quarta-feira, 26 de junho de 2019

O Ministério da Verdade

Para compreender as histórias e narrativas que nos rodeiam e não enlouquecer, é sempre bom regressar um e outra vez ao George Orwell e ao seu 1984. O personagem trabalha na permanente reescrita da história. Se o Ministério da Riqueza estima a produção de 145 milhões de pares de botas e só se produzem 62 milhões, é necessário reduzir a estimativa inicial para 57 milhões para que a habitual narrativa da superação dos objetivos possa continuar. Esta reescrita pressupõe uma reedição do jornal oficial, sendo retirados e destruídos os exemplares da edição inicial. Em nome da verdade, essa reescrita distancia a verdade, estando tão próximos dela os 57, os 62 ou os 145 milhões. No papel, produzem-se milhões e milhões de pares de botas apesar da população continuar descalça. 

A história produz naturalmente os seus mitos, reais e, sobretudo, imaginários. Anunciou-se que foi atribuída uma ordem de mérito a um camarada do partido que, mais tarde, caíra em desgraça por razões que se desconhecem, que tanto pode ser corrupção, incompetência, popularidade ou heresia, embora a hipótese mais plausível tenha sido a necessidade da purga como mecanismo indispensável da governação. A reescrita pura e simples obriga a um trabalho insano, envolvendo reedições e destruição de edições anteriores e de arquivos. A forma mais simples de apagar a história acaba por ser a criação de um novo herói perecido em combate ao qual se exaltam a pureza e a coerência da sua vida, toda dedicada ao cumprimento do seu dever de derrotar o inimigo e perseguir os espiões e sabotadores, sendo abstémio, não fumador e celibatário. 

Na comunicação social, em geral, e na desportiva, em particular, o processo não é, hoje, muito diferente. Não sendo possível reeditar o passado e destruir as versões originais, constrói-se e reconstrói-se o presente e o futuro de forma a assegurar a sua coerência com esse passado.

Recentemente, o Benfica renovou com o Sálvio e o Jonas, prolongando os tempos de contrato e aumentando os salários diretos e indiretos (incluindo, eventuais prémios de assinatura e outros). Por uma razão ou por outra, estes jogadores pouco contam para o Bruno Lage e para a forma como pretende que jogue a sua equipa. Nada que não aconteça a todos. Muito recentemente, o Sporting dispensou o Nani e o Montero que eram dois dos principais ídolos dos adeptos. Mas no Benfica estas coisas não podem ser tão simples assim. Se assim fossem, ter-se-ia que admitir que as renovações não foram decisões adequadas. 

A reescrita da história pressupõe um sem número de personagens picarescas. A mãe do Sálvio que chora baba e ranho para que o seu filho represente o Boca Juniors e a mulher que se desnuda para despedida dos portugueses (com muita pena minha, esta afirmação é de ouvir dizer). O Sálvio afinal regressa porque quer acabar a sua carreira no Benfica, constituindo um reforço (?) como disse um comentador habitual. Noticia-se que o Jonas quer acabar a carreira porque lhe doem as costas, como se as costas não lhe doessem quando renovou o contrato e passou a ser o jogador mais bem pago. O Jonas não disse nada, mas juram-nos que está a chegar para nos comunicar essa sua decisão, preparando-se o clima emocional para a despedida dos benfiquistas. O Jonas, presciente do seu fim, liderou o balneário no apoio ao Bruno Lage e ao João Félix, abraçando o miúdo e incentivando-o a fazer mais e melhor. 

Ontem, ouvi estas histórias a um jornalista da TVI. O à vontade como as contava e o orgulho que manifestava por partilhar estas (in)confidências com os maiores da futebolândia nacional contrastam com a progressiva consciencialização do personagem do Orwell. Este totalitarismo tem efeitos. Tem efeitos nos adeptos das equipas adversários, que, por emulação, também gostavam de dispor de uma direção Big Brother que tudo controla e nunca se engana e raramente tem dúvidas. Mas os principais efeitos são nos adeptos do Benfica, como se comprova nos comentários aos nossos “post”. O ser humano é dado a histórias (com agá minúsculo), não sendo por acaso que o “marketing” recorre cada vez mais a elas para nos convencer e para nos identificarmos. As notícias como narrativas dispensam-nos de pensar pela própria cabeça e procurar outras narrativas que se contraponham à narrativa oficial. Winston, personagem do Orwell, não teve um final feliz, como terá, de uma forma ou de outra, o Jonas ou o Sálvio (ou como amanhã terão outros), porque “Big Brother was watching him”.

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Defendam-se do defeso


A memória é curta, mas não de peixe. Todos os anos é a mesma coisa, com a exceção do anterior, que ainda foi pior, tornando o defeso do Sporting num penálti à PanenKa convertido na própria baliza. Ali pelo final do campeonato, acolá pela final da taça, começam os anúncios (formais, informais, quase oficiais, oficiosos) de transferências, hipotéticas, encenadas, surreais, factuais, não tarda nada factuais, assim-assim, tudo bem embrulhado para a venda de jornais e programas televisivos que funcionam como verdadeiros centros de emprego para (a)gentes do futebol. Tudo somado: bola, como diria JJ.

Ainda a festa andava na rua e já se vislumbravam vendas e compras. No final da taça, ficaria tudo definido para Bruno Fernandes, no final da liga das nações, o mais tardar, antes de ir de férias, não faltava mais nada, depois das férias, o seu destino será obviamente conhecido. Do Félix, nem tanto, a coisa estava planeada para acontecer mesmo não acontecendo, ou acontecendo à priori de ter acontecido, uma transferência envolta naquele nevoeiro tão querido a D. Sebastião. Outras transferências vão acontecendo às pinguinhas, diariamente relatadas como se de golos se tratassem, dissecadas na sua inexistência cruel.

O defeso, assim chamado por desplante, dura um terço de um campeonato, estende-se, distende-se, alarga-se, e a procissão ainda nem chegou ao adro. Os Ingleses ainda nem sequer começaram as hostilidades e ninguém sabe bem como que linhas se coserá lá para Setembro. Slimani deixou-nos assim num final de Agosto. Até lá tudo é possível. Inclusivamente o Félix ir para o Atlético de Massamá. Não há nenhum? Bom, se há um real deve existir um atlético qualquer em Massamá.  

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Ele que se adapte!

Vi jogar o João Félix quatro vezes. Em Alvalade, para o campeonato, fez um bom jogo, mas o Benfica coletivamente foi-nos superior e o que nos surpreendeu não foi este ou aquele jogador em particular. Para a Taça de Portugal, na Luz, a exibição não foi tão bem conseguida e sobrou o que o foi caracterizando durante esta época: os tiques de vedeta e a forma desleal como procurava rebolar-se pelo campo ao mais pequeno toque. Em Alvalade, na segunda mão, não esteve bem, como a restantes equipa, tendo sido substituído pelo Jonas na fase decisiva do jogo. Mais recentemente, pela seleção, chegou ser penoso vê-lo jogar contra a Suíça. Pareceu-me um bom jogador, mas com muito para aprender e desenvolver, em termos táticos e físicos. 

Quando despontou o Renato Sanches, fiquei com idêntica impressão. Muita força, muita vontade, mas também muitas faltas e muitos lapsos táticos. O rapaz rapidamente se transformou no melhor do mundo e arredores e acabou por ser convocado para a seleção e contratado pelo Bayern de Munique. Passou as últimas três épocas sem “calçar”, como se costuma dizer. 

Enquanto tomava café no Flávio, li um artigo de um jornalista de “A Bola”. Afirmava que o Bruno Fernandes dispunha de condições para ser titular em qualquer uma das equipas que, aparentemente, o pretende contratar. Quanto ao João Félix, as dúvidas adensavam-se. Não estava em causa a superior capacidade do jogador e o seu valor de 120 milhões de euros. É tudo um problema de adaptação e, em particular, de adaptação ao Simeone que prefere homens de barba rija. Na sua cabeça, há bons que se adaptam e há bons que não se adaptam. Não lhe passou pela cabeça perguntar-se se o jogador é assim tão bom como o pintaram, porque razão é que não se irá adaptar? Não é condição para se ser tão bom assim a capacidade de se adaptar? 

