quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Seis a um, sim, seis a um!

Nos tempos que correm, não é fácil ser adepto de um clube como o Sporting. Há muitas competições, muitos jogos e muitos adversários. Pelo meio, ainda se metem os jogos da seleção que baralham o quadro das competições do clube. Com exceção do campeonato, saber em cada momento com quem joga o Sporting, em que competição, qual a classificação e quais as expetativas só está ao alcance de um prodígio de Harvard com doutoramento em termodinâmica ou física dos meios contínuos. Antes de começar um jogo, o comum dos mortais tem que pesquisar o passado para analisar as perspetivas de futuro de forma a enquadrar o seu estado de espírito de espetador. É qualquer coisa do tipo: “Qarabag?! Quando é que ouvi falar disto? Ora deixa cá ver [barulho de desfolhar o caderno…], cá está. [barulho do cérebro a ler e a processar a informação] Hoje é para ganhar!” 

Era o primeiro jogo que via orientado pelo Marcel Keizer e estava curioso para ver como é que a equipa iria jogar. Comecei a ver uns pormenores que são sempre os “pormaiores” que diferenciam os treinadores daqueles que vestem fato de treino e carregam as bolas, os coletes e os pinos para os treinos. O André Pinto tinha a preocupação de receber a bola com o pé esquerdo e até a passar com o mesmo pé, sendo mais rápido com qualquer um dos pés a passá-la no momento seguinte. A bola saía sempre pelos centrais, tendo que se desenrascar com ela mas contando com a permanente movimentação dos jogadores do meio-campo para lhes darem linhas de passe, bem como, no limite, do guarda-redes. A bola quando ia aos laterais era para dar amplitude ao jogo e gerar espaço no meio para as desmarcações e a progressão em tabelas ao primeiro e segundo toques (embora com algumas perdas de bola ainda). Aparentemente, acabou o chutão para a frente e as correrias pelas laterais. Quando se perdia a bola, procuravam pressionar de imediato vários jogadores, embora nem sempre bem, dando muitas vezes a oportunidade de os adversários tirarem a bola dessa zona de pressão e apanhar a equipa descompensada no flanco contrário. Comecei a ver um jogador de cor que estava em todo o lado ao mesmo tempo a dar linhas de passe, a receber a bola e a dar-lhe sequência com assertividade para a frente. Pensei que fosse o Diaby, mas depois vi o Diaby e verifiquei que não era. Pensei que fosse o Nani, mas depois vi também que não era. Ao fim de um quarto de hora percebi: era o Wendel. 

Voltando atrás, comecei a ver o jogo com o estado de espírito adequado como se veio a verificar depois. Mal começou o jogo, o Bruno Gaspar ganhou a linha, centrou atrasado para o Bas Dost que rodopiou sobre a bola e foi agarrado por um adversário quando se preparava para marcar. “Penalty”, “slow motion”, guarda-redes deitado e bola a entrar devagarinho para permitir ao guarda-redes ter o tempo necessário para ver a sua triste figura: Bas Dost a picar o ponto à entrada da repartição das finanças onde trabalha, depois de ter sido ensinado pelo Grande Mestre da Tática. O Sporting demonstrava em campo que tinha entrado para ganhar. Mas, com o Sporting, há sempre um mas. Num ataque rápido do Qarabag, a bola vai à lateral direita, um adversário recebe-a e desloca-se para o meio, o Jéfferson não acompanha e não aparece ninguém a fechar, dando-se todo o tempo do mundo para ele meter a bola nas costas do Bruno Gaspar, onde apareceu um ciclista a amortecer com o peito para o remate vitorioso de um colega. A culpa não pareceu tanto do Bruno Gaspar, que estava a fechar dentro junto a um adversário (que veio a marcar o golo), mas do Diaby que esta a olhar para a bola e não viu e muito menos acompanhou a desmarcação pelas costas do referido ciclista. 

Quando acontecem golos como este sabemos por saber de experiência feito que o nosso martírio começa naquele instante. Estranhamente, nada disso aconteceu. A equipa não tremeu e continuou a jogar o seu jogo como se nada tivesse acontecido. O Wendel vai-se a desmarcar e é derrubado à entrada da área sem que o árbitro tenha marcado falta, permitindo a saída de bola em contra-ataque do adversário. O Gudelj recuperou-a de imediato, mas com o tempo necessário para o Wendel se levantar, fazer uma tabelinha com o Bruno Fernandes, que rematou à entrada da área, fazendo a bola bater à frente do guarda-redes para o transformar num passarinho. Recuperação de bola, a equipa a avançar em bloco em tabelinhas, o Wendel a ficar isolado no meio para avançar com ela e a passar ao Nani que fez o simétrico do que costuma fazer o Arjen Robben, com a dificuldade acrescida de não ter precisado de nenhum ressalto nem de encontrar um qualquer André Almeida pela frente. Para que não se concluísse a primeira parte em beleza, o Jéfferson fez o favor de nos explicar pela enésima vez que não sabe o que anda a fazer em campo, demorando a recuperar para a linha do fora-de-jogo e permitindo, assim, a um adversário isolar-se e fazer uma chapéu ao Renan Ribeiro que não deu golo porque o Bruno Fernandes fez de pronto-socorro. 

