segunda-feira, 27 de maio de 2019

Nós somos o Sporting ou uma outra forma de sentir que o amor é…

(http://anortedealvalade.blogspot.com)
Fim-de-semana passado na Lousã para a festa do sexagésimo aniversário do meu amigo João. Chego a pouco mais de um quarto de hora do início do jogo. Paro o carro no centro e procuro o café com a televisão maior. Fico no Café Beirão. Peço um fino ou uma imperial, conforme a latitude, e procuro perceber o entorno. Há-os para todas as idades e todos os géneros: novos e muito novos, velhos e muito velhos, mulheres e homens, raparigas e rapazes. Mas há uma só cor: a verde. Estava em casa!

As equipas entram perfiladas em campo. O Bruno Fernandes vem acompanhado dos esperados três Reis Vagos: Bruno Gaspar, Gudelj e Diaby. A cara do árbitro não me é estranha. Associo-a a um ex-membro da Juve Leo. Mas não pode ser possível, não é possível com toda a certeza. Nunca um membro das nossas claques arbitrou qualquer jogo dos nossos e não lembraria a ninguém colocar um membro de claque a arbitrar um jogo da sua equipa. Olhando com mais atenção, verifico que se trata do árbitro que dá ralhetes aos miúdos do Sporting. Um árbitro disciplinador e isento, portanto. 

O Sporting não começa mal, passando os primeiros minutos a pressionar o Porto. O Mathieu esquece-se por momentos do principal ponto forte do Marega, o ressalto com a canela, e permite-lhe um passe para o Bruno Gaspar que é meio-golo, valendo-nos o Renan Ribeiro. Responde o Bruno Fernandes com um remate de fora da área para aquecer as mãos do guarda-redes. Entretanto, o Diaby entorta o Filipe, safando o Pepe quando o Luiz Phellype aparecia para empurrar a bola. O Diaby não desarma e vai à linha centrar atrasado para o Bruno Fernandes, de primeira, acertar nas orelhas da bola. Na sequência de um livre e de um ressalto para a entrada da área, o Raphinha parece fazer melhor mas a bola passa rente ao poste. 

Mas a pressão do Sporting não pode durar sempre e o jogo comprido do Porto permite-lhe sair sem sobressaltos para o ataque. O jogo equilibra-se e, pouco a pouco, o campo inclina-se. O fiscal de linha passou a levar muito a sério a possibilidade de deixar de assinalar foras-de-jogo e a nossa defesa teve de recuar para evitar que os avançados do Porto começassem os ataques com um metro de avanço. O Marega, acampado na área, marca um golo e foi necessário recorrer ao VAR para verificar que, depois da barraca, tinha instalado também o “barbecue” antes de rematar. Nova investida, bola a sobrar para o Herrera que a domina com o braço e centra para o Soares cabecear para o primeiro golo. Os jogadores do Porto aproveitam para fazer uma sentida homenagem ao Casilllas, à qual se associam o árbitro, o VAR e os comentadores da RTP. Foi um momento bonito, embora se recomende que uma homenagem justa como esta possa ser efetuada no Estádio do Dragão num jogo particular. A equipa do Sporting pode participar na mesma, mas quem se desloca ao estádio ou assiste pela televisão sabe que o jogo não passa de um pretexto. 

O Sporting responde de imediato iniciando-se a jogada pelo improvável Gudelj, que se desloca lateralmente com a bola a passo de caracol até ficar encurralado junto à linha e sofrer uma entrada a pé juntos do Militão. A bola sobra para o Acuña que avança, levanta a cabeça e a coloca à entrada da área onde se encontra o Bruno Fernandes para a receber e rematar, fazendo o golo do empate. Quando esperávamos o correspondente amarelo ao Militão, acabámos, afinal, por ficar à espera que o árbitro consultasse o VAR durante longos minutos como se o golo do Sporting e do Porto se equivalessem e, na dúvida, tivesse apitado coerentemente. O tempo de espera foi tão longo que os comentadores da RTP foram preparando o melhor ou o pior, conforme as perspetivas, embrulhando um fora-de-jogo posicional do Raphinha na difícil deliberação e decisão do árbitro. Fomos para o intervalo a empatar em golos, mas a perder por dois amarelos a zero. O árbitro ralhou aos jogadores do Porto e mostrou amarelos aos nossos, o que se agradece, porque não há nada de mais constrangedor e humilhante do que umas reprimendas em público e com a família e os amigos a escutá-las. 