Os que tecerem os mais rasgados elogios ao Renato Sanches continuam a dizer que se trata de um problema de adaptação a uma equipa e a um clube idiossincráticos. Com o João Félix começam a pôr as barbas de molho. O rapaz ainda não deu um pontapé na bola pelo Atlético de Madrid e já está com eventuais problemas de adaptação. Ainda estou para ver o dia em que um destes jornalistas admita que as suas afirmações sobre um qualquer jogador tenham sido manifestamente exageradas ou, pelo menos, não dispunha de elementos que lhe permitissem afirmar o que afirmou. Nunca se trata de um problema de rigor jornalístico ou de idolatraria. É sempre a adaptação, a malfadada adaptação.

terça-feira, 18 de junho de 2019

A economia política das transferências

Sempre procurei ensinar que as empresas como qualquer outro tipo de organização não têm se não um objetivo: satisfazer as necessidades atuais e potenciais dos seus clientes ou utentes. O lucro ou os resultados não são um fim em si mesmos, são uma pré-condição da existência e uma forma de medir a consecução desse objetivo maior. Não se sobrevive a acumular resultados líquidos negativos e quanto mais e melhor se satisfazem as necessidades mais lucrativas se tornam as atividades económicas. O que importa, sempre, é a função social de uma empresa ou de uma organização, isto é, o contributo para a sociedade no seu conjunto. Evidentemente, esta definição ou este entendimento não é meu, resultando de reflexão de Peter Drucker, que, aliás, passou uma parte importante da sua vida ao estudo das instituições sem fins lucrativos. 

Não me acompanha exclusivamente Peter Drucker. Citando o insuspeito economista Papa Bento XVI, na sua encíclica “Caridade na Verdade”, o lucro não é um fim em si mesmo. O lucro tem que ser legítimo e legitimado do ponto de vista social. Isto é, o lucro é um instrumento para o desenvolvimento, assumido numa perspetiva humanista como o desenvolvimento de todos e de cada um. Desse ponto de vista, devem existir múltiplos modelos jurídicos e económicos de empresas que permitam acabar com a separação, que cada vez tem menos sentido, entre as que visam o lucro e as que o não visam. Não se está a falar de terceiro sector. Está-se a constatar uma ampla e complexa realidade, que envolve o público e o privado e que não exclui o lucro, antes o considera como instrumento para realizar finalidades humanas e sociais.

Infelizmente, o Mundo não funciona assim. A transposição do axioma da maximização do lucro das empresas da síntese neoclássica para a realidade veio legitimar todas as práticas assentes no objetivo de criação de valor para os acionistas. Não nos espanta que as empresas comprem as suas próprias ações ou distribuam dividendos generosos pelos acionistas enquanto aumenta a sua alavancagem. O objetivo deixou de ser o que devia e passou a ser uma outra coisa qualquer. Se há lucro e acionistas bem remunerados pelo capital investido, o objetivo está cumprido e os meios pouco importam. 

Um clube de futebol serve para constituir equipas e disputar campeonatos, oferecendo aos seus sócios e adeptos espetáculos desportivos. Este é o seu objetivo e o que determina a função social que o legitima. Vender e comprar jogadores é instrumental, serve o propósito de constituir melhores e mais competitivas equipas que possam proporcionar melhores espetáculos e ganhar mais títulos. Hoje, vender e comprar jogadores transformou-se num fim em si mesmo. Os jogos e os títulos só servem para os valorizar. Os valores das transferências sobem ano após ano e o recorde de um ano serve o simples propósito de sinalizar este “mercado” quanto à referência a ultrapassar no ano seguinte. Existe, cada vez mais, uma desproporção entre estes valores e as expetativas de ganhos dos clubes de futebol na realização da sua função social. Constituiu-se um esquema de Ponzi que durará enquanto a circulação de dinheiro o permitir e não se inverterem as expetativas sobre o crescimento do valor dos jogadores. 

O fetichismo da mercadoria de Karl Marx assume novos contornos. A mercadoria, enquanto entidade, despareceu e o dinheiro transformou-se na própria mercadoria. O dinheiro deixou de ser uma forma de facilitar a troca. Não existe relação entre o dinheiro, a produção de mercadoria e a realização de dinheiro, num ciclo mais ou menos virtuoso que permite a sua autorreprodução. O dinheiro gera dinheiro e tão só. 

Os adeptos passaram a festejar transferências como quem festeja golos, vitórias e títulos. Continuando a armar-me em culto, o que nos diz Gilles Lipovetsky é que não são as marcas que procuram dar resposta às identidades, são as próprias pessoas que precisam das marcas para construírem as suas identidades, não as conseguindo construir por si próprias. A nossa marca, o nosso clube, somos nós, seja no que for. O nosso clube devia servir para nos identificar enquanto adepto ou sócio. Serve cada vez menos. Serve para nos dispensar de dispor de identidades em cada uma das nossas outras dimensões. Ser do Sporting, do Benfica ou do Porto, dispensa-nos de ser mais o que quer que seja. É a era do vazio.

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Como um discurso do 10 de junho

Foi pena a final da Liga das Nações não se realizar no dia seguinte – 10 de junho – o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Dificilmente se arranjaria um outro evento que melhor evidenciasse a psicossociologia de povo português, admitindo que exista uma e distintiva da dos restantes povos. A portugalidade exalta-se pelo labirinto, da saudade, nas palavras de Eduardo Lourenço, ou das pernas e jogadores em todo o campo, na tática do Fernando Santos. O império ou as vitórias europeias são sempre obtidas pela forma como se procura acertar no alvo sem nunca se dar a ideia que se tem esse propósito ou, sequer, propósito algum (não confundir com despropósito). 

A Holanda até entrou em campo disposta a jogar futebol, mas a forma embaralhada como o Fernando Santos dispôs os jogadores no meio-campo rapidamente os desanimou. Uma primeira leitura da disposição dos jogadores em campo poderia levar-nos a considerar que estávamos a jogar em 4x3x3. Mas como o Guedes, embora extremo, passou mais tempo de olho no Raphael Guerreiro, também permitia vislumbrar um 4x4x2. Como o Danilo parecia mais fixo no meio, em alguns momentos parecia estar-se em presença de um 4x1x3x2. Como o Bernardo Silva recuava, também se passava para o 4x1x4x1. Se nós, portugueses, habituados como estamos a ver jogar a seleção nacional, não conseguimos compreender o que vemos e acreditamos pela fé, não é possível para os secularizados holandeses darem conta de um recado que o seu espírito não entende. 

Não se pode afirmar que o Fernando Santos não tenha uma tática, não tem é uma estratégia. A tática é a de jogar em função da necessidade de anular os pontos fortes do adversário, que tanto podem ser individuais como coletivos. Os jogadores são dispostos em campo, uns em marcações individuais, para impedir o jogo de um ou outro dos melhores da equipa contrária, outros em marcações à zona, para ocuparem um determinado espaço relevante para o adversário e darem uma ajuda à defesa, em especial aos laterais. Esta teia gera ensarilhamento de jogadores, de pernas e de ressaltos que leva à desistência de qualquer espírito analítico. 

O ataque não é uma função organizativa autónoma. É o que sobra deste ensarilhamento. Por vezes, recupera-se a bola e não se a perde em seguida. É o momento de avançar. Avançar pressupõe um pontapé para a frente ou uma corrida de alguém como se não houvesse amanhã. Cada um está entregue a si próprio e tem de se desenrascar, aquilo que o português faz melhor. O desenrascanço confunde-se com o acaso mas não é. É uma filosofia de vida que o Fernando Santos mobiliza, mobilizando em todos e cada um dos jogadores aquilo que é da sua natureza e da natureza dos portugueses. 

O desenrascanço parece improviso mas também não é. É filho do desespero, da solução de último recurso. É correr porque não se tem a quem passar. É chutar quando não se tem outro remédio. E o golo nasce da forma como o Bernardo se desfez da bola para acudir ao chamamento da mãe para lanchar e da incapacidade do Guedes de estabelecer a relação espaço-tempo de Einstein adequada ao necessário passe para o Ronaldo, vendo-se na contingência de rematar à baliza e surpreendendo o defesa e o guarda-redes. De repente, o Cillessen tinha-se transformado no Vlachodimos e estava encontrada mais uma razão para se fazer uma reportagem sobre o Benfica. 

Ganhámos e, no futebol, ganhar aos outros é tudo: o melhor é o que vence. Na vida, temos de nos vencer, na ignorância, no preconceito, na falta de responsabilidade. Derrotarmo-nos no que temos de pior é vencer. Mas não nos vencemos porque existem eles, os outros, os que não nos deixam. Enquanto isso sempre nos podemos considerar os melhores enquanto o futebol nos permitir essa ilusão.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Liga das nações do futsal


Não quero parecer bruto para não ser expulso desta crónica, mas o futsal começa a ter alguns pormenores dignos do mais fino quilate do futebol de onze, talvez porque o Sporting vai no tricampeonato e é campeão europeu. Será? O jogo de ontem foi mais uma demonstração da religiosidade que impera no desporto, onde a devoção ao senhor padre nos recorda que devemos, devotamente, rezar.  Ou enviar uns e-mails.