A segunda parte foi mais do mesmo. O Wendel recebe a bola de costas para a baliza à entrada do meio-campo do Qarabag, aguenta a pressão do adversário, vira-se e desmarca no flanco oposto o Diaby, que aproveita um corte defeituoso de um defesa para fintar o guarda-redes e fazer o quatro a um. Mais uma recuperação de bola, mais uma tabelinha e mais uma vez o Wendel a picar a bola por cima dos defesas e a isolar o Bruno Fernandes que fuzilou para o cinco a um. Para variar, desta vez, o Jovane Cabral corre pelo lado direito até ao bico da grande área e centra para o Diaby rematar de primeira e fazer o seis a um. Entretanto, o Marcel Keizer já tinha efetuado várias substituições, saindo o Bas Dost, o Bruno Gaspar e o Nani para entrarem, respetivamente o Jovane Cabral, o Thierry Correia e o Carlos Mané. A festa tinha acabado e pode ser que haja mais para a próxima. 

É difícil encontrar a moral desta história. Um jogo é um jogo (como diria o Luís Filipe Viera, o Paulo Gonçalves é o Paulo Gonçalves e o Benfica é o Benfica) e nada mais do que um jogo. Aparentemente, depois de dois treinadores portugueses de alto coturno (Jorge Jesus e José Peseiro), foi preciso chegar um holandês para perceber que o Wendel é capaz de ser jogador de bola (há uma teoria alternativa: foram necessários meses e meses de aprendizagem com esses dois monstros sagrados da futebolândia nacional para o rapaz aprender a jogar à bola). Os pontos fortes do Sporting são ao mesmo tempo os seus pontos fracos num campeonato como o português. O Qarabag quis jogar à bola, coisa que a maioria dos nossos adversários do campeonato não só não quer como odeia quem quer. Vai ser mais difícil controlar a saída de bola do Sporting e impedir o ataque continuado, mas qualquer erro pode ser a morte do artista. É preciso pressionar melhor depois da perda da bola e ser muito mais agressivo ou, de outra forma, a equipa vai ser apanhada em contrapé na lateral contrária (sobretudo se por lá andar uma mosca morta como o Jéfferson). Há dois ganhos para já: via-se que os jogadores se sentiam confortáveis a jogar assim e se divertiam inclusivamente e, por outro lado, como o Benfica, a uma jornada do fim conseguimos o apuramento para os dezasseis avos da Liga Europa. Parece pouco mas rebobinem a cassete e vejam se com o Peseiro se faria melhor.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Prendas de Natal em tempos de “Black Friday”

Aparentemente, o Benfica ou o Paulo Gonçalves ou o Paulo Gonçalves e o Benfica ou o Benfica e o Paulo Gonçalves ou todas as anteriores ou nenhuma das anteriores (assinalar com “X” a opção correta) ofereceu umas prendas a uns funcionários judiciais. Aparentemente, trata-se de bilhetes para a tribuna presidencial, camisolas e marroquinaria diversa: umas pechinchas mesmo para a Worten na “Black Friday” da semana passada. Aparentemente, ninguém os conhecia de parte nenhuma. Aparentemente, é prática corrente oferecer este tipo de prendas a adeptos e sócios. Aparentemente, estas prendas constituem prémios de umas rifas compradas nos tempos da “Operação Coração”. Aparentemente, gratos por este gesto desprendido, esses funcionários judiciais resolveram retribuir, oferecendo informações sobre processos em segredo de justiça. Aparentemente, quem recebeu essas informações nem se deu conta da oferta dado que não tinha qualquer uso. Aparentemente, tudo normal a não ser os macaquinhos na cabeça do Ministério Público. 

Este Natal, como de costume, estava a pensar oferecer a uma tia umas pantufas fofinhas e quentinhas. Sabem como são, não sabem? Daquelas que têm pelinho branco por dentro. Em troca, também espero receber a prenda do costume, mas começo a ficar apreensivo. Para que o Ministério Público não comece a adivinhar a intenção fica o apelo: “Ó tia, continuo a contar com a sua meia dúzia de meias em turco com várias cores que muita falta me faz!”.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Definitivamente…

... "Hoje giro eu - O amor acontece (Love actually)" é a melhor postada do ano. É de ler e chorar por mais. O Pedro Azevedo é o melhor bloguista português de todos os tempos (mesmo daqueles em que o blogues eram escritos em papiro). Não disponho de toda a informação mas sou capaz de arriscar e afirmar que o Pedro Azevedo é o melhor bloguista do Mundo (e da Europa também).

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Um oxímoro em forma de assim: o Estaleiro de Obras

Recebo um email a pedir a divulgação do blogue “Estaleiro de Obras”. Começa assim (espero que o autor me perdoe): “Vocês são uns gajos inteligentes, escrevem muitíssimo bem e têm imensa piada [esta é a parte da graxa e só releva para a conclusão que se segue]. Epá, mas como é que vocês, perante tudo o que se passa, não soltam uma valente "caralhada" no texto? É que eu só por manifesto controlo não escrevo 14 páginas de asneiredo. Qualquer dia vazo uma vista com tanta contenção.” Esta prosa aguça o apetite de qualquer mortal. Fui ler o blogue. 

Li autênticas pérolas: “Com mais em dois em campo e mesmo assim ainda nos expomos a ser desmontados como um Punto numa garagem da Reboleira”; “Por que raio está o Oliver a aquecer dentro do campo com o jogo a decorrer?”; “Aqueles cerca de seiscentos e sessenta e cinco metros quadrados de solidão, onde apenas pontificam o árbitro e dois adversários, a bola e o guarda-redes, são, para Marega, a possibilidade de ligar o pé às redes numa linha recta mais perfeita que os corriqueiros arremessos originados metros antes da linha de meio-campo, estilo de jogo que, em vez de apostar nas entrelinhas, valoriza as sobrelinhas aéreas. Quando ele respira fundo e começa a correr para a marca dos onze metros, subsiste apenas uma pergunta, que anula todas as outras e resume aquilo que todos parecem adorar no futebol: “Será que ele vai acertar na bola?””

