Sanches. A partir daí, uma série de equívocos e disparates permitiu uma combinação có(s)mica que fez a bola entrar. O Sanches arranca com a bola cheio de força e velocidade e com a cabeça plena de hesitações. À conta de tanto hesitar, em vez de passar a bola em dado momento acaba por a levar até aos pés do Nani, que já estava parado e sem espaço para fazer nada. O Nani enfia uma biqueirada na bola para se ver livre dela. A bola ganha vida própria e vai ter com o Ronaldo que, em vez de a passar ao Quaresma, remata para boa defesa do guarda-redes. A bola volta a ganhar vida própria e vai ter com o Quaresma para a empurrar de cabeça para a baliza.

Tentar a partir deste lance e do resultado analisar os jogadores e a nossa Selecção é um disparate. Este lance revela, apesar de tudo, a crença dos nossos jogadores. O Sanches, o Nani, o Quaresma e o Ronaldo acreditaram que aquele podia ser o momento do jogo que tanto esperavam. De outra forma, quase aos 120 minutos, ninguém está disponível para semelhantes correrias.

Aparentemente, o Fernando Santos jogou com a sorte e ganhou. Um jogo empatado pode cair sempre para um dos lados. Pode ser através de uma trapalhada, como no nosso golo, ou através dos penalties. Admitindo que se continua a jogar para ao empate, condicionando exclusivamente o jogo do adversário, as probabilidades de se ganhar o Europeu são reduzidas. As probabilidades não são 50% para cada lado em cada jogo. Quem joga mais próximo da baliza do adversário tem mais probabilidades de ter sorte. A não ser que não se trate de uma questão de sorte mas de uma questão de fé. É que a fé também move montanhas.

8 comentários:

  1. A verdade é que Portugal, a jogar assim, é difícil de bater.
    Somos latinos e gostamos é de dar espectáculo, mas a verdade é que isso até agora valeu-nos...0 títulos. E já tivemos seleções fortíssimas, muito melhores do que esta. Ainda por cima, agora que o FS descobriu o Adrien depois da guerra, ainda mais equilibrada ficou. O único que estraga esta estratégia é o Musgueira, que arrisca tudo em cada lance e logo comete erros. Talvez por isso, não seja titular.
    Alguém se lembra se a Grécia jogava em 4-4-2 ou 9-1 em 2004? Não, o que ficou na história foi o seu nome gravado como vencedor da competição.

    S.L

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    1. Meu caro,

      Não sei se é difícil de bater. É difícil é que ganhe. Não se marcam golos aos trambolhões todos os dias. Mas, quem sabe, pode ser. Pode ser que mude o fado: jogámos como sempre, ganhámos como nunca.

      SL

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  2. Foi uma vitória caída do céu e não sei até que ponto a nossa sorte vai continuar.

    O que é facto é que a Croácia tinha melhor equipa que nós e estava mais mecanizada, mas no fim ganhámos nós...Estamos a ter um futebol mediocre, mas temos também a sorte que nos têm faltado noutros Europeus.

    Em relação ao Sanches, respeitando a opinião do Miguel Courela, acho que neste momento faz falta, desde que tenha William e Adrien nas costas para ocupar o espaço vazio que ele deixa quando sai da posição, para além do bom entrosamento que ele tem com João Mário.

    Bom jogo também do Pepe, do "nosso" Cédric e do nosso Capitão Adrien, por muito que não lhe reconheçam o trabalho, o facto é que sem a cobertura dele ao Modric a estória do jogo era outra.

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    1. eu estou a ficar velho...já não percebo muito de futebol... tenho feito um esforço imenso para perceber o que vale este Renato. É um jogador engraçado, com um ar de puto reguila, com um bom caparro e um cabelo que o distingue dos demais. Corre muito e não dá nenhuma bola por perdida - assim uma espécie de Oceano mas em mais moderno, mais século XXI.
      Mas, não passa disso.... porque em termos de futebol, para além do vistoso, perde imensas bolas, faz imensas faltas, tem imensas decisões precipitadas....
      Isto não faz dele um flop, mas e é aqui que eu já estou velho, não consigo perceber como possa valer o dinheiro que pagaram por ele.
      Mas isto, cada um, gasta o que tem como quer.

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    2. Meus caros,

      Foi uma vitória aos trambolhões. Acontece. O Queiroz arranjou m táctica parecida contra a Espanha. Perdemos na mesma e o Ronaldo mandou que o despedissem.

      Quanto ao Renato Sanches não tenho nenhuma opinião formada. Só o vi jogar contra o Sporting, que jogou bastante mal, e nestes minutos no Europeu. O problema é que se reduz a Selecção a saber se ele joga ou não. Preferia uma Selecção que jogasse qualquer coisa de jeito. Em função desse modelo de jogo logo se via quem devia jogar.

      Aliás, a gestão dos jogadores anda sempre à volta do estatuto e dos media. Só assim se percebe que o Nani tenha ficado até ao fim do jogo quando estava clinicamente morto. Mas, já se sabe, há jogadores que não saem mesmo que estejam a morrer e outros que mal calçam mesmo que estejam num apogeu de forma.

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  3. Caro Rui,

    Estamos de acordo, Fernando Santos está verdadeiramente a mostrar ao mundo como se joga (ou não) futebol em Portugal.

    Tenho uma explicação diferente da sua para o brilhante golo que nos levou até aos quartos. Para mim foi a prova que a mão invisível do Adam Smith também se aplica no futebol: é um daqueles casos em que três jogadores, agindo no seu puro interesse individual acabaram por fazer o que era melhor para o coletivo.
    Nani não estava numa boa posição para rematar, no entanto o que ele queria mesmo era marcar um golo. Como tal em vez de centrar mandou uma biqueirada na bola que foi parar redondinha aos pés do Ronaldo.
    Este já sabemos, também age sempre no seu próprio interesse: apesar da melhor posição de Quaresma, Ronaldo não quer um lugar na história como rei das assistências e rematou à baliza. Perante a intervenção da mão bem visível do GR Croata a bola lá foi, não para o fundo das redes mas para a cabeça dum Quaresma que... simplesmente não devia estar ali.
    Sendo o extremo de serviço Quaresma depois de recuperar a bola junto à linha devia ter-se mantido por lá, a dar "profundidade" ao ataque e nunca se deveria enfiar no meio dos colegas. Acontece que Quaresma queria mesmo era marcar, e disciplina táctica não é com ele; uma mão invisível empurrou-o para o lugar do ponta de lança que Santos teima em não usar.
    Resultado final: uma batata lá dentro, exactamente o que era melhor para o colectivo.

    A economia como o futebol não é bem uma ciência exacta. Pode ser que contra todas as expectativas uma qualquer mão invisível também nos salve contra a Polónia.

    SL

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    1. Caro João,

      Simplesmente brilhante. Merece um post e não um comentário. Citando o Adam Smith “não é da bondade do homem do talho, do cervejeiro ou do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração em que eles têm o seu próprio interesse”. Resta saber quem é o homem do talho, o cervejeiro ou o padeiro neste caso.

      SL

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  4. Caro Rui,

    Obrigado. Segui a sua sugestão, peço desculpa a quem lê os comentários pela repetição.

    Vejamos amanhã se a sorte tem bondade de nos auxiliar. Sem ela não vamos a lado nenhum.

    SL

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