O Fernandinho fez toda a escola da provocação (parece que com um estágio de final de curso nas antigas Antas), Robinho para lá caminha e Miguel Ângelo já demonstrou todo o potencial do seu murro como cortesia a Cardinal (um alegado Super-Dragão) no jogo anterior. Este mundo anda louco. Ontem, Dieguinho (este inho é do Sporting), foi expulso por supostamente agredir com a respiração Robinho, após este ter-lhe acariciado o corpo com a sua benesse habitual. Dieguinho foi para a rua. Robinho ficou para melhorar o seu potencial de se atirar para a piscina após amputação de um ou de dois membros a sangue frio. Para o ano estará no City, certamente.

Logo no início do jogo percebemos que um grupo de sócios e adeptos organizados do Benfica não estava, como é normal, apenas atrás de uma das balizas, ocupando uma das laterais imediatas. Resultado? Para além dos cânticos do costume, paragens sistemáticas (bem calculadas) do jogo através do lançamento de objectos (os comentadores diziam que eram cartolinas) para a quadra. Não interessa aqui a manufactura e a qualidade dos materiais mas a interrupção constante do jogo com o beneplácito dos senhores do apito, reconhecendo-se, porém, a envergadura artística de alguns desses objectos.

Após o jogo parece que alguns adeptos não organizados do Benfica seguiram a comitiva sportinguista do Sporting até Alvalade, provavelmente para os aplaudir pela sua grande prestação neste e nos jogos anteriores. Fica aqui a nossa saudação. E seguimos todos para ver o Félix partir tudo na televisão. Como é habitual, aliás. Obrigado.

sábado, 8 de junho de 2019

Propaganda


O século XIX foi o século dos jornais. Os jornais (entre outras plataformas – é assim que se diz agora) foram, e ainda são, uma oportunidade para o manejo da opinião pública. Nada disto é novo.

A semana passada, o Liverpool marcou um golo logo no primeiro minuto de grande penalidade. Ninguém teve dúvidas relativamente à bola cortada com o braço, um lance na esquina da grande área. Uma semana antes, Herrera tinha ajeitado a bola com o braço antes de servir condignamente Soares para o primeiro golo do Porto. À exceção de alguns jogadores do Sporting, ninguém viu o lance (ver ensaio sobre a cegueira de José Saramago). Comentadores televisivos incluídos. Diz que nem o Herrera sentiu a bola no braço, num caso de dormência ainda não devidamente estudado. O facto de o lance não ser na esquina da grande área deve ter feito toda a diferença.

Em sequência da recondução de Abel no banco do Braga, Salvador teve que dar uns retoques nas suas últimas afirmações sobre uma alegada péssima recta final de campeonato, entre outras péssimas rectas mais ou menos intermédias e algumas curvas mal engendradas. A culpa, obviamente, é do Sporting.

O jornal record de 02/06/19, num cantinho da capa cujo naming há muito foi adjudicado ao Benfica, mostrava um Salvador sentado numa poltrona com a legenda “Sporting foi beneficiado todo o ano”. A capa foi-me enviada por um amigo (supostamente) do Braga. Respondi: o silêncio sobre o Benfica e o Porto é esclarecedor. Ele enviou-me o PDF do jornal. Lá dentro, de facto, a poltrona falava de outros clubes mas o destaque (da poltrona e do Jornal) era sempre dado a um Sporting levado ao colo, não se sabe bem por quem, talvez por Mustafá e Carvalho. O jornal, tanto na chamada de capa como no título interior expunha a imagem da poltrona e de Salvador, mas as referências eram sempre direcionadas para o Sporting. Interessante, mas nada de novo.

Nada de novo, numa semana em que as capas dos jornais desportivos (e não só) anunciavam que a seleção nacional iria ser Félix no jogo contra a Suíça. Com feito, tivemos alguma Félixidade e, sobretudo, muito Ronaldo. Mas o que salta à vista desarmada foi a forma estruturada como quase todos os meios de comunicação anunciaram o advento Félix e a forma como este abana a cabeleira para não tapar as borbulhas. O que se passou depois, bem, isso pouco importa e o Rui conta-nos a história tim tim por tim tim, o importante é controlar a agenda mediática, controlando assim a opinião pública, o resto se não aconteceu podia ter acontecido. Ou aconteceu mesmo, mas nós não estávamos atentos.

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Um paralelogramo aos trambolhões no relvado

Ver um jogo da seleção nacional tem dois propósitos: tentar perceber o que se passa na cabeça do Fernando Santos e apreciar o Cristiano Ronaldo. Sem ser estimulante, o primeiro é especialmente divertido. O Fernando Santos como os que lhe precederam, tem o único objetivo de meter o Rossio na Betesga. Como é da praxe, convoca duas dezenas de jogadores e inicia-se o suplício de meter uns tantos a jogar sem beliscar egos ou colocar em causa os necessários equilíbrios entre clubes e potenciais valorizações dos futebolistas. 

Na defesa, quatro das cinco posições estão ocupadas por usucapião. Na lateral direita, existem quatro alternativas. O Cédric Soares defende melhor mas ataca pior. O Nelson Semedo, o João Cancelo e o Ricardo Pereira atacam melhor do que defende. Dos três, o Nelson Semedo é o que tem estado pior e, assim, não se estranhou que não defendesse nem atacasse, distinguindo-se pelo “penalty” que originou o empate. 

Os problemas começam do meio-campo para a frente. A necessidade de meter o João Félix transformou um “puzzle” de quinhentas peças que não encaixam num outro de mil que também não encaixam. O Cristiano Ronaldo tem de jogar, naturalmente. O Bernardo Silva também. É necessário meter sempre dois trincos nem que seja à martelada. Não podia deixar de fora o melhor jogador do campeonato e o único do Sporting ou seria um escândalo. Com estes jogadores não se engendra uma tática, na melhor das hipóteses faz-se um acordo de concertação social e espera-se que cada um deles fique contente. 

A tática era a do losango, foi o que nos explicaram. Um quadrado também é um losango com a particularidade dos ângulos serem todos retos. Foi com esta tática que derrotámos os espanhóis em Aljubarrota e não há razões para não recorremos a ela para bater outros exércitos. Com dois à frente e dois atrás, arranjava-se um quadrado. Mas a opção foi a de ter três atrás e um à frente. Para isso, era necessário que não estivessem em linha os três de trás e o da frente estivesse posicionado para que todos os lados fossem de igual comprimento. 

Não tivemos nada disto. Tivemos o Ruben Neves, o Bruno Fernandes e o William Carvalho cada com a sua parte do terreno, o primeiro no meio e os dois últimos dos lados direito e esquerdo, respetivamente. Cada um era responsável por essa área e fosse o que Deus quisesse. O Bernardo Silva jogava a pressionar a saída da bola dos adversários, abrindo-se uma cratera no meio e obrigando-o a andar a correr como um maluco para ocupar o espaço à frente e atrás ao mesmo tempo. O Cristiano Ronaldo e o João Félix, entretanto, comportavam-se como dois poltrões, nem condicionavam a zona central nem fechavam sequer uma linha de passe nas laterais. Com o caos instalado, cada um estava entregue a si próprio. Os mais maduros e experientes foram encontrando forma de se tornarem úteis, se não ajudando os seus colegas pelo menos estorvando os suíços. Nestas circunstâncias, chegou a ser penoso ver o João Félix. Dispondo ou não a equipa da bola, não se sabia posicionar, perdendo-se em campo. 

Mas ganhámos e isso é sempre tudo ou quase tudo A história repete-se uma e outra vez. Há quem acredite em milagres e com o Fernando Santos ainda mais. Mas não há milagre nenhum. Há o melhor jogador do mundo. Ele e só ele consegue transportar a equipa para patamares competitivos e de resultados persistentemente impensáveis. Não importa o treinador nem os colegas. Talvez por isto seja o melhor jogador do mundo, como o foi Maradona no seu tempo, isto é, pela capacidade de transportar a sua seleção para uma dimensão que, de outra forma, seria impensável pela valia coletiva e individual dos restantes jogadores e pelo engenho tático do treinador. Este seu desempenho coloca-o um pouco acima do Messi na história do futebol que ambos assumem e irão assumir ainda mais. Uma coisa é ser bom jogador numa equipa de bons jogadores. Outra bem diferente é ser um bom jogador e transformar uma equipa mediana numa das mais temíveis do seu tempo.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Dias (in)felizes

Primeiro um, depois outro e assim sucessivamente, até ao Cristiano Ronaldo, diferentes jogadores de diversos clubes decidiram juntar-se ao João Félix para formar uma equipa e jogar contra a Suíça. Não sabemos se o Fernando Santos se decidiu juntar também ao João Félix para treinar a equipa ou se é treinador para juntar os outros ao João Félix e constituir uma equipa. Como se a campanha não estivesse suficientemente enjoativa, hoje informam-nos ainda que o João Félix vai atacar a Suíça. A Suíça é um país e com uma história de neutralidade política e geoestratégica. Parece-me desagradável esta atitude beligerante relativamente a quem tem por hábito não se meter em desacatos, recorrendo-se a uma arma de destruição maciça como o João Félix, que chega e sobra para destruir um país inteiro. 

sexta-feira, 31 de maio de 2019

Respeitar e exigir respeito

Independentemente de outros méritos, um deverá ser reconhecido a Frederico Varandas durante o período que exerce funções de Presidente do Sporting: o sentido institucional. Ninguém viu nem ouviu o Frederico Varandas a insurgir-se desabridamente dos árbitros, da Federação ou da Liga. As (escassas) críticas foram dirigidas de forma contida e com recurso a linguagem adequada. O comportamento do Sérgio Conceição contrastou com o seu, como têm contrastado os dos mais diversos intervenientes no futebol nacional (no final da Taça de Portugal, ninguém teve dúvidas sobre o que se consideram comportamentos aceitáveis e inaceitáveis). Alguns consideram que se trata de sinal de fraqueza. Não consigo fazer essa avaliação: tanto pode ser uma sinal de fraqueza como um sinal de força. Não tenho dúvidas é que se trata de um sinal de responsabilidade e de educação. 