O que espanta no blogue é que os seus autores têm um fino sentido de ironia, independentemente de serem sportinguistas, benfiquistas ou portistas. Não sou daqueles que anda sempre a bater no peito e a dizer que os sportinguistas são diferentes, mas sempre admiti que nós tínhamos muito mais graça porque dominamos a autoironia. Dominamo-la porque não ganhamos e temos de saber lidar com isso. Não admitimos que um benfiquista ou um portista nos diga que o Jéfferson é um perneta, não por discordarmos mas porque, apesar de perneta, é nosso: quem melhor do que nós seria capaz de o qualificar como perneta? Um benfiquista não admite que o André Almeida seja um jogador polivalente porque joga igualmente mal em todas as posições. 

A leitura do “Estaleiro de Obras” proporcionou-me uma epifania. Tem benfiquistas e portistas com piada (sportinguistas com piada não é novidade). É um oxímoro em forma de assim. É de leitura obrigatória. É de partilha obrigatória também. É para ler e dar a ler ao pai ou à mãe, ao namorado ou à namorada, ao marido ou à mulher, ao amigo ou à amiga, ao vizinho ou à vizinha, mesmo numa reunião de condomínio, se queremos fazer figura de inteligentes. Acompanha bem um pequeno-almoço com “cornflakes”, mas também umas papas de sarrabulho regadas com vinhão ao almoço ou ao jantar. Entranha-se sem se chegar a estranhar.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Fernando Santos is everywhere

O livro “Iludidos pelo Acaso”, de Nassim Taleb, explica-nos que tendemos a atribuir mérito a certos resultados de várias atividades que desenvolvemos, individual e coletivamente, que resultam pura e simplesmente do acaso. Este comportamento resulta do enviesamento da heurística humana em muito do que implica análise de probabilidade para a tomada de decisão. Um dos exemplos mais esclarecedores é o da Roleta Russa. Se jogarmos a troco de um milhão de euros, sabemos que a probabilidade de sucesso é de 5/6 e cada vez que jogamos a probabilidade é sempre a mesma. A probabilidade de jogarmos uma vez por semana e sobrevivermos é, porém, ínfima. No entanto, se milhões de pessoas jogarem haverá sempre um ou outro que acabará por ficar multimilionário, tendendo a ser valorizado pelo facto de o ser, quando antes de ser milionário é estúpido. Na bolsa, os resultados não são muito diferentes, apesar de haver muitos (supostos) especialistas a beneficiar do acaso. 

O próximo livro de Nassim Taleb terá um capítulo dedicado exclusivamente ao Fernando Santos e à seleção portuguesa. Os resultados da seleção nacional explicam-se mais pelo acaso nos jogos em que não está envolvida do que nos seus próprios jogos. Depois do jogo contra a Itália na Liga das Nações, vão vir, como diria o Futre, “charters” de italianos para provar a última garrafa de puro Bearzot, “Red Label, 40 years old”. Ganhámos o grupo com os resultados e a diferença de golos quanto bastem, nem mais nem menos, com todo a energia que (não) despendemos para que o polacos pudessem atingir o objetivo que o Fernando Santos lhes tinha estabelecido. Depois, bem, depois vem o acaso (ou talvez não): a perder por dois a zero no último jogo contra a Alemanha, a Holanda assegura o empate nos últimos cinco minutos e elimina-a bem como à França; a Suíça ganhou por cinco a dois à Bélgica no último jogo, eliminando-a, quando chegou a estar a perder por dois a zero; no último jogo também, a Inglaterra vira o jogo contra a Croácia nos últimos cinco minutos e elimina a Espanha. Fica a pergunta: tudo se deve ao acaso ou o Fernando Santos está em todo o lado? 

Assim, em vez de uma final com a Itália, a Alemanha (ou a França), a Espanha e a Bélgica, temos uma com Portugal, a Suíça, a Holanda e a Inglaterra. Mesmo com desconto no cartão do Continente, espero que o governo aplique o IVA à taxa reduzida aos bilhetes. De outra forma, mais depressa vou ver a exposição de fotografia de Mapplethorpe a Serralves. Parece um jogo mais parado mas na minha cabeça (devassa) é tudo movimento.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

O futebol faz mal: quando o anormal se torna no novo normal

Na última semana, tive a cabeça ocupada com vários assuntos e sem tempo nenhum para pensar em futebóis. No entanto, sempre que ligava a televisão, escolhesse o canal que escolhesse, parecia que vivia num país governado pelo Bashar al-Assad ou por outro do género. Alcochete parecia Aleppo e o estado de direito tinha sido substituído por uma disputa entre sunitas e xiitas alauítas. 

De repente, não há responsáveis. A ex-direcção do Sporting não é responsável pelo assalto a Alcochete. A direção do Benfica não é responsável pela acusação do ministério público de corrupção e acesso a processos em segredo de justiça. Discute-se se são preferíveis claques ou grupos organizados de adeptos, como se o tráfico de drogas e a promoção da violência e de ideais de extrema-direita tivessem direito de escolha. A discussão envolve muito juridiquês de trazer por casa, envolvendo juristas, jornalistas e adeptos, como se a opinião técnica se pudesse misturar com o senso comum. A justiça portuguesa embrulha-se com o jornalismo tabloide como se, em conjunto, pretendessem regular a moral e os bons costumes e, em geral, toda a vida social. Há ou não há presunção da inocência conforme as conveniências, como se só a absolvição ou a pena determinassem responsabilidades. No meio disto tudo, reina o silêncio dos cemitérios do governo. 

