quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Geopolítica do arranjinho e regionalização

A ideia [e a prática] de combinar os resultados das eliminatórias com os adversários [do Sporting] nas competições europeias é brilhante, sublime até: começamos a perder em casa por um resultado que não deixe dúvidas quanto ao desfecho da eliminatória e acabamos a empatar fora [com sangue suor e lágrimas para animar a coreografia, de preferência]. Tínhamos efetuado este arranjinho com o Manchester City há uns anos e correu bem, mas este com o Borussia Dortmund correu ainda melhor.

Assim se evita a mais completa e absoluta humilhação que pode ocorrer por puro e simples desfastio de qualquer um destes clubes e respetivas equipas [quem tenha dúvidas, pode rever os jogos da eliminatória com o Bayern de Munique no tempo do Paulo Bento]. Como uma derrota e um empate é sempre melhor do que duas derrotas, saca-se mais algum carcalhol, algum graveto, muito útil para se contratar um jogador de Salvador da Bahia. No final, cada um vai à sua vida: nós vamos jogar contra o Aves, o Pinheiro ou o Gil Vicente; e eles contra o Real Madrid ou o Liverpool.

O “fine tunning” deste tipo de arranjinho não é simples. Só a experiência, a prática [continuada] é que permite encontrar a solução ótima, sem nunca colocar em causa os princípios inalienáveis que regem um clube eticamente irrepreensível como o Sporting [e centralista também, estava-me a esquecer]. Hoje [ontem, melhor dizendo], sabemos bem que os cinco a zero na eliminatória contra o Manchester City constituiu um resultado exagerado. Três a zero teriam chegado e, se eles insistissem, trocaríamos os dois golos por um ou dois médios lesionados. Também não custa nada permitir duas ou três defesas de encher o olho ao nosso guarda-redes para que ele volte a ser amigo do St. Juste.

Não sei se se pode dizer muito mais sobre o jogo de ontem. Talvez falar dos três ou quatro filhos do Musk que entraram na parte final do jogo. Os miúdos são traquinas, atrevidos, tanto metem o dedo no ouvido ou no nariz do pai na Sala Oval como a bola em qualquer uma das balizas do Westfalenstadion. Não aprecio recorrer a lugares-comuns, mas, ontem, com eles, ganhámos uma equipa. Que se cuidem o Lusitânia de Lourosa, o Varzim ou o 1º de Dezembro. 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

A silvicultura do reforço

Quando era treinador do Sporting, o Paulo Sérgio reclamou vezes sem conta um pinheiro. Na altura, não compreendi bem o alcance deste pedido, desta exigência, pois também não compreendi bem a sua passagem pelo Sporting em vez do André Villas-Boas. Não via préstimo algum num pinheiro, num pinheiro a sério, num “Pinus pinaster”, num "Pinus pinea" ou num “Pinus halepensis” plantado no relvado do Estádio de Alvalade. 

Passados estes anos todos, mais maduro, muito mais maduro, compreendo melhor o Paulo Sérgio. Recorreu a uma alegoria, tão-só. O que ele pretendia era um pinheiro de carne e osso, um substantivo próprio, um Pinheiro devidamente registado no Arquivo Distrital de Lisboa, como dantes constava dos Bilhetes de Identidade. Pretendia-o porque pretendia mais um jogador, um jogador que reforçasse o ataque da equipa. 

Também só agora é que compreendo o Bettencourt e o Costinha. O André Villas-Boas demorou mais de década e meia para perceber aquilo que tinha percebido o Paulo Sérgio há muito, muito tempo [teve razão antes do tempo, como se costuma dizer na política]. O Porto precisava de se reforçar e reforçou-se. Mesmo assim, não sei se chega, pois o Benfica parece ter-se reforçado mais, muito mais. O Sporting é que parece que nunca se reforça por muito que se reforce.

[Acrescentei o “Pinus pinea” (pinheiro-manso) à lista de espécies por sugestão de uma amiga Eng.ª Silvicultora, que hoje (terça-feira) faz anos. Parabéns, Mané!]

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Nova teoria das estruturas (II)

(continuação daqui)

Com o Rui Borges a fazer de Rui Borges e a dar o peito às balas, a inexistente estrutura poderia dormir mais descansada. O exportado fora definitivamente exportado e com o seu braço direito a prazo, entrávamos numa nova fase de reestruturação à portuguesa que consiste basicamente em fazer de morto.

Fazer de morto tem que se lhe diga: é preciso muito treino a alguma desenvoltura, ainda que estática. Esta assentou na concepção de uma cabeça bicéfala (para mantermos aqui alguma coerência anatómica) que substituiria o braço direito: um tecnocrata e um olheiro, reportando diretamente ao presidente, este sim, um verdadeiro expert a fazer de morto, principalmente quando a presunção o terá levado a abrir demasiado a boca.