O que se espera é que a forma respeitosa como o Frederico Varandas, enquanto Presidente do Sporting, trata os outros seja recíproca. Ninguém é ingénuo para esperar que tudo pode e vai mudar. Os dirigentes são os de sempre e vão-se comportar como sempre. Na comunicação social, espera-se outro comportamento. Tem que se distinguir jornalismo de comentário futeboleiro. Não aprecio o segundo, mas sou capaz de entender as posições dos contendores: cada um é do seu clube e defende o seu clube, sendo essa a razão para participarem nesses programas. 

Jornalismo ou comentário especializado é coisa bem diferente. Custa-me ver na SIC um ex-árbitro que, em pleno Estádio de Alvalade, cometeu a indelicadeza de interromper o aquecimento do Rui Patrício para não se dar ao trabalho de passar por trás da baliza e, chamado à atenção, ainda se predispôs a andar à pancada com o treinador de guarda-redes. É um desrespeito pelo Sporting e sportinguistas tê-lo a comentar os nossos jogos. Os comentários e os relatos dos jogos do Sporting na SporTV também constituem uma falta de respeito, como venho analisando em sucessivas crónicas. Pela natureza pública da entidade, a situação agrava-se na RTP, sendo absolutamente desrespeitoso para o Sporting e sportinguistas o relato e os comentários da final da Taça de Portugal, repetindo-se o que tinha acontecido na final da Liga Europeia de hóquei em patins. 

Esta semana vi o programa do Rui Santos na SIC. Há anos que não o via. Nada mudou, a não ser o aparato tecnológico. Mantém-se o pseudomoralismo, continuando a considerar-se um arauto da verdade e exibindo um superioridade moral insuportável. Apelou à paz, sem explicar de que guerra se tratava, quem eram os beligerantes e não fazendo justiça ao Frederico Varandas e ao Sporting, excluindo-o e excluindo-nos desse apelo.. Enfim, um apelo sem qualquer substância. Comprou ou ofereceram-lhe uma geringonça e o homem tenta transformar a tecnologia em verdade, como se as escolhas dos lances a analisar não fossem dele e a equivalência entre juízos de facto e juízos de interpretação não fossem dele também.

Analisou o lance do Herrera no primeiro golo do Porto na final da Taça de Portugal e constatou o óbvio: houve um erro de facto. Meteu outros lances ao barulho, entre eles, o cartão amarelo mostrado ao Coates quando cortou um lançamento longo com a mão. Como recorreu à maquineta, parece que se trata de um erro de facto quando se está em presença de uma interpretação e ninguém no Mundo pode dizer com certeza onde é que a bola ia cair e a que distância e de que lado, esquerdo ou direito, do Soares, se a conseguiria dominar e as consequências de a dominar de uma forma ou de outra, se conseguiria ficar isolado e se, a mais de trinta metros da baliza e correndo com a bola, não seria intercetado pelo Mathieu correndo sem ela. Equivaleu, assim, um juízo de facto com um juízo de interpretação e assim uma mão lavou a outra. 

Não satisfeito, resolveu explicar a razão para o Sporting dispor dos jogadores a quem mais amarelos foram mostrados, tendo mais 58% e 48% do que os seus colegas do Porto e do Benfica, respetivamente. Quando se esperava que nos explicasse que os jogadores do Sporting jogam com regras diferentes dos do Porto e do Benfica, resolveu informar-nos que, nada disso, o que acontece é que têm inclinação para amarelos “escusados”. Que eram desnecessários, todos tínhamos percebido. Ainda não nos tinham explicado é que desnecessidade não resultava dos árbitros mas dos jogadores. De uma penada, os jogadores do Sporting foram tratados como rematados imbecis e, por arrasto, o Sporting, que os contratou, e os sócios e os adeptos, que os apoiam. 

Fui feliz na Lousã, onde vi a final da Taça de Portugal. Vi o jogo com sportinguistas, novos e velhos, mulheres e homens. Partilhei com eles a alegria como teria partilhado a tristeza se tivéssemos perdido. É-nos devido respeito. Não suporto a mentira, mas suporto ainda menos o “suggestio falsi”. Não somos estúpidos e não nos queiram fazer passar por estúpidos. O Frederico Varandas tem respeitado, dando-se assim ao respeito. Avaliá-lo-ei pelo respeito que tem pelos outros mas também pelo respeito que exigirá dos outros para consigo, para com o nosso clube e para connosco, adeptos e sócios, sobretudo daqueles que por deontologia profissional se têm de dar ao respeito mais do que quaisquer outros.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Nós somos o Sporting ou uma outra forma de sentir que o amor é…

(http://anortedealvalade.blogspot.com)
Fim-de-semana passado na Lousã para a festa do sexagésimo aniversário do meu amigo João. Chego a pouco mais de um quarto de hora do início do jogo. Paro o carro no centro e procuro o café com a televisão maior. Fico no Café Beirão. Peço um fino ou uma imperial, conforme a latitude, e procuro perceber o entorno. Há-os para todas as idades e todos os géneros: novos e muito novos, velhos e muito velhos, mulheres e homens, raparigas e rapazes. Mas há uma só cor: a verde. Estava em casa!

As equipas entram perfiladas em campo. O Bruno Fernandes vem acompanhado dos esperados três Reis Vagos: Bruno Gaspar, Gudelj e Diaby. A cara do árbitro não me é estranha. Associo-a a um ex-membro da Juve Leo. Mas não pode ser possível, não é possível com toda a certeza. Nunca um membro das nossas claques arbitrou qualquer jogo dos nossos e não lembraria a ninguém colocar um membro de claque a arbitrar um jogo da sua equipa. Olhando com mais atenção, verifico que se trata do árbitro que dá ralhetes aos miúdos do Sporting. Um árbitro disciplinador e isento, portanto. 

O Sporting não começa mal, passando os primeiros minutos a pressionar o Porto. O Mathieu esquece-se por momentos do principal ponto forte do Marega, o ressalto com a canela, e permite-lhe um passe para o Bruno Gaspar que é meio-golo, valendo-nos o Renan Ribeiro. Responde o Bruno Fernandes com um remate de fora da área para aquecer as mãos do guarda-redes. Entretanto, o Diaby entorta o Filipe, safando o Pepe quando o Luiz Phellype aparecia para empurrar a bola. O Diaby não desarma e vai à linha centrar atrasado para o Bruno Fernandes, de primeira, acertar nas orelhas da bola. Na sequência de um livre e de um ressalto para a entrada da área, o Raphinha parece fazer melhor mas a bola passa rente ao poste. 

Mas a pressão do Sporting não pode durar sempre e o jogo comprido do Porto permite-lhe sair sem sobressaltos para o ataque. O jogo equilibra-se e, pouco a pouco, o campo inclina-se. O fiscal de linha passou a levar muito a sério a possibilidade de deixar de assinalar foras-de-jogo e a nossa defesa teve de recuar para evitar que os avançados do Porto começassem os ataques com um metro de avanço. O Marega, acampado na área, marca um golo e foi necessário recorrer ao VAR para verificar que, depois da barraca, tinha instalado também o “barbecue” antes de rematar. Nova investida, bola a sobrar para o Herrera que a domina com o braço e centra para o Soares cabecear para o primeiro golo. Os jogadores do Porto aproveitam para fazer uma sentida homenagem ao Casilllas, à qual se associam o árbitro, o VAR e os comentadores da RTP. Foi um momento bonito, embora se recomende que uma homenagem justa como esta possa ser efetuada no Estádio do Dragão num jogo particular. A equipa do Sporting pode participar na mesma, mas quem se desloca ao estádio ou assiste pela televisão sabe que o jogo não passa de um pretexto. 