Num país decente, o governo há muito que tinha chamado a Federação Portuguesa de Futebol para a responsabilizar, responsabilizando-se ao mesmo tempo. Há muito que teria dito a esses senhores da Federação que ou acabavam com este estado de exceção ou o governo acabava com eles e com o futebol. Não se pode aceitar que o futebol continue a degradar a nossa vida coletiva e as nossas instituições democráticas. Eu e outros como eu não queremos o futebol para nada se o futebol é para continuar a ser assim. Entretemo-nos com outra coisa qualquer, seja a ver “curling” ou “snooker” no Eurosport.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

O maravilhoso reino animal


O processo de canonização de Jorge Jesus está em curso. Inicialmente ainda se poderia pensar que se tratavam apenas de manobras de ocultação (ou de diversão), no sentido de enaltecer o seu excelente trabalho (risos) à frente do Sporting: títulos, dinheiro a rodos, lançamento de jogadores, excelentes prestações europeias, em suma, a sua ideia olímpica de jogo. Rapidamente se percebeu que seria muito mais do que (apenas) isso. A operação de limpeza não visava apenas os adeptos do Sporting. Sabemos hoje que não.

Basta ver a capa do jornal A Bola de hoje para percebermos a amplitude do processo de beatificação. Com o bom filho a casa torna percebemos que a bem-aventurança poderá ser uma realidade. O alvo já não é identificado pela memória dos últimos anos, mas pela (des) memória dos anteriores, os que o deram a conhecer ao mundo, segundo o próprio. A limpeza visa (supostamente) arrumar numa prateleira a memória dos adeptos do nosso rival. Como se diz na minha terra: a ver se pega. 

Muitas foram as entrevistas e contactos da imprensa com o mestre nos últimos tempos com esse propósito. O (bom?) filho pode voltar. O rival do Porto tem treinador para os próximos tempos e pouco dinheiro para alargar a margem de loucura. O treinador em funções do clube que o deu a conhecer ao mundo, o tal que até foi ganhando, está na corda bamba. A classe dos invertebrados está a assistir na primeira fila. Como sempre.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Para uma nova taxonomia dos afectos


Tenho um amigo sportinguista que tem sempre teorias sobre tudo. Por isso mesmo não precisa da Netflix para nada. Desta vez engendrou uma teoria da conspiração que dá bem com o seu humor (quando não se fala do Sporting), embora ele não se aperceba. Essa teoria diz mais ou menos o seguinte: a detenção de Bruno de Carvalho (e do Mustafá) a um domingo e perto da hora do jogo foi responsabilidade do próprio (embora não saiba explicar como) e dos seus novos (velhos?) amigos benfiquistas, para (mais uma vez, diz ele) ocultar e deixar passar em claro os e-toupeiras, emails, e por aí fora, até porque hoje tem início a instrução do e-toupeira. Desta forma, o ruído instalado superaria tudo. Quanto ao ruído e às patetices dos jornalistas e comentadores não poderia estar mais de acordo, relativamente ao resto, fico agradecido por vivermos num país onde o humor (e a imaginação) suplantam, em muito (ainda), o horror. Embora o Artur Albarran não o saiba.

Este amigo é um apoiante (enganado, claro está - diz ele) de primeira hora de BdC. Ele e muitos. Os mesmos que agora (recentemente) se juntam em fila indiana, batendo-se por serem os primeiros a atirar a primeira pedra. Não estivéssemos perto do Natal e dir-se-ia que a Páscoa era a época festiva que vivíamos, divertidos, tantas são as crucificações em praça pública, tantos são os que acompanham a via dolorosa, julgando e enxovalhando quem passa (caído em desgraça). Isto é, quem foi detido. Duas ou três passagens pela TV e percebemos que todos o sabiam, ou pressentiam, ou tinham avisado, o que tarde ou mais cedo seria inevitável. Todos os outros: enganados. Vê-se muito disto nos divórcios.

A forma como a imprensa (vamos chamar-lhe assim, à falta de melhor) cobre estas (e outras) detenções, estando previamente nos locais, tendo acesso a informação (supostamente) em segredo de justiça, diz-nos bem da formosa estrebaria (esta foi roubada a um viajante do século XVIII) em que vivemos. Fosse esta imprensa tão avisada noutras situações, fizesse investigação verdadeira e reportagem a sério e seríamos o Bas Dost da imprensa europeia.

Mas não se pense que a imprensa é o melhor disto tudo. Os comentadores (a soldo de quem agora?) são a cereja no topo da estrebaria (já sem tanta formosura). Passe a gritaria, passe a ignorância, o dinheiro a jorrar (não é só para as claques, estes tipos descobriram as claques agora, parece, como se fosse possível assobiar para o lado consoante a cor da camisola), mas o que não passa, ou não pode passar incólume, é aquela velha forma de adaptação ao status quo vigente, seja ele qual for, capacidade apenas disponível ao nível dos invertebrados. O meu amigo deve ter uma teoria para isto. Depois pergunto-lhe.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

O choro das carpideiras

O choro das carpideiras de serviço do José Peseiro intensificou-se na semana passada. Aparentemente, estas carpideiras tinham um alvo - Frederico Varandas -, sem nunca se terem dado ao trabalho de perceber que não foi ele quem o despediu, mas os jogadores (ninguém despede o treinador contra a vontade dos jogadores, como se viu com Marco Silva). Longe vão os tempos do “Vamos a eles como tarzões!” do Fernando Cabrita a selecionador nacional. Os jogadores do Sporting são internacionais pelos seus países e muitos deles trabalharam com grandes treinadores ao longo da sua carreira. Os comentários sobre Marcel Keiser foram do mau gosto à xenofobia, mas, para além do corporativismo parolo, o objetivo era o de fragilizar o recém Presidente do Sporting. 

