Contra o Braga foi assim e contra o Porto ainda havia mais razões para assim ser: o jogo era uma formalidade. Os primeiros cinco minutos pareciam confirmar essa profecia. O Porto pressionou, pressionou, ganhou bolas atrás de bolas e parecia que não havia maneira de algum jogador do Sporting por cobro aquele vendaval e deixar a equipa respirar melhor. Mas foi o primeiro milho. Os pardais aproveitaram o que puderam, e puderam pouco, e depois, bem, depois foi mais pardais ao ninho.
O Marcel Keizer voltou a surpreender o Sérgio Conceição. Quando pensava que se ia repetir mesma tática do jogo de Alvalade e, assim, nos podia cair em cima sem nos dar tempo de respirar, apanhou com uma defesa mais subida e uma pressão mais intensa sobre os defesas à saída do seu meio-campo. Com a defesa pressionada, o Oliver e o Herrera bem vigiados pelos jogadores do meio-campo do Sporting e o Rapnhinha e o Ristovsky a tirarem do jogo o Brahimi e o Alex Telles, restava aos do Porto jogar na profundidade, que corresponde “ao bola na frente e fé no Marega”. O posicionamento da defesa do Sporting concedia espaço nas suas costas mas não o suficiente, pois o Marega precisa sempre de mais dez metros do que qualquer outro avançado para se isolar, que é o espaço necessário para ter tempo de dominar a bola, enquanto vai tropeçando nela uma e outra vez.
Os defesas do Sporting aguentaram bem o Marega, enquanto eu me via em palpos de aranha para aguentar o Manuel Queiroz a comentar na TVI. Os comentários sobre o excesso de faltas marcadas só aconteciam quando eram marcadas contra o Porto, não havendo nenhuma referência à dualidade de critérios na amostragem de amarelos, tudo culminado em modo vídeo-árbitro instantâneo, gritando: “O Raphinha não se dirigia para a baliza! O Raphinha não se dirigia para a baliza!”, quando o jogador do Sporting foi abalroado pelo Feilpe. Vivo em Braga e conheço bem o local onde se situa o estádio, encontrando-me em boas condições para confirmar a análise do Manuel Queiroz. O Raphinha, com efeito, não se dirigia para a baliza mas para uma loja da Decathlon, que fica perto. Não tenho nenhum problema que o jogo seja comentado por um adepto do Porto. Convém, no entanto, reforçar-lhe o superego, para que as pulsões subterrâneas do id não se manifestem de forma histriónica, pelo menos. É perguntar-lhe se é adepto do Porto umas tantas vezes antes do jogo e verificar se a agulha do polígrafo se mexe quando o procurar negar outras tantas.
A primeira parte acabou por ser um passeio. O Porto construiu uma jogada de perigo e o Sporting cinco. Na segunda parte, o jogo mudou de figura. Condicionando por um amarelo, o Acuña foi substituído pelo Jéfferson. Compreendo os cuidados do Marcel Keizer, mas tenho as mais sérias dúvidas sobre os efeitos, dado que o Jéfferson costuma contar para o lado do adversário. A equipa fica na mesma a jogar com dez e vê o adversário superiorizar-se em número não numa mas em duas unidades. Como disse o Sérgio Conceição na conferência de imprensa, os jogadores do Sporting quebraram o ritmo de jogo. Esqueceu-se foi de explicar que quebraram o ritmo do jogo ao mesmo ritmo que os jogadores do Porto lhes iam quebrando a cana do nariz, transformando os primeiros vinte minutos numa episódio da Anatomia de Grey. Esta parte do jogo foi a mais apreciada pelo Frederico Varandas, como se notou pela forma empolgada como nos descreveu detalhadamente as alterações anatómicas das fossas nasais do André Pinto e do Petrovic, no final do jogo.