O Sporting responde de imediato iniciando-se a jogada pelo improvável Gudelj, que se desloca lateralmente com a bola a passo de caracol até ficar encurralado junto à linha e sofrer uma entrada a pé juntos do Militão. A bola sobra para o Acuña que avança, levanta a cabeça e a coloca à entrada da área onde se encontra o Bruno Fernandes para a receber e rematar, fazendo o golo do empate. Quando esperávamos o correspondente amarelo ao Militão, acabámos, afinal, por ficar à espera que o árbitro consultasse o VAR durante longos minutos como se o golo do Sporting e do Porto se equivalessem e, na dúvida, tivesse apitado coerentemente. O tempo de espera foi tão longo que os comentadores da RTP foram preparando o melhor ou o pior, conforme as perspetivas, embrulhando um fora-de-jogo posicional do Raphinha na difícil deliberação e decisão do árbitro. Fomos para o intervalo a empatar em golos, mas a perder por dois amarelos a zero. O árbitro ralhou aos jogadores do Porto e mostrou amarelos aos nossos, o que se agradece, porque não há nada de mais constrangedor e humilhante do que umas reprimendas em público e com a família e os amigos a escutá-las. 

Com o decorrer do jogo, o campo transformou-se numa pastagem. Os do Porto, com mais cabedal e força nas canetas, adaptaram-se melhor. O “pack” avançado progredia em “rucks” sucessivos que muito dificilmente o Mathieu e o Coates conseguiam parar. Com introdução da bola de um lado ou do outro, as “touches” e as “melés” eram dominadas por eles. O árbitro também adotou as regras do “rugby”, tendo acabado os noventa minutos sem um único amarelo para a equipa adversária. A nossa sorte foi os do Porto levarem tão a sério esta modalidade que nem por um momento admitiram a possibilidade de ganhar o jogo enfiando a bola na baliza. O Marcel Keizer ainda tentou mudar o jogo. Para permitir que o Acuña esticasse o jogo na esquerda, ensaiou a defesa a três, com a entrada do Ilori e a saída do Bruno Gaspar. Esta tática permite que o Gudelj jogue mais à frente e, com ele, o meio campo no seu conjunto também se adiante. No entanto, sem o Borja e, sobretudo, o Ristovski a equipa não se reequilibra tão bem quando perde a bola, não permitindo que o Raphinha e o Acuña se adiantem tanto. Continuando o meio campo sem dar conta do recado, meteu o Bas Dost e tirou o Diaby para procurar jogar mais comprido e dispor de outro matulão para defender as bolas paradas do Porto. Sobrevivemos na segunda parte, apesar dos comentadores da RTP nos irem fazendo o funeral, sentindo que estava num “pub” em Glasgow a ver jogar o Celtic contra o Porto. 

Na transição para o prolongamento, pedi mais uma cerveja e percebi que lhes tinha perdido a conta. O jogo reinicia-se e os do Sporting ganham nova alma. O Acuña avança e, ao ver o trapalhão do Felipe à entrada da área, faz-lhe tabelar a bola na coxa para a desviar de forma a permitir a entrada silenciosa do Bas Dost ao segundo poste que a mete na baliza. Infelizmente, o Sérgio Conceição percebe que talvez não seja má ideia deixar o Brahimi organizar o jogo. O cerco aperta-se. O coração é quem mais ordena e o coração do Mathieu e do Coates parecem do tamanho do mundo. O Wendell soçobra como antes tinha soçobrado o Gudelj. Entra o Jéfferson para jogar a médio à frente do Doumbia. Ninguém consegue estar sentado no Café Beirão. Venho uma e outra vez cá fora respirar e fumar mais um cigarro. Veterano destas andanças, sei que estes jogos nunca acabam com normalidade. Desejava e não desejava o golo do Porto. Não o desejava por razões óbvias. Desejava-o para acabar com aquele sofrimento, porque sabia o que acabaria por acontecer, com a frustração de termos estado a um pelinho da vitória. 

Os “penalties” iniciam-se connosco na mó de baixo, emocionalmente e no resultado, quando o Bas Dost falha o primeiro. Estamos prestes a ser engolidos pelo fundo do poço onde nos metemos, mas o Bruno Fernandes, de raiva, mantém-nos suspensos. O Pepe tenta repetir o mesmo remate por alto do Danilo e acerta na barra. O Mathieu marca com a frieza habitual e reinicia-se o “turnover” emocional. Não há sportinguista que não acredite que o Renan Ribeiro não defenda pelo menos uma. Mas os do Porto encontram-se mais bem preparados do que na final da Taça da Liga. Quando o Coates avança para a marcação do último “penalty”, esboça-se um sorriso irónico de resignação na cara dos sportinguistas que se veem na transmissão televisiva. Mas o Coates não repete a bojarda do costume e coloca com precisão e técnica a bola no lado esquerdo do guarda-redes, que entretanto se lança para o lado contrário. Passa-se definitivamente ao mata-mata. O jogador do Porto avança rapidamente e ao aproximar-se da bola tenta desacelerar para olhar uma última vez para o Renan Ribeiro que mantém a sua dança e só a desfaz quando o remate sai para o seu lado mais forte (finalmente!), estirando-se para defender com a ponta dos dedos. Acreditei no Luiz Phellype como se nunca tivesse feito outra coisa na vida que não fosse vê-lo a marcar “penalties” e ele comportou-se como um veterano dos grandes momentos. 

Retenho imagens parcelares e confusas do que se passou a seguir. Não sei se foi das cervejas ou da alegria. A empregada desatou a dançar com uma criança. Um velhote, com ar muito doente, levanta-se de um salto. Abraço o meu colega do lado e com ele e os restantes sportinguistas do Café Beirão cantamos “O mundo sabe que”. Ouvem-se foguetes e carros a apitar. Recebo e mando mensagens. A minha irmã diz-me que o meu sobrinho viu pela primeira vez o Sporting ganhar (espero que tenha vestido a camisola que lhe ofereci). Há uma e uma só razão para haver este ou aquele jogador, este ou aquele treinador, este ou aquele presidente: nós, os da Lousã, os do Jamor, os de qualquer canto do país ou do mundo. Nós somos o Sporting! Isto ou, como diria o Miguel Esteves Cardoso, “O Amor é Fodido”.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

A justiça do campeão: estatísticas e recordes

Na passada sexta-feira, uma súbita insónia prostrou-me à frente da televisão a ver a repetição do “Aposta Tripla”, programa de debate sobre futebol na SporTv que não via há muito tempo. O formato não é muito diferente dos de outros canais que enxameiam a programação todo o santo dia, não escapando o horário nobre. As diferenças encontram-se sobretudo nos perfis dos intervenientes, mais moderados e sem falarem em simultâneo e aos gritos. O moderador é simpático e civilizado. Os representantes do Porto e do Benfica são os mais aguerridos, apesar de tentarem passar a imagem de adeptos que independentemente de torceram pelo seu clube apreciam em primeiro lugar o futebol jogado. O representante do Sporting constitui o paradigma deste tipo de programas: está sempre disposto a adotar o politicamente correto como se se sentisse envergonhado por demonstrar qualquer sinal de clubite e falta de “fair play”. O ramalhete fecha-se com um comentador e ex-jogador de futebol do Benfica e do Porto que procura afirmar-se pelo seu conhecimento e independência. 

O representante do Sporting é irrelevante. Serve o propósito de desviar o debate mais aceso entre os outros dois adeptos, legitimando uma posição ou a outra, conforme as situações, ou efetuando uma bissetriz entre elas. A agenda do Sporting praticamente não está presente ou tem pouca expressão. Defendeu uma opinião filosoficamente muito interessante. Um erro do árbitro nunca influencia o resultado porque o erro gera relações de causa e efeito não lineares. Referindo-se à famosa mão do Ronny, afirmou que, contrariamente à convicção dos sportinguistas, não se pode concluir que este golo tenha determinado o resultado final do campeonato, dado que nunca se sabe o que se iria passar sem esse acontecimento mesmo nesse jogo. Epistemologicamente, não posso estar mais de acordo. A sucessão de acontecimentos não resulta de relações lineares de causa e efeito, não se sabendo com rigor se uma dada causa produz de imediato um determinado efeito, estabelecendo-se, isso sim, um conjunto de relações causais praticamente inextricável que só o recurso à teoria do caos poderá ajudar a discernir e explicar. Assim, pode-se afirmar que a mão do Ronny determinou o resultado do jogo e do campeonato da mesma forma que determinou a eleição do Trump nos Estado Unidos da América, faltando concluir que podemos ser beneficiados por nos prejudicarem. Numa abordagem mais terra a terra, no que respeita ao futebol português, estou de acordo com ele também mas outra forma: se não houvesse a mão do Ronny haveria uma outra mão qualquer (nos nossos bolsos). 