Quando menos se esperava apareceu outro alvo: Tiago Fernandes. A primeira coisa que fez o jovem treinador foi fugir da herança de José Peseiro. Não sendo filho dele e tendo alguma ambição para sua carreira, não podia ficar agarrado a esta herança (que não é currículo mas cadastro), contrariando a vontade dos jogadores e não os mobilizando para os jogos que tinham pela frente. Nos Açores, acabou com o duplo pivô, provou que o Lumor é mais alternativa do que Jéfferson, apostou no 4x4x2 e, mesmo quando substituiu o Diaby pelo Jovane Cabral, não alterou no essencial essa tática. Contra o Arsenal, mudou para o 4x3x3, apostou no miúdo Miguel Luís a titular (para dar sinal que é preferível apostar na formação do que em qualquer um dos “ics” que entulham o plantel) e voltou a não reeditar o 4x2x3x1. Para acabar com a pieguice e as desculpas, fez discursos afirmativos antes e depois dos jogos. 

Os resultados foram bons, mas parecia que se estava num velório, tal o choro das carpideiras de serviço: devia-se ter demitido, por solidariedade para com o seu treinador principal; deu o braço a torcer e jogou na segunda parte contra o Santa Clara como se jogava anteriormente; é arrogante e não respeita os colegas e os mais velhos; queria ser o treinador do Sporting mas o Varandas trocou-lhe as voltas. Pelo que disse e não devia ter dito, pelo que não disse e devia ter dito, tudo serviu para malhar no Tiago Fernandes. Se outras razões não existissem para desejar a vitória contra o Chaves, a solidariedade dos sportinguistas para com o seu jovem treinador bastava. A solidariedade bastava para o desejo mas não bastava para se ganhar o jogo. O adversário conta e é preciso ter competência para lhe ganhar.  

O Tiago Fernandes voltou a apostar no 4x3x3, insistindo no Miguel Luís no meio-campo, ao lado do Bruno Fernandes, e deixando o Gudelj a seis. Este é o sistema de jogo que mais o favorece Bas Dost, desde que lhe façam chegar as bolas em condições. Com o meio-campo mais arrumado, a equipa circula melhor a bola, responde à perda de bola de forma mais eficaz. Só que, com o Bruno Fernandes sem atinar, falta criatividade no ataque e capacidade para desequilibrar na zona central do terreno. Ficamos todos à espera de que o Jovane Cabral ou o Nani, apoiados pelo Acuña e pelo Bruno Gaspar, tirem um coelho da cartola numa qualquer arrancada. Do segundo não se espera o mesmo do que do primeiro e, por isso, a equipa joga mais inclinada para o lado esquerdo e foi por esse lado que o Acuña sacou um centro direitinho para a careca do Bas Dost fazer o primeiro golo. A primeira parte foi o golo e pouco mais. O Sporting teve mais bola, o Chaves foi inofensivo, mas houve pouco perigo criado em qualquer das áreas. 

Na segunda parte, voltámos aos tempos de Peseiro e a uma equipa sem guião que ficou como o tolo no meio da ponte. Os jogadores não sabiam se era para atacar ou para defender, procurando controlar a bola sem saber bem com que objetivo. A expulsão (exagerada) do jogador do Chaves ainda mais na dúvida deixou a equipa e o sinal do banco foi equívoco, saindo o Jovane Cabral e entrando o Diaby para a mesma posição (que foi uma nulidade). Há quem pense que a melhor maneira de não fazer asneira é não fazer nada, quando, muitas vezes, não fazer nada é uma grande asneira. O Tiago Fernandes deixou a iniciativa ao treinador do Chaves que fez o que lhe competia, substituindo jogadores com o propósito de tentar chegar ao empate. E aconteceu aquilo que nos acontece com frequência: um perneta qualquer rematou de fora da área e fez o golo de uma vida. Estava preparado o enredo para o filme do costume. Salvou-nos um tonto do Chaves a quem lhe devem ter dado orientações para marcar fosse de que maneira fosse o Bas Dost nas bolas paradas. O árbitro ainda o avisou mas, para ele, ordens são ordens e, na sequência de um canto, só teve como único objetivo placar o Bas Dost não revelando qualquer interesse em disputar a bola. “Penalty”, paradinha do costume, guarda-redes para um lado e bola para o outro e regressámos à casa de partida quando estávamos a respirar por uma palhinha. 

Quando da expulsão, percebemos que os comentadores da SporTv eram profundos apreciadores do presunto de Chaves. A choradeira foi-se arrastando, mostrando imagens que sim e mais que também e mostrando outras que talvez não. Os comentadores optaram sempre pelas do talvez não e não mais se calaram. Quando do “penalty”, descobrimos que não eram somente apreciadores do presunto mas assíduos frequentadores da Feira do Fumeiro de Montalegre. O “penalty”, que tem tanto de estúpido como de óbvio, foi transformado numa tentativa de genocídio do povo do Barroso, em clara violação dos Direitos do Homem e do Direito Internacional. Assistimos a mais uma rábula das carpideiras, agora, de serviço à moral e aos bons costumes, embora a moral e os bons costumes tenham dias, dependendo dos jogos e da cor das camisolas. 