A coisa até estava a correr bem, no entanto, com alguns resultados menos conseguidos dos nossos rivais (ao Porto, em falência de vários órgãos, falta-lhe a bengala que normalmente o amparava e, no Benfica, o presidente Di Maria tudo tem feito para ser reconduzido mais um ano, com o Otamendi a director desportivo), e com um Rui Borges habituado a desenrascar-se, conhecedor das limitações do nosso campeonato, o dever de mexer uma palha pôde dormir descansado durante algum tempo.

Enquanto isso, numa época em que podemos comemorar o bicampeonato (inédito em muitas décadas), a equipa desmoronava-se entre lesões e castigos, ao ponto de Fresneda aparecer a defesa direito a fazer de um Fresneda que ele viu num filme espanhol sobre auto motivação e capacidade de adaptação, filme esse que, não tarda, está a passar no telemóvel do Esgaio.

À modernidade líquida de Bauman, o Sporting contrapõe a futebolidade (deixem passar) líquida, onde a continuidade se torne descontínua, fluindo em conformidade. Ao mesmo tempo, a essa futebolidade e estrutura líquidas, junta-se o recurso à nossa senhora das dores, muito requisitada por enfermos e enjeitados. Nesse sentido, compreende-se a invulgar desenvoltura estática que nos acompanhou no último mercado, como se estivéssemos bem providos. Entretanto, o braço direito foi definitivamente exportado. Valha-nos o Biel Teixeira, que nos chega de São Salvador… da Bahia.


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Rui Borges, o autêntico

Ando há semanas para escrever qualquer coisa sobre o Sporting nesta nova configuração que lhe é dada pelo Rui Borges e os jogos [entretanto] realizados. O Rui Borges é um treinador português certificado, um treinador com esta Denominação de Origem Protegida [DOP]. Como treinador português, é sobretudo alguém que desenrasca o que for preciso com o que tiver mais à mão [ou ao pé, para ser mais rigoroso]. A tática, o sistema de jogo, seja o que for que se chama à disposição dos jogadores em campo a correr para a frente e para trás, é resultado de circunstâncias, de contingências. Sem essas circunstâncias e, assim, sem necessidade de desenrascar, o Rui Borges não expressaria as suas virtudes [que são muitas], seguramente. 

É assim um género de senhor Manuel que tanto chamo para arranjar as persianas, instalar o fogão, pintar a casa ou dar um jeito na canalização [o vizinho de baixo está-se sempre a queixar e resta-me recorrer a uma sonda da NASA, daquelas que usam para explorar Marte e outros sítios como este, onde há muitos vizinhos de baixo]. Imaginem um treinador alemão, um Roger Schmidt desta vida, a lidar com o permanente rebuliço sanitário e organizativo que vem caracterizando o Sporting dos últimos dois meses. Querer contratar um lateral direito espanhol para substituir o Esgaio e descobrir que (já) o tinham contratado há ano e meio; dar com metade da equipa em lista de espera no Serviço Nacional de Saúde; querer contratar um extremo do Bahia que joga no União de Leiria e acabar a contratar um extremo do Bahia que joga no Bahia; ter um diretor desportivo do Manchester City que faz um gancho no Sporting e que contrata jogadores do Bahia estejam onde estiverem, joguem onde jogarem. 

O Rui Borges tudo aguenta, a tudo resiste, nunca se resignando, nunca se queixando. Dêem-lhe um canivete suíço e uma chave inglesa e ele monta uma equipa. Transforma trios de centrais em duos que parecem trios e às vezes até são trios; avança um central para o meio-campo e um jogador do meio-campo para o ataque; põe os laterais a jogar a extremos; percebe que o lateral direito que fala castelhano é o lateral direito espanhol que queriam contratar. Fazer implica convencer os jogadores a fazê-lo, mesmo sem o treinar. Se precisa de empatar, empata; se precisa de ganhar, ganha; se pode ganhar por poucos, não continua na fossanguice para ganhar por mais, como se não houvesse amanhã. 

O [eventual] problema dele será a normalidade, a monotonia do dia a dia de uma organização, os jogadores certos para os lugares [certos], o diretor desportivo sem estar de malas aviadas, o centro de treinos sem parecer as urgências do Santa Maria ou do Curry Cabral. O problema será essa normalidade e também o futuro do Bruno Lage [e, antes, do Vítor Bruno]. Com seis pontos de atraso, os treinadores do Benfica e do Porto têm feito o que podem para a criação de um mito [sportinguista]. Sem eles, [provavelmente] as circunstâncias fariam o seu [inexorável] caminho.  

[O objetivo era dizer umas coisas sobre os jogos realizados em janeiro, do Campeonato, da Taça da Liga ou da Liga dos Campeões. Esta figura do Rui Borges dá-me comichões na ponta dos dedos e não, não consigo parar de escrever sobre ele e as suas circunstâncias trágico-cómicas. Os jogos ficam para outro dia mais inspirado]