O adepto do Benfica nunca fala de arbitragens até falar. A um Rio Ave x Benfica opõe um Porto x Portimonense. O adepto do Porto não desarma e a cada Boavista x Porto opõe um Feirense x Benfica. No fundo o que nos transmitem é que nenhum destes clubes tem razões de queixa e são ambos beneficiados em termos absolutos e, sobretudo, relativos (em relação à restante concorrência). O do Porto tem bastante mais piada, dado que o do Benfica se leva muito a sério e tem um sentido de (auto)ironia idêntico ao do Muro de Berlim. O comentador também procura dirimir o conflito latente entre os dois contendores, explicando-nos que os três grandes são sempre beneficiados, confundindo benefício absoluto e benefício relativo e metendo o Sporting ao barulho para desviar as atenções. Admite-se que a sua experiência vivida no Benfica e no Porto lhe permita afirmar o que afirma. Não se compreende é a extrapolação para o Sporting, realidade que não viveu, a não ser na base do ditado “não há duas sem três”. Uma conversa com o Rui Jorge ou uma leitura mais atenta dos cartões amarelos e vermelhos talvez o ajudasse a compreender melhor a relação não linear também entre a grandeza dos clubes e a arbitragem. 

O mais espantoso no debate que assisti foi o recurso às estatísticas para explicar a excelência do campeonato do Benfica. As estatísticas podem ser relevantes se os acontecimentos forem aleatórios, existindo uma convergência para a média. Ora, no futebol português, os acontecimentos são tudo menos aleatórios, existindo uma predisposição, consciente ou inconsciente, não interessa, para determinar os resultados. Os efeitos são cumulativos e tendem a gerar ilusão que se está em presença de fenómenos de “cauda longa”, isto é, de acontecimentos com elevado grau de improbabilidade. Trata-se de uma ilusão e não é necessária nenhuma teoria da conspiração para a explicar. De repente, treinadores como o Rui Vitória, o Sérgio Conceição e o Bruno Lage pulverizam todos os recordes do José Mourinho nas épocas em que, simultaneamente, venceu a Taça UEFA e a Taça dos Campeões, isto é, com equipas que não chegam aos calcanhares de nenhuma destas do Porto. Treinadores assim-assim com equipas assim-assim são melhores do que aquele que foi considerado várias vezes o Melhor Treinador do Mundo, treinando, nestas duas épocas, alguns dos melhores jogadores do mundo nas suas posições e que constituíam a estrutura da seleção nacional vice-campeã europeia. 

O Bruno Lage fez cinquenta e cinco pontos em cinquenta e sete possíveis. Na primeira volta, quando o Porto foi a Alvalade, o Sérgio Conceição ia com dezoito vitórias consecutivas. Na época de 2015/2016, o Rui Vitória ganhou os últimos treze jogos e nos últimos vinte e um somou sessenta pontos em sessenta e três possíveis. Não se está em presença fenómenos e de acontecimentos improváveis, o que se está é em presença de uma regularidade estatística nas últimas épocas. No final, ganha o campeonato quem soma mais pontos nos dois únicos jogos que interessam: os jogos entre o Porto e o Benfica. O campeonato não passa de uma eliminatória com duas mãos, servindo os restantes jogos para encher chouriços. Desse ponto de vista, o Benfica foi um justo campeão. 

Como afirmei diversas vezes, aqui e aqui, após a revelação dos emails, não se devia ter disputado o campeonato. Dispondo dois clubes do conhecimento do seu conteúdo, por motivos  diferentes, encontravam-se-se, assim, em condições privilegiadas face aos demais. Nada aconteceu e a justiça transmitiu sinais equívocos. Para um leigo, o sinal que foi dado é que o acesso ilegal a informação em segredo de justiça é menos grave do que o acesso ilegal a informação de particulares. Não sendo por este lado que se espera qualquer mudança, a única solução para colocar os clubes em igualdade de condições é democratizar o acesso aos emails. Talvez nessa altura se possa a voltar a falar em feitos e recordes.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Play it again Sam

Sobre a passagem da manada de elefantes no Dragão, sábado passado, como entretenimento de final de campeonato, já nos disse praticamente tudo o nosso capitão Rui Monteiro. Aos caídos, diz que alguns jogadores do Sporting lá conseguiram chegar aos balneários sem que o VAR ou um dos árbitros os expulsasse por conduta violenta contra o espaço cognitivo que acompanha o túnel de acesso aos desejados duches. Mas, como todos sabemos, há sempre um pré-match que salga e apimenta os momentos seguintes. É quase tão importante como o post-match, e ambos são muito mais importantes que o jogo em si. Toda a gente sabe disso.

Toda, menos o Keizer: nada disso está (apenas) relacionado com o conhecimento das idiossincrasias do futebol português, embora estando; nem sequer com o festival de papas de sarrabulho de Amares, embora a sua ausência tenha sido notada; nem sequer com o desconhecimento da língua de Camilo, embora desse jeito perceber aquilo que os outros para aí dizem e escrevem. O meu sobrinho pequeno (também) sabia que o segundo jogo com o Porto (a final) era mais importante que o primeiro. Sabia, mas não o disse. Nem em conversas familiares o rapaz se descosia. O foco, seja lá isso o que for, era o próximo jogo. Keizer sabia que o jogo da final era (e é) o mais importante e disse-o. Não precisava nem tinha que o fazer. Ainda por cima anunciando mudanças e entrando depois em campo com Acuña, mister lesões Mathieu e Bruno Fernandes. Tudo malta perfeitamente substituível no jogo da final.

Keizer, se lesse na língua de Camilo, tinha percebido que durante a semana o presidente do clube rival se tinha desdobrado em entrevistas, editoriais, anunciando o apocalipse (supostamente) causado pelos árbitros ao seu clube, bem secundado na estratégia pelo seu cão de fila da propaganda. O campeonato estava perdido, eles bem o sabiam. E nós sabíamos – o meu sobrinho sabia-o bem – que o jogo do fim-de-semana seria uma demonstração de força (no sentido tamanqueiro e trauliteiro do termo) do nosso rival. De intimidação, pois claro. O árbitro também o sabia, como se viu. O VAR também. O Paulinho Santos sabe-o há muito anos e tem uma tese de mestrado sobre o assunto. Ao entrar com o Fernandes, o Acuña e o mister lesões Mathieu, Keizer demonstrou que não o sabia. E também demonstrou que não tem ninguém que lho diga. Por isso será melhor aprender rapidamente a língua de Camilo e começar a frequentar a tasquice mundana. Assim continuará a dar cartas na estratégia e na táctica, sem nunca se esquivar a uma boa sueca. Estamos a referir-nos ao jogo de cartas, bem entendido

Quando uma manada de elefantes entra em campo

O jogo contra o Porto tinha dois objetivos que na prática constituíam um só: assegurar que um ou outro dos (poucos mas) bons jogadores do Sporting não estivesse na final da Taça de Portugal, no Jamor, aproveitando os do Porto, ainda, para descarregar a frustração da perda do campeonato nas canelas dos adversários ou em qualquer outro elemento anatómico que estivesse à mão (ou ao pé, melhor dizendo) de semear. O Sporting aparentemente também tinha o mesmo objetivo, assim se compreendendo a razão para o Mathieu, o Acuña e o Bruno Fernandes integrarem a equipa titular. 

Os do Porto iniciaram o jogo com o propósito de molhar a sopa no seu alvo principal, o Bruno Fernandes, esperando qualquer coisa, designadamente uma resposta em conformidade que o levasse à expulsão. O objetivo estava bem definido, mas o Bruno Gaspar trocou-lhes as voltas ao atrasar inopinadamente uma bola para o Borja se embrulhar com o Corona e acabar expulso depois de mais uma rábula onde o VAR representou o papel de árbitro interpretando o lance e as relações de causa e efeito do que viu e esquecendo-se de fazer outras interpretações diferentes do árbitro quando viu o que viu, como as entradas sem bola do Filipe e do Militão. O Sporting tem poucos bons jogadores, como se referiu, muitos assim-assim e alguns, consensualmente, maus. Assim, expulsado um assim-assim, para uns, ou mau, para outros, reduziu-se a possibilidade de expulsão de um dos bons. Por isso ou porque com mais um sentiram a responsabilidade de fazer mais alguma coisa, os jogadores do Porto passaram a olhar mais para a nossa baliza, embora mantendo um olho no burro ou no cigano, não sei bem como é que aplica este aforismo neste contexto. A primeira parte concluiu-se sem que se tivesse jogado praticamente à bola: o Felipe acertou mais vezes no Bruno Fernandes do que na dita e o Marega também não conseguiu acertar na dita e, muito menos, com a dita na baliza e fez-se ao “penalty” e à expulsão do Mathieu com uma coreografia que nem nos anos oitenta e noventa se aceitava. 