Com o decorrer do jogo, o campo transformou-se numa pastagem. Os do Porto, com mais cabedal e força nas canetas, adaptaram-se melhor. O “pack” avançado progredia em “rucks” sucessivos que muito dificilmente o Mathieu e o Coates conseguiam parar. Com introdução da bola de um lado ou do outro, as “touches” e as “melés” eram dominadas por eles. O árbitro também adotou as regras do “rugby”, tendo acabado os noventa minutos sem um único amarelo para a equipa adversária. A nossa sorte foi os do Porto levarem tão a sério esta modalidade que nem por um momento admitiram a possibilidade de ganhar o jogo enfiando a bola na baliza. O Marcel Keizer ainda tentou mudar o jogo. Para permitir que o Acuña esticasse o jogo na esquerda, ensaiou a defesa a três, com a entrada do Ilori e a saída do Bruno Gaspar. Esta tática permite que o Gudelj jogue mais à frente e, com ele, o meio campo no seu conjunto também se adiante. No entanto, sem o Borja e, sobretudo, o Ristovski a equipa não se reequilibra tão bem quando perde a bola, não permitindo que o Raphinha e o Acuña se adiantem tanto. Continuando o meio campo sem dar conta do recado, meteu o Bas Dost e tirou o Diaby para procurar jogar mais comprido e dispor de outro matulão para defender as bolas paradas do Porto. Sobrevivemos na segunda parte, apesar dos comentadores da RTP nos irem fazendo o funeral, sentindo que estava num “pub” em Glasgow a ver jogar o Celtic contra o Porto. 

Na transição para o prolongamento, pedi mais uma cerveja e percebi que lhes tinha perdido a conta. O jogo reinicia-se e os do Sporting ganham nova alma. O Acuña avança e, ao ver o trapalhão do Felipe à entrada da área, faz-lhe tabelar a bola na coxa para a desviar de forma a permitir a entrada silenciosa do Bas Dost ao segundo poste que a mete na baliza. Infelizmente, o Sérgio Conceição percebe que talvez não seja má ideia deixar o Brahimi organizar o jogo. O cerco aperta-se. O coração é quem mais ordena e o coração do Mathieu e do Coates parecem do tamanho do mundo. O Wendell soçobra como antes tinha soçobrado o Gudelj. Entra o Jéfferson para jogar a médio à frente do Doumbia. Ninguém consegue estar sentado no Café Beirão. Venho uma e outra vez cá fora respirar e fumar mais um cigarro. Veterano destas andanças, sei que estes jogos nunca acabam com normalidade. Desejava e não desejava o golo do Porto. Não o desejava por razões óbvias. Desejava-o para acabar com aquele sofrimento, porque sabia o que acabaria por acontecer, com a frustração de termos estado a um pelinho da vitória. 

Os “penalties” iniciam-se connosco na mó de baixo, emocionalmente e no resultado, quando o Bas Dost falha o primeiro. Estamos prestes a ser engolidos pelo fundo do poço onde nos metemos, mas o Bruno Fernandes, de raiva, mantém-nos suspensos. O Pepe tenta repetir o mesmo remate por alto do Danilo e acerta na barra. O Mathieu marca com a frieza habitual e reinicia-se o “turnover” emocional. Não há sportinguista que não acredite que o Renan Ribeiro não defenda pelo menos uma. Mas os do Porto encontram-se mais bem preparados do que na final da Taça da Liga. Quando o Coates avança para a marcação do último “penalty”, esboça-se um sorriso irónico de resignação na cara dos sportinguistas que se veem na transmissão televisiva. Mas o Coates não repete a bojarda do costume e coloca com precisão e técnica a bola no lado esquerdo do guarda-redes, que entretanto se lança para o lado contrário. Passa-se definitivamente ao mata-mata. O jogador do Porto avança rapidamente e ao aproximar-se da bola tenta desacelerar para olhar uma última vez para o Renan Ribeiro que mantém a sua dança e só a desfaz quando o remate sai para o seu lado mais forte (finalmente!), estirando-se para defender com a ponta dos dedos. Acreditei no Luiz Phellype como se nunca tivesse feito outra coisa na vida que não fosse vê-lo a marcar “penalties” e ele comportou-se como um veterano dos grandes momentos. 

Retenho imagens parcelares e confusas do que se passou a seguir. Não sei se foi das cervejas ou da alegria. A empregada desatou a dançar com uma criança. Um velhote, com ar muito doente, levanta-se de um salto. Abraço o meu colega do lado e com ele e os restantes sportinguistas do Café Beirão cantamos “O mundo sabe que”. Ouvem-se foguetes e carros a apitar. Recebo e mando mensagens. A minha irmã diz-me que o meu sobrinho viu pela primeira vez o Sporting ganhar (espero que tenha vestido a camisola que lhe ofereci). Há uma e uma só razão para haver este ou aquele jogador, este ou aquele treinador, este ou aquele presidente: nós, os da Lousã, os do Jamor, os de qualquer canto do país ou do mundo. Nós somos o Sporting! Isto ou, como diria o Miguel Esteves Cardoso, “O Amor é Fodido”.