Passados esses vinte minutos, então, sim, o Porto pegou no jogo ou, dizendo de outra forma, adiantou mais o Alex Telles e passou sempre a entregar a bola ao Brahimi para lhe fazer o que entendesse, porque ele entende como nenhum outro jogador dentro de campo o que se deve fazer com ela. Nessa altura, valeram-nos mais os jogadores do Porto do que os do Sporting. Percebeu-se que estava à espera que os segundos o atrapalhassem, mas ficou surpreendido por o atrapalharem os primeiros também. Num desses momentos de atrapalhação atacante, depois de um remate do Herrera, a bola ressaltou num tufo de relva, ressaltou no peito do Renan Ribeiro, ressaltou no pé do Marega, ressaltou na perna do Renan Ribeiro, ressaltou no pé do Fernando Andrade e entrou na baliza. O golo e os minutos que se lhe seguiram pareciam confirmar que o jogo estava decidido, apesar de duas substituições de sentido contrário: entrou o Diaby e saiu o Gudlej, no Sporting, e entrou o Danilo e saiu o Corona, no Porto. Os jogadores do Porto retinham a bola no meio-campo do Sporting e continuaram a insistir no ataque.
De repente, tudo mudou: o Bruno Fernandes recebe a bola e de imediato faz um passe de trinta metros a rasgar a defesa do Porto e a desmarcar o Nani, que parte uma e outra vez os rins aos Militão, por quem nunca tinha passado no resto do jogo, e centra para um cabeceamento do Bas Dost em basculação ao lado. Os do Sporting acreditaram e os do Porto recearam e recuaram. O Jéfferson desmarca-se do lado esquerdo e centra (mal), safando o guarda-redes em cima da linha de baliza para canto. O canto sai mal mas a bola continua viva. O Jéfferson centra outra vez (mal) a bola bate num defesa e o Militão vai à linha de fundo evitar novo canto e alivia de cabeça para a entrada da área onde o Herrera ganha a bola para o Óliver que, à beira de um ataque de ansiedade, tenta-se ver livre dela de qualquer maneira e enfia uma biqueirada no Diaby. O árbitro, que estava a receber o troco das compras na loja da Decathlon, onde tinha ido com o Raphinha ainda na primeira parte, não vê, esquecendo-se, no entanto, que o “Big Brother was watching him”. “Penalty”, Bas Dost a olhar para o chão, remate para o meio da baliza com o guarda-redes a atirar-se para a esquerda e golo do empate. Logo a seguir o Bruno Fernandes faz um passe extraordinário sobre a defesa do Porto, desmarcando o Raphinha que, na cara do guarda-redes, não lhe consegue desviar a bola, batendo-lhe no tronco e saindo pela linha de fundo (para canto que o árbitro, livre do “Big Brother”, não assinalou).
Nos “penalties”, o Porto teve a sua oportunidade de passar para a frente, mas o Militão optou por um golo de Super Bock. O Bruno Fernandes marcou a seguir como só ele sabe, entregando ao Renan Ribeiro e à sua dança o destino do Porto. O Renan Ribeiro defendeu o remate do Hernâni e, quando o Nani marcou a seguir, o Felipe foi para a marca de “penalty” com mais medo de falhar do que vontade de marcar. Tentou colocar a bola ao ângulo superior direito com tal precisão que, como acontece nestas circunstâncias, acabou por acertar na barra.
Afinal o jogo não tinha sido uma formalidade e era necessário encontrar desculpas. Vieram em catadupa dos comentadores e do Sérgio Conceição: a sorte, o azar, o domínio, a atitude, explicando que o “penalty” nos caiu do Céu e, por oposição, o golo do Porto de um lance estudado e recheado de pormenores de elevada craveira técnica (que deve ter caído do Inferno!). O Sérgio Conceição está habituado a impor o seu jogo, porque as equipas contra as quais se bate são quase sempre muito fracas. Quando o adversário se equivale mais em termos físicos, técnicos e táticos é preciso conhecê-lo melhor, porque, quando não se conhece como se conhece a sua equipa, ganha-se mas também se perde. Contrariamente às minhas expetativas, o treinador do Sporting parece ter lido a “Arte da Guerra”, de Sun Tzu. A sua equipa pareceu sempre conhecer-se tão bem a si própria como ao adversário, nas suas fraquezas e nas suas forças, estando assim mais próxima de ganhar sempre.
“É verdade que com frequência, em política, se aprende com o inimigo” (Lenine). Esta tem sido a orientação de Marcel Keizer no Sporting, que se poderá designar por Keizerismo-Leninismo. A continuar assim transformar-se-á no melhor “Treinador Português”, apesar de os comentadores serem defensores, e bem, que esta Denominação de Origem Protegida (DOP) só possa ser atribuída à produção nacional. A contrariedade foi tanta, deles e dos nossos adversários, que, uma competição sempre desvalorizada, parece transformada na Liga dos Campeões.