O Tiago Fernandes desenrascou-nos num momento de aflição. Fez um biscate, sem cobrar um milhão de euros pelo serviço. Ficámos a dever-lhe esta. Espero que o Varandas lhe esteja grato e seja recíproco. Merece ter mais oportunidades e continuar a sua carreira. O passado recente, do despedimento do Peseiro, ficou morto e enterrado. O passado mais longínquo, do assalto a Alcochete, também. Vamos começar tudo de novo, sem as nossas carpideiras e com as carpideiras alheias, às quais estamos habituados. Mas é bom saber que não vamos começar do início, encontrando-nos em segundo lugar, a dois pontos do Porto e à frente do Braga e do Benfica.

domingo, 11 de novembro de 2018

Mau tempo no canal


Estiveram apenas vinte mil pessoas em Alvalade. E isso diz muito sobre a actualidade do Sporting. O temporal (quando é em Lisboa) é sempre de pôr os cabelos da nação em pé. A ventania levou também a JUV LEO a reboque e mais um ex.presidente. Tudo ao domingo, dia santo de jogo. Jogo houve pouco. Esta equipa do Sporting continua a treinar apenas nas horas vagas, nas restantes deve andar por aí a ler bons livros e a apreciar um bom ballet. Culturalmente, parece-me, estamos melhores. Um treinador que joga em qualquer lado, desde que mantenha o emprego, jogadores que não jogam em lado nenhum, mantendo-se bem empregados.

Na segunda parte não contei um remate enquadrado com a baliza. Pouco importa. O Bas Dost chega e vai sobrando (já o tinha feito na primeira parte) para as encomendas, e o Acuña, vá-se lá saber porquê, tem a mania de dar alguma intensidade ao jogo, ainda que inconsequente. O Bruno Fernandes desde que conviveu em conferências de imprensa com o Cintra (e, quem sabe, com o seu amigo que percebe de futebol) teima em não encarreirar no jogo, pelo menos dentro de campo. Até nisso há mão do Peseiro. O Nani vai-se passeando de peito feito, cabeça levantada, mas sem futebol digno desse nome. A sensação que fica é que o Gudelj até passa por jogador da bola neste conjunto de banalidades, e o Gaspar continua a marcar bem com os olhos. Raramente uma jogada sobrevive, faça chuva ou faça sol, a um ou dois toques com desmazelo à mistura.

Acabamos à toa, contra dez. Talvez por isso terá entrado o Misic, para equilibrar as coisas. Ganhámos, com ou sem casos, lá ganhámos. Mas não conseguimos enganar ninguém, a não ser os próprios. Não há chuva ou vento que nos leve a ilusão. Nem em Lisboa.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Enquanto se espera por Godot

Na dúvida, deve-se sempre esperar sentado. Quando se espera por Godot, mais razões existem para nos refastelarmos, embora este seja diferente do outro: aparentemente existe tanto mais que é conhecido do Leonardo Jardim que o recomenda (este facto e o de não ser o Peseiro, são as únicas razões que se percebam para a sua contratação). Este jogo contra o Arsenal apanhou-me assim sentado à espera e à espera continuei. Enquanto se espera, o rapaz jeitoso, salvo seja, filho do Manuel Fernandes fez mais este biscate contra o Arsenal. Não era um biscate tão simples como o dos Açores. Envolvia trabalho de canalização e eletricidade ao mesmo tempo, jogando-se contra uma equipa adversária e não, exclusivamente, contra o vento. 

O Tiago Fernandes (o nome do rapaz é este para quem não saiba e para que nunca mais ninguém se esqueça) disse logo ao que vinha ainda antes de começar o jogo: é preferível jogar com um júnior do que com o Petrovic. Começou o jogo e começou o massacre que poucos conseguiram até hoje organizar, com a exceção do Tomislav Ivić e do José Mourinho que o celebrizaram como “massacre defensivo”. O Arsenal atacou, os seus jogadores trocaram a bola de primeira em velocidade e sempre com os olhos na baliza, mas na zona central do meio-campo e da defesa o Sporting não havia um milímetro quadrado livre. Os ataques sucediam-se pelas laterais e no fim, bem, no fim foi sempre água. Nem um submarino para amostra quanto mais uma porta-aviões. 

Na televisão íamos ouvindo uns rapazes aziados: o Sporting assim e assado, o Gugelj não aquece nem arrefece, o Bruno Gaspar estava a dormir e por aí fora. Em nenhum momento se lembraram de falar do Arsenal e da grande equipa que têm ou, quando falavam, era para lembrar que faltava o A, o B ou o C, como se os outros que estavam em campo fossem um bando de pernetas. No intervalo, a régie deve-os ter lembrado que o Arsenal não tinha criado uma única oportunidade de golo e, no início da segunda parte, lá se lembraram de uma palavrinha para esse mérito do Sporting. 

O jogo continuou na segunda parte como se não tivesse havido intervalo. Só quando o Sporting marcou um canto com a marcha atrás engatada, passando a bola para o seu meio-campo, seguindo-se um balão para a área e um fora-de-jogo arrancado a ferros para se reorganizar a equipa, é que compreendi completamente a tática seguida. O ponto forte do Arsenal são as transições ofensivas. Ora, a melhor forma de contrariar esse ponto forte é pura e simplesmente não se chegar a atacar. Podia-se ter contra atacado, mas, para isso, é preciso apostar no erro do adversário. Ora, se o adversário não erra, a última coisa que deve passar pela cabeça do treinador e dos jogadores é contar com o ovo no dito cujo da galinha. O que podia ter sido melhor, apesar de tudo, foi a profundidade dos alívios: se se pode pôr a bola longe deve-se procurar pô-la o mais longe possível. 

