segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Afasta de mim essa taça

 

José Mourinho decidiu recorrer, numa recente conferência de imprensa (segundo alguns especialistas em analisar conferências de imprensa) que antecedia o jogo em Chaves, aos seus famosos mind games. Como tenho legítimas espectativas em a ser um spin doctor, fui ver. Os jogos mentais, afinal, resumiam-se à famosa cortina de fumo (afastando o foco do seu jogo), tentando, ao mesmo tempo, a manobra de Heimlich das conferências de imprensa, que consiste em apertar o gargalo aos árbitros, permitindo-os respirar por uma palhinha: o respeito que têm pela arbitragem. Nada de novo, pensei: isto fazia-se na minha terra quando era pequeno, e ainda se faz mais ou menos em todas as terras pequenas e não só: falar à boca grande, lançar iscos, armadilhar a opinião pública do bairro, se possível, atear uns fogachos, aqui e ali.

Quando assistia, placidamente, ao segundo golo do Paços de Ferreira, um golo que deveria ser devidamente emoldurado em vídeo e mostrado aos jogadores do Sporting durante o resto da temporada, em sessão dupla, lembrei-me, não sei porquê, da conferência de imprensa de Mourinho. Mourinho nem sequer era treinador do Benfica no último jogo da taça; ainda recentemente foi seu adversário e, caso tivesse ganho a eliminatória, talvez ainda passeasse o seu talento no grandioso campeonato turco.  O seu discurso não me impressionara, mas fizera alguma mossa no cocuruto do treinador do Sporting. Em primeiro lugar porque lhe respondeu. Em segundo, porque respondeu mal.

Se queria responder, teria de se lembrar da sua Mirandela local e das coscuvilhices que certamente viveu. Aprende-se muito. Se queria responder, poderia ter convidado o seu homólogo a visitar o museu do Sporting, e assim poder ver ao vivo a taça de que tanto gosta de falar. Ou, poderia ter sugerido uma visita ao museu do Benfica para ver a taça Lucílio Baptista, para não ser demasiado exaustivo. Ou, poderia não ter respondido, concentrando-se na equipa do Sporting. Dessa forma, talvez os jogadores percebessem a importância do (seu) jogo, e as dificuldades que certamente o Paços iria causar.

Voltando ao segundo golo do Paços e ao seu vídeo emoldurado, poderíamos acrescentar que este permite-nos ter uma imagem global de um jogo abordado de forma descontraída, sempre à espera que a nossa senhora das dores (ou o espírito de Gyökeres) resolvessem. Ficamos a saber que a voz de Mourinho chega ao céu (e a alguns árbitros) e que o espírito de Gyökeres não chega para tudo. Valeu-nos o Sr. Ferreira em pleno prolongamento das nossas dores.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Lucy in the sky with diamonds

 

Foi uma semana interessante do ponto de vista sociológico/futebolístico: uma semana champions. Começamos com cerca de 40 minutos em modo liga portuguesa com o Estoril e ganhamos o jogo, com um certo enfado, diga-se. Depois entramos, como diz um amigo meu, em modo Champignons League. Os champignons são para quem conhece e os sabe procurar. Alguns são venenosos e outros não se podem ingerir em demasia; outros ainda originam alucinações e transvios de personalidade.

O modo champignons causará outras maleitas? Visão turva? Obstipação neuronal? Não sabemos. Estudos recentes revelam que a credulidade da persona sofre transgressões incapacitantes, mas com trejeitos de verdadeira fé, ou apenas falta de visão. Com o Nápoles, o fantasma de Maradona pairava, como um manto (verde? – lá iremos). Se calhar na champignons erramos mais e forçam-nos a errar mais, ao mesmo tempo que falham menos. É atroz: o fantasma de Viktor Gyökeres; a alucinação Amorim.

Os efeitos irradiam, é sabido, como espectros. É difícil voltar ao modo liga portuguesa, arroz com tomate e panadinhos. Vinho a acompanhar. A cabeça pesada. Jogar contra uma equipa que tinha ganho ao Celtic no Celtic Park. Celtic que nos tinha ganho na pré-época. Champignons ou papas de sarrabulho com rojões e vinho verde? A cabeça pesada. A agonia. O minuto noventa e sete...