18 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Caro Aboím Serôdio,

      Tem toda a razão. A minha filha, que vive fora do país, estava na dúvida se via o jogo mas depois de uma ameaça de insolvência, lá tece de ser. Está corrigido e bem corrigido.

      Um abraço e obrigado

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  2. É mesmo "O amor é fodido"!...principalmente o amor pelo Sporting!! Parabéns!
    Sou praticante de caminhadas gosto muito da serra da Lousã ,que visito com frequência. Café Beirão não vou esquecer SL

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    1. Caro Zé Baleiras,

      Obrigado. Não se percebe este sofrimento de quem tem idade para ter juízo. O Café Beirão fica na minha memória para sempre. O futebol proporciona-nos momentos inesquecíveis.

      SL

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    2. Por outro lado é esse raio dessa inesquecibilidade (inventei uma...) que nos lixa ... é que só a cerveja e caracóis raramente trazem dissabores. E um tremocito ou outro, vá.
      Na cerveja não há batota.

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  3. Caro Rui Monteiro,

    Não tem por que agradecer! Se a sua filha for sportinguista também e se estiver a ver o Golo RTP deverá estar tão enojada quanto eu! A melhor e única maneira de me justificar é convidá-lo a assistir a esse programa de propaganda que, suponho, é acessível no vosso cantinho- que já foi meu- via RTP Play a partir de amanhã! Depois duma final de Taça só se fala do Benfica! Arre que é demais.
    Um abraço do tamanho do Mundo (como diz o Paulo Sérgio)

    SL

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    1. Continuo a escrever do smartphone e, por essa ou por outra razão qualquer, esqueci-me de referir um lance importante do tal jogo. Revi hoje umas 4 vezes o "ombro" do Herrera. Sei que o homem se submeteu a uma cirurgia plástica mas não creio que a medicina tenha chegado a tamanho avanço! Se o super-dragão não foi rever é porque tinha visto bem logo à primeira.

      Mais algumas SL

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    2. Caro Aboím Serôdio,

      O que irrita mais ainda são os comentários da RTP. A forma definitiva como disseram que não foi com o braço quando a imagem não permitia tirar qualquer conclusão. Não seria melhor, pelo menos, estarem calados? A malta agradece.

      SL

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  4. Excelente crónica mais uma. O jogo foi mesmo isto. Emoção a rodos mas vimos uma equipa guerreira com um unico resultado no Horizonte: ganhar.
    Como se costuma dizer, virou-se uma pagina, o Sporting dos 5 violinos, do Morais do Cantinho, de Yazalde e tantos outros esta de volta, a casa começa a ficar organizada, teremos todas as possibilidades de ganhar a próxima Liga. A PAZ na família Sportinguista esta de volta.
    SL

    joão Balaia

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    1. Caro João,

      As boas finais são assim: emocionantes e no fim ganha-se. Foi mais a capacidade de sofrimento e a lucidez de um ou outro jogador, como o Mathieu, que nos levou a esta vitória. O Sérgio Conceição também ajudou.

      Não estou tão esperançoso na vitória no próximo ano. Há condições para melhorar, do ponto de vista organizativo e da estabilidade dirigente e do treinador. Agora, a equipa do Sporting tem de melhorar muito. Isso e ter um campeonato em que as regras sejam iguais para todos.

      SL

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  5. Excelente texto. Fez-me reviver tudo aquilo. Parabéns!!!

    F.

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    1. Obrigado. Escrever este texto também foi uma forma de reviver esses momentos. O futebol proporciona-nos momentos incríveis no locais e contextos mais improváveis.

      SL

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  6. Uma excelente crónica Rui Monteiro. Felizmente, existem "café Beirão" nos mais inóspitos recantos deste nosso Portugal. Por isso, também, é tão grande o nosso Sporting. Da rtp, não espero nada de bom, e pago, infelizmente.
    J. Oliveira. SL

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    1. Caro J. Oliveira,

      A nossa força é essa: estamos em todo o lado nos cantos mais improváveis. Quando os árbitros não respeitam a equipa do Sporting não respeitam os mais e menos velhos ou novos que estavam no Café Beirão. Esses merecem respeito, o respeito que faltou à RTP também.

      SL

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    1. Meu caro,

      Diria mais: Grande Final! Somos grandes. Não porque ganhámos. Não porque somos melhores. Mas porque somos muitos e estamos em todo o lado.

      SL

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