Empatámos. Não disputamos a Liga dos Campeões e, por isso, não jogamos contra colossos do futebol mundial como o Ajax ou o Lokomotiv de Moscovo (onde joga o Éder a titular). Para a história, o Benfica apanhou cinco batatas do Arsenal, o Porto outras cinco e o Braga meia-dúzia. O Sporting não atacou, não rematou, mas não enfardou nenhuma e empatou. Temos pena, temos pena pelos comentadores; como disse o Ribeiro Cristóvão, o Tiago Fernandes tem um cadastro positivo no Sporting.

domingo, 4 de novembro de 2018

Ter ou não ter, eis a questão

O Sporting encontrava-se a dois pontos do primeiro classificado e despediu o treinador. O Santa Clara encontrava-se a quatro e não tinha despedido o treinador. A Associação Nacional de Treinadores de Futebol veio-nos dizer que nestas circunstâncias ganha quem mantém o treinador. É o é igual a eme vezes cê ao quadro do futebol. Como eu, o Varandas ainda acredita na teoria newtoniana do futebol: é sempre preferível treinador algum a um que mais parece nenhum. Como nos procuraram ensinar os habituais comentadores de futebol de sofá durante a semana, trata-se de um anacronismo procurar explicar a realidade como ela se nos apresenta hoje com base numa teoria do passado e (ultra)passada. 

O Varandas tentou arranjar alguém para fazer de treinador. Segundo nos informaram, contactou uns duzentos e cinquenta e oito treinadores. Uns porque tinham um casamento ou um batizado neste fim-de-semana, outros porque se tinham comprometido a estar em outros jogos, não foi possível arranjar nenhum. Como sempre acontece nestas circunstâncias em Portugal, alguém ligou a alguém para ver se arranjava alguém para fazer este biscate no fim-de-semana. O Manuel Fernandes tem um filho muito jeitoso, salvo seja, e simpático que se prontificou a fazer este gancho desde que não metesse o duplo pivô e não convocasse o Jéfferson. 

O rapaz jeitoso deixou o meio-campo entregue ao Battaglia e ao Bruno Fernandes: um para destruir e outro para construir. Pela primeira vez esta época, o Bruno Fernandes pôde construir de frente pra a baliza, deixando de andar a correr de um lado para o outro e a olhar de esguelha para a bola para ver se a agarrava depois de uma qualquer biqueirada da defesa, do Battaglia, do Petrovic ou do Gudelj. Do lado esquerdo da defesa, meteu o Lumor, o tal que era abaixo de assim-assim, e adiantou o Acuña, recolocando-o no lugar para o qual foi contratado e onde jogava. Têm-nos impingido uma teoria que procura demonstrar que quanto maior é a complicação melhor é a tácita e mais genial é o treinador. Estranhou-se, assim, a opção pelo óbvio. A pergunta ficou-me na cabeça mal o jogo se iniciou: o óbvio pode constituir uma tática? 

Os primeiros trinta minutos foram um pouco confusos. O vento atrapalhava de um lado e do outro: de um lado porque jogava a favor, do outro porque jogava contra; a bola ou andava de mais ou andava de menos. Atrapalhava o vento e um rabo enorme com duas pernas que ia terraplanando tudo e todos do lado esquerdo, até estropiar o joelho do Battaglia. Entrou o Gudlelj e fez logo o favor de entregar a bola a um adversário, permitindo, assim, uma bica para dentro da área que apanhou o Renan Ribeiro a passar pelas brasas e originou o golo do Santa Clara. 

O rapaz jeitoso tentou dizer alguma coisa ao Diaby, mas o Salin, embora saiba francês, não explica nada bem, como tinha ficado demonstrado com o Jorge Jesus, que continuou como se nada fosse (com ele). O rapaz jeitoso começou a ficar comichoso com a situação e mandou o Jovane Cabral aquecer. Bastou o aquecimento para a equipa começar a jogar melhor e, nos últimos quinze minutos, estivemos o tempo todo no meio-campo do adversário. 

No intervalo, o Diaby continuou perdido na tradução e entrou, para a segunda parte, o Jovane Cabral, que jogou encostado mais à linha esquerda, deslocando-se o Nani para o centro e continuando o Acuña do lado direito a massacrar o rabo enorme com duas pernas. Com uma calma olímpica e sem ataques de ansiedade no banco, continuámos a controlar o jogo e a empurrar o adversário para trás. O Bas Dost fez uma assistência para o Nani falhar num remate à meia-volta. Cheirava a golo. O Lumor, o Jovane Cabral e o Nani tabelaram no lado esquerdo até meterem a bola para o Bas Dost a encostar. O rabo enorme com duas pernas embrulhou-se com ele e fez “penalty”. O Bas Dost fez a paradinha e o guarda-redes também, acabando por ficar parado a ver a bola entrar. 

Logo a seguir, o Jovane Cabral enfiou uma bojarda de fora da área para grande defesa do guarda-redes. Voltava a cheirar a golo. O Lumor e o Jovane Cabral voltaram a combinar do lado esquerdo até sair um centro tenso ao segundo poste que passou por cima do rabo enorme com duas pernas e encontrou a cabeça do Acuña que a meteu lá dentro depois de um salto encarpado. Entretanto, o Santa Clara foi metendo uns calmeirões e desatou aos chutões para a frente a toda a sela. Os primeiros, foram mal calibrados, acabando nas mãos do Renan Ribeiro. Acertada a mira, as bolas começaram a ficar ensarilhadas à entrada da área com a defesa e o meio-campo cada vez mais recuados e acagaçados e quase a permitirem o empate num remate de fora da área. 