Nota: o modo champignons lucy in the sky with diamonds terá chegado ao presidente do Sporting: se na semana anterior respondera (e bem) a um seu par (presidente de um rival após mais um comunicado), nesta semana o desvario arremessou um improviso (ou será quimera?) onde se listavam (supostamente?) as cores clubísticas dos dirigentes da FPF e Liga: ora verde, ora vermelho, ora azul. Dos outros não rezará a história, pelos vistos. Ou alucinamos?  

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

E no fim ganhou o Gyökeres!

Tenho andado arredio desta convivência. Hoje deu-me para isto, para regressar ao passado e voltar a [arrotar, salvo seja] mais uma posta [de pescada] futebolística. A Liga dos Campeões constitui um excelente pretexto. É uma competição tão, mas tão disputada, tão renhida como um Carlos Moedas contra a Alexandra Leitão ou um Manuel Pizarro contra o Pedro Duarte. O jogo do [nosso] Sporting contra o Nápoles foi uma disputa tão boa como vêm sendo qualquer uma destas, mas sem direito a sondagens.

Começo com um ou duas notas para nos entendermos. Há equipas que perdem porque os adversários lhe marcam golos e há equipas que perdem porque se autoderrotam. As primeiras são vulgares enquanto as segundas preservam a honra, a dignidade. Não há maior consciência da honra, da dignidade perdida como no “haraquíri”. 

Dir-me-ão, “Mas ó Rui, a autoderrota, o “haraquíri” revela carácter e o carácter ou se tem ou não se tem. Quanto contratamos um Suarez ou um Ioannidis como é que podemos saber se ele tem o carácter para, perante a derrota eminente, se esventrar e pôr as vísceras à mostra [de todos]?”. [Admitir que alguém possa estar a falar comigo e a fazer-me perguntas como esta talvez não faça de mim aquilo que sempre pensei que fosse]. A resposta é simples: pelo preço. 

Um jogador caro, muito caro é um jogador com mais carácter do que um jogador mais barato. Não, amigos sportinguistas, nós somos uns unhas de fome e não, não contratamos jogadores com esse nível, essa categoria. Ter um treinador caro, muito caro, que ganha num mês o que se esperava que ganhasse em dois ou três anos, também ajuda a melhorar o carácter. Não, não vamos lá com a malta da indústria da charcutaria, mais ou menos tradicional, e a contratação ao desbarato de jogadores com penteados dos anos sessenta e setenta.

Continuando nesta linha mais epistemológica, no mundo das ideias. A afirmação de que o Gyökeres só há um o do Sporting e mais nenhum pode ser falsa. Não, é do Arsenal, sei bem. Não é isso. O que o jogo contra o Nápoles revelou é que Gyökeres é um conceito, é um jogador nórdico, alto, loiro, que corre como se não houvesse amanhã. O Ramus Hojlund [dão-se alvíssaras a quem me ensinar a enfiar uma seta pelo ó adentro] não é o Gyökeres, mas é um Gyökeres, percebem? É assim tão difícil o Rúben Amorim perceber isto? Pelos vistos, é. 

Estou farto desta posta [de pescada]. O jogo concluiu-se a contento de ambas as partes. Cheguei a temer o pior quando o Maxi Araújo infernizou tanto, mas tanto o Politano que ele não resistiu a enfiar-lhe uma canelada e assim empatámos o jogo [de “penalty”]. Comecei a imaginar o Varandas a gaguejar à frente do Marlon Brando enquanto este afagava o pescoço de uma gata siamesa, a imaginar o Rui Borges a acordar com uma cabeça de cavalo na cama, a imaginar a equipa a dançar a Tarantela em pontas como o Ballet Bolshoi. Mas, bem, no fim, ganhou um Gyökeres, ganhou o conceito que demorámos dois anos a criar.