Ao intervalo, terão explicado ao Bruno Fernandes que o melhor era encostar-se à esquerda e deixar pura e simplesmente de participar no jogo e nunca, mas mesmo nunca, se lembrar de atacar, colocando-se a jeito. Os do Porto atrapalharam-se com este triste e vil apagamento do seu alvo principal e ficaram sem objetivo. Umas castanhas aqui, umas biqueiradas ali, umas correrias inconsequentes acolá e nada mais. Estava-se num marasmo tão, mas tão grande que um mau, o Diaby, um bom, o Acuña, e um assim-assim, o Luiz Phellype, tiveram tempo, mas tanto tempo para se relembrarem onde ficava a baliza da equipa adversária que acabaram por marcar um golo. Raivoso, o Sérgio Conceição fez entrar o Aboubakar carregado de apontamentos. O homem, atrapalhado, em vez de montar a habitual roda com os colegas à frente da claque e, enquanto um dos seus membros despia a camisola, realizar um “brainstorming”, decidiu ler as cábulas enquanto corria. Não é um processo que se recomende e, assim, não se estranhou que tenha esbarrado no Renan Ribeiro quando estava isolado e se esperava que marcasse. 

À falta de melhor, os jogadores do Porto fartaram-se de ganhar cantos e tanto cantos marcaram que os nossos, exaustos e vagamente entediados, entraram em modo “levem lá a taça (em minúsculas, entenda-se)”, deixando de saltar às bolas e de fazer subir a linha defensiva. O Danilo empatou e logo a seguir o Herrera fez o dois a um, saudando as claques com um coração e evitando ter de se lhes dirigir no final do jogo para pedir desculpa de qualquer coisinha. Fiquei com dúvidas quanto à sua posição e com mais dúvidas fiquei quando a SporTv desatou a passar repetições e repetições de todos os ângulos menos daquele que permitia esclarecer essas dúvidas, chegando a passar umas repetições de trás da baliza cuja coisa mais relevante que permitiam vislumbrar era o novo “bleached blonde hair” do Herrera. 

Parecia que tudo estava resolvido a bem para ambas as partes, mas não estava. Os do Porto voltaram à casa de partida e continuaram à viva força a querer expulsar um dos (poucos) bons jogadores do Sporting. À falta do Bruno Fernandes, que tinha sido substituído, desviaram as suas atenções para outro alvo: o Acuña, o argentino das bolas grandes, como afirma a sua mulher e nós não temos condições de desmentir. Quando o Acuña dominou a bola junto ao banco do Porto, local ideal para se encenar uma ópera-bufa como a que se iria assistir, o Corona e o Herrena fizeram-lhe uma emboscada e desataram a bater-lhe de todas as formas e feitios, enquanto, subitamente, se vê entrar em campo uma manada de elefantes comandada pelo Sérgio Conceição. Vendo o seu colega em ligeira desvantagem em número e armamento, os nossos reorganizaram-se e fizeram uma investida que rompeu a inexpugnável Linha Maginot, enquanto o Acuña, fora do campo, se mantinha tranquilo a explicar a dois elefantes os ensinamentos do Mahatma Gandhi e os princípios do Satyagraha para evitar que engrossassem a manada. O VAR, que tinha visto uma mão do Borja que, quem sabe, talvez pudesse impedir a adequada progressão do seu adversário e assim, quem sabe, isolar-se, não viu nem o Sérgio Conceição nem a manada de elefantes entrar em campo. Não viu ele e também não viu o árbitro, o quarto árbitro e os dois fiscais de linha. Ainda bem que estas assimétricas patologias oftálmicas não afetam a polícia que se dispôs de imediato a acabar com a rebaldaria. O árbitro expulsou o Corona e mostrou amarelo ao Acuña, por considerar, admite-se, que uma revolução mesmo por meios não violentos não deixa de ser uma revolução e uma forma de perturbar mentes mais simples e dadas aos instintos da sua natureza. 

Mas, no fim, o que importa é o resultado e o resultado foi lisonjeiro para nós. Ficámos sem um jogador para a final da Taça de Portugal e o Porto também. Não merecíamos este resultado e o Porto muito menos, que tanto porfiou para conseguir mais e melhor enquanto nós só passámos a jogar como uma verdadeira equipa quando tivemos de enfrentar uma manada de elefantes. Depois de levar uma bofetada do Sérgio Conceição, o Renan Ribeiro caiu, mas, como reza a lenda, por cada leão que cair, outro se levantará!

sexta-feira, 17 de maio de 2019

O custo de oportunidade de falar do que se não conhece

Tive a oportunidade de escrever este “post” sobre as rescisões dos jogadores do Sporting e os acordos que o Sousa Cintra tinha vindo a desenvolver. Recorri aos famosos conceitos do “Dilema do Prisioneiro” e do “Equilíbrio Nash” para explicar que a procura do interesse próprio de cada uma das partes tanto poderia levar a um acordo ou a acordo nenhum, ganhando todos ou perdendo todos respetivamente. Os dados que apresentei para explicitar a estratégia de cada uma das partes que participava neste jogo eram simbólicos e, portanto, fictícios. Os acordos foram sendo feitos e o que pareceu evidente era que os acordos eram sempre melhores do que as alternativas, isto é, os não acordos. 

Entretanto, chegou-se ao mais recente acordo com o Gelson Martins. Existe um consenso: é um mau acordo para o Sporting. Quem assim afirma esquece-se de nos explicar qual seria, então, a melhor alternativa. A única alternativa conhecida é o não acordo e a decisão judicial. A decisão judicial tem um grau de imprevisibilidade relevante e mais imprevisível ainda são as consequências dessa decisão. Mesmo que exista absoluta convicção sobre os méritos da posição do Sporting, ninguém consegue antecipar as consequências. 

Ninguém sabe se as consequências recairão completamente sobre o jogador e, sendo assim, como é que será determinada a indemnização e, mais do que isso, se o jogador disporá de condições para a pagar (a simples insolvência pessoal determina a possibilidade do Sporting não se ver ressarcido de nada). Ninguém sabe se as consequências recairão também e em que grau sobre o Atlético de Madrid e as diversas formas que este clube teria de prorrogar o não pagamento de qualquer indemnização, obrigando a um outro acordo para o Sporting receber o que quer que seja, abdicando agora de um acordo para ter de chegar a outro mesmo que viesse a ganhar o processo judicial. Neste como noutros casos semelhantes, o tempo corre sempre contra quem espera ser indemnizado, dificilmente sendo ressarcido dos danos causados e sobretudo na dimensão dos danos causados no passado reportados ao momento presente com taxa de atualização razoável. 

Numa economia de mercado o preço é justo ou injusto em função do seu custo de oportunidade, a melhor alternativa em idêntica situação de risco. O Mundo como o conhecemos não é uma parábola onde no final ganham sempre os bons e os justos. A realidade, o nosso dia-a-dia e o das instituições, dispensa bravatas e títulos de jornais. Como diz o Woody Allen, a realidade por mais dura que possa ser ainda é o único lugar onde se pode comer um bom bife. Os erros não se corrigem, nem se desculpam, evitam-se simplesmente. É verdade que o envolvimento de intermediários e o pagamento de comissões sobre serviços que se desconhecem constitui o lado obscuro do futebol. Há muito tempo que a absurda circulação de dinheiro sem explicação nestas transações deveria levar as instituições que nos representam a tomar medidas. Mas essa, embora mais interessante, é outra discussão. 

Nada disto impede que a Direção do Sporting dê devidas explicações a todas as partes interessadas deste negócio, especialmente aos sócios. Também é verdade é que se as desse com o necessário detalhe se estaria a fragilizar do ponto de vista da sua posição de mercado e correria o risco de ser criticada como foi quando se procedeu à divulgação da auditoria. Existe é uma verdade: o custo de oportunidade de falar do que se desconhece é falar do que se conhece, pedir as necessárias explicações do que se desconhece ou estar calado. É mais fácil ajuizar esta decisão do que ajuizar a decisão do acordo.

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Protocolo de estádio


Parece que vão (tentar) tirar os títulos ao Joe Berardo. Depois daquela grandiosa exibição na comissão parlamentar (como se chama?), comissão de inquérito à recapitalização e gestão da CGD, Berardo provou-nos que o futebol, mesmo na sua versão toupeiras e padres, ou fruta da época, mesmo na sua versão televisiva (CMTV incluída), tem ainda muito que andar para chegar aos robustos calcanhares do comendador Joe. Fiquem descansados os adeptos de ambos os desportos, no final as coisas só correm mal para quem tem de pagar bilhete.

O campeonato está a acabar e vai ser em grande, conforme o protocolo estabelecido. Aliás, o protocolo estabelecido está tão bem feito que ainda este fim-de-semana disso tivemos uma prova (como se disso fosse preciso). Quando na semana anterior se falava por aí na possibilidade do Sporting ainda chegar ao 2º lugar pensei para comigo: acabou-se a série de vitórias. Não sou bruxo, nem de Fafe, mas dou uns toques em prestidigitação direcionada.  