Continuamos a dois pontos da liderança e a não arranjar treinador. Ter ou não ter, eis a questão. Às vezes ter é o mesmo do que não ter e não ter chega a ser melhor do que ter. Não preocupa nada não ter, o que preocupava é quando tínhamos. Aliás, a preocupação dos benfiquistas é idêntica: têm e gostavam de não ter também. Têm uma boa pessoa com um excelente rácio nas competições europeias, como nós tínhamos. Como nós, preferem um treinador.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Gone with the wind

As coisas são como são e acontecem porque têm de acontecer. Nem o Clark Gable, nem a Vivien Leigh conseguiram fugir às suas circunstâncias. O Peseiro não conseguiu fugir às suas circunstâncias sendo que a principal é ele próprio, com as suas idiossincrasias. O jogo de ontem, contra o Estoril, é o Peseiro, nem mais, nem menos. A equipa do Peseiro 1.0 era irregular, tanto jogava bem como mal, tanto ganhava e goleava como perdia com qualquer equipa de pernetas. Mas era uma equipa de ataque. O objetivo era sempre marcar pelo menos mais um do que o adversário. O resultado final foi o “quase”, que nos marcou e a ele também. 

O Peseiro 2.0 é o do passado mas mais hesitante ainda, resultante desse passado: quer atacar como no passado mas quer manter a segurança defensiva para não cometer os erros do passado. O duplo pivô é filho do passado do passado. É a tentativa de construir a quadratura do círculo: o Peseiro do passado acrescido da experiência passada do Peseiro. O resultado nem é uma coisa nem outra. O Sporting ataca pouco e mal e continua desprotegido atrás quando perde a bola. O duplo pivô resulta da falta de convicção e da hesitação sobre o modelo de jogo. Não é uma tática, é a falta dela, é um fetiche, para que ninguém diga que o Peseiro 2.0 não aprendeu com o Peseiro 1.0. 

O jogo de ontem, contra o Estoril, tornou claro, para quem não queria ver, os equívocos e as hesitações do Peseiro 2.0. Para azar, o Sporting fez um a zero muito cedo, fruto de uma boa pressão do Bas Dost e da sagacidade do Wendel na compreensão do lance e na interpretação em conformidade. A ganhar por um a zero, a equipa ficou sem guião. Era para atacar ou para defender? Era para controlar o jogo e isso era exatamente o quê? Deixar passar o tempo? O Sporting foi sempre uma equipa perdida, sem objetivos. Atacava sem convicção e, quando perdia a bola, continuava descompensada atrás. Que sentido tem jogar com o duplo pivô (sobretudo tão estático, dado que nem Petrovic nem Gudelj se chegam à frente por uma vez que seja), quando na construção de jogo são tanto jogadores que se atrapalham e quando se perde a bola não se consegue parar um contra-ataque? Existe uma terra sem dono entre o ataque e a defesa que, com tantos jogadores na intermediária, ninguém consegue ocupar. 

Se a equipa estava praticamente sem guião, com menos guião ficou com a dupla substituição aos sessenta minutos. A indicação do treinador para equipa que estava em campo foi inequívoca: este é um jogo-treino! Só num jogo-treino é que se fazem substituições aos pares porque não há limites para elas. A dupla substituição só faz sentido num jogo a sério quando se pretende mudar radicalmente o jogo e dar uma sacudidela na equipa. Ainda se percebe a substituição do Bas Dost pelo Montero, na perspetiva da gestão do esforço. O que não se percebe é a substituição do Jéfferson pelo Lumor. O Jéfferson nem sequer devia ter entrado. Entrou porque o Peseiro não consegue ver o que qualquer mortal vê há muito tempo. Não sabemos se o Lumor é bom, mas sabemos seguramente que nunca será pior do que o Jéfferson, porque pior do que o Jéfferson não há. A substituição foi para queimar o Jéfferson? Só pode ter sido, mas diz mais de quem o mete a jogar do que do próprio jogador. 

Com a lesão do Wendel e a (necessária) entrada do Bruno Fernandes, o Sporting ficou sem plano B para qualquer eventualidade. Como de costume, o Bruno Fernandes, sem o Nani em campo para parar o jogo e obrigar os colegas a organizarem-se, passou a andar a correr para trás e para a frente, até ficar com um torcicolo de tanto olhar para a bola que lhe passava por cima. E o pior aconteceu. O André Pinto teve um daqueles dias que não se deve sair de casa e, num ápice, ficámos a perder por dois a um e sem plano B que se vislumbrasse. O plano B que se arranjou foi avançar um central para ponta-de-lança e apostar no chuveirinho. Mas até nesta contingência se viu a incompetência do treinador. Avançou o central mais baixo e mais rápido e ficaram atrás os mais altos e lentos, não se ganhando uma bola de cabeça na frente e expondo a equipa a novos contra-ataques e a sofrer mais golos. 

Se o Peseiro tivesse brio profissional, viria assumir os seus erros, insuficiências e responsabilidades. Nada disso aconteceu. Procurou transformar a anormalidade em normalidade, no novo normal. Não se demitiu como devia. Mas o Peseiro há muito que não vive da profissão de treinador. Vive de créditos passados (que se desconhecem), da condescendência como são tratados pela imprensa e opinião pública certos treinadores e do ciclo contratação-despedimento-indemnização que se renova todas as épocas por razões que a razão desconhece. Não se deve voltar onde se foi feliz e ainda menos onde se foi infeliz, esta é a lição para o Peseiro. “Loucura é continuar a fazer a mesma coisa e esperar resultados diferentes” (Einstein), seria a lição para o Sousa Cintra e a Comissão de Gestão, mas (felizmente para eles), não estão na direção do Sporting para a aprender. Por agora, temos o Tiririca do filho do Manuel Fernandes: pior não fica, restando-nos esperar que novos tempos virão (ou “vão vir”, como diria o Paulo Futre).