Após a vitória e eliminação do Benfica da taça, como andávamos suficientemente longe para chegar ao título, foi-nos permitida a graça de um bom futebol, sem situações inoportunas, imprevistas, sem percalços de maior. Bem vistas as coisas, lutávamos, quando muito, com o Braga para o terceiro lugar. Braga que, posteriormente, foi devidamente presenteado com as bengaladas da praxe, para saber o seu lugar no respectivo protocolo. 

Sobre o jogo com o Tondela já o Rui disse tudo. Contribuímos com a nossa dose cavalar de falhanços para aperfeiçoarmos o nosso lema de falhar cada vez melhor. Mas fica-nos a sensação de que não poderia ser de outra forma. Há um protocolo a respeitar.


(Nota: Campeões Europeus! - uma posta de pescada para breve)

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Distopias da futebolândia nacional

No sábado, era dia de festa. Despedíamo-nos de Alvalade esta época, depois de manipulações várias, beneficiando o Benfica e prejudicando o Porto pelo caminho, com o tão desejado título Abel&Salvador: o terceiro lugar. Os fins sempre justificaram os meios. Ano após ano, não sendo possível ganhar o campeonato nacional, queremos ser os melhores da Europa, seguindo o exemplo do Liverpool e do Tottenham. Um dia longínquo, seremos os melhores da Europa e de Portugal também. Uma coisa de cada vez, por ordem crescente de importância relativa. O Bruno Fernandes pretende seguir o caminho inverso, procurando ser campeão nacional antes de ser campeão europeu. Gostos ou falta de gosto, melhor dizendo. 

Como nos tinha avisado o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), as equipas que jogassem no Vale do Tejo iriam sofrer as consequências de anticiclone das Ilhas Britânicas. As altas pressões atmosféricas trazem massas de ar quente e, estas, alucinações. Assim, ao lado da equipa do Tondela e do árbitro, entrou em campo a equipa do Setúbal, embora os jogadores fossem os do Sporting. Nada contra o Setúbal nem os jogos do Setúbal, mas se é para ver jogar o Setúbal contra o Tondela o melhor é o jogo realizar-se no Bonfim e com os jogadores do Setúbal. 

Os comentadores da SporTv ou não perceberam ou fizeram-se desentendidos e continuaram a ver jogar o Sporting. Viram a agressão do Ristovski, o protesto do Bas Dost, o fiscal de linha a demorar a marcar fora-de-jogo a um jogador do Sporting. Não viram foi jogar o Tondela ou confundiram os seus jogadores com os do Liverpool e o seu treinador com o Jürgen Klopp quando afirmaram que se trata de uma equipa com muito critério na saída para o contra-ataque ou que impediam o adversário de ter tempo de posse de bola como habitualmente. Não viram que as imagens não permitiam que se visse de forma clara e evidente razões para a expulsão do Ristovsky, não viram a ridícula simulação de falta que levou ao protesto do Bas Dost, não viram uma joelhada na cabeça do Bruno Fernandes, não viram nova falta do mesmo jogador sobre o Acuña para segundo amarelo, não viram as sucessivas entradas por trás (ou interpretaram-nas como brilhantes manobras táticas para impedir que os jogadores do Sporting se virassem). Viram o Sporting, não viram o Tondela, viram o que o árbitro viu e não se via e não viram o que o árbitro não viu e se via. Podia tratar-se de um espetáculo da “World Wrestling Entertainment” (WWE), mas não. Tudo parece obedecer à necessidade de uma narrativa oficial que permita, no fim, afirmar-se que a bola é redonda, embora se tenha recorrido à tática do quadrado para a fazer rebolar da forma mais conveniente possível. 

Quando a equipa do Tondela empatou, os comentários de dois benfiquistas que estavam no café constituíram uma epifania. Enquanto um rejubilava o outro dizia-lhe: “Ainda vamos arranjar maneira de fazer descer o Chaves!”. Afinal talvez não estivesse a ver jogar o Setúbal e o jogo mais não fosse do que a primeira mão da liguilha que se disputa entre o Tondela e o Chaves e cujo desfecho se encontra aprazado para a próxima jornada. Finalmente também compreendi o comunicado do Braga após o jogo contra o Benfica, culpando o Sporting e o mesmíssimo árbitro pelas faltas não assinaladas do Ruben Dias, do João Félix e do Florentino: os jogadores eram do Benfica mas a equipa era a do Sporting, como no sábado era a do Chaves ou a do Setúbal, vá-se lá saber. 

O “El País” deste sábado publicou uma reportagem sobre as sucessivas taxas naturais negativas dos portugueses nos últimos dez anos e a tendência de agravamento decorrente do envelhecimento da população. O título não podia ser mais sugestivo: “Os portugueses se extinguirão este século?”. É um título que dá que pensar, sobretudo aos sportinguistas. Será que ainda vamos a tempo de ganhar por mais uma vez que seja o campeonato nacional?

terça-feira, 7 de maio de 2019

Um oito à Bordalo Pinheiro

Um encontro de agrónomos que se realiza ano após ano há cerca de vinte anos calhou neste fim-de-semana. Quando se iniciaram estes encontros, muitos de nós ainda não tinham filhos. Ao fim destes anos, temos filhos mas é como se não tivéssemos: não estão para nos aturar e ainda bem (para eles, diga-se). Combinar encontros e jogos de futebol no mesmo fim-de-semana não é para todos, sobretudo se se joga ao domingo, exatamente quando se está de regresso a casa. Implica adequada logística e todo um sem número de concessões que coloque as mulheres em dívida moral. 

O encontro foi nas Caldas da Rainha e, por isso, não regressámos sem uma ida à loja da fábrica Bordalo Pinheiro. Analisámos com detalhe e atenção a importância que se reveste uma fruteira em forma de couve penca na decoração da sala de jantar ou de um canídeo em porcelana à frente da casa com a respetiva placa “Cuidado com o Cão”, para que os vizinhos tenham medo (de o partir, claro está). O meu amigo Luís representou tão bem que fiquei na dúvida se a folha de couve não lhe era destinada. Estávamos em plena A8 quando o jogo contra o Belenenses se iniciou. Com o aproximar do final da primeira parte, o Luís, a medo, começou a dizer que estávamos a ficar sem combustível. Vimos toda a segunda parte na estação de serviços de Vagos, pois deu-se o caso de o jogo ali estar a ser transmitido, coisa que nunca imaginámos e muito menos planeámos, juntando-se o útil ao agradável. 

Aparentemente, a equipa do Sporting estava a adaptar-se ao relvado simplesmente, treinando para a final da Taça de Portugal. O Belenenses, com menos um jogador, comportava-se como um clube grande, recordando-me um ex-Presidente que afirmava que um clube grande, como o Belenenses, deve ser grande até a dever. Os jogadores em vez de despejarem a bola para a frente ou saírem com ela pelas laterais, inventavam um “tiki-taka” pelo meio que, à primeira pressão, acabava tudo em pânico. Num desses pânicos o Bruno Fernandes acertou nas pernas do guarda-redes e notou-se que estava a ficar cada vez mais irritado consigo mesmo. Como os jogadores do Sporting pareciam que estavam num jogo-treino, não se estranhou o golo do Belenenses. Foram à frente uma primeira vez e o Renan Ribeiro defendeu. À segunda, depois do Mathieu fazer um passe assim-assim para o Borja também efetuar uma receção assim-assim e ajeitar a bola para um jogador do Belenenses que vinha embalado, marcaram numa recarga do Licá, o velho Licá, o ex-internacional Licá. 

O jogo prometia. Mas o Gudelj de meia-distância fez embater a bola no lombo de um adversário e entortou o guarda-redes todo, fazendo o três a um e mantendo uma postura de quem faz remates daqueles várias vezes ao dia. A seguir, um defesa do Belenenses e o Luiz Phellype procuraram explicar ao João Félix as circunstâncias que permitem a um avançado rebolar-se no chão depois de levar uma trancada sem parecer maricas. O Bruno Fernandes fez a paradinha do costume e bateu o recorde do Mundo e da Europa também, mas continuava-se a notar a irritação. Lançado em profundidade pelo Raphinha, o Luiz Phellype torneou o guarda-redes e passou a bola ao Bruno Fernandes para fazer mais um golo, que não ficou muito mais alegre atendendo à facilidade, apesar de ter batido o recorde do recorde que tinha batido. Entrou o Bas Dost e os jogadores do Belenenses fizeram o favor de perder mais uma bola no meio para o Bruno Fernandes o isolar e marcar mais um golo à segunda. O Acuña foi à linha e centrou para o segundo poste, onde apareceu o Bruno Fernandes a rematar de primeira e a marcar mais um, batendo o recorde que tinha batido duas vezes e ficando com melhor cara. Até o Diaby participou num golo, atrapalhando-se com um defesa e deixando a bola para o Bas Dost simular e o Doumbia rematar e fazer o resultado final. 

Percebia-se que se estava perante uma situação de emergência. Desconhecia-se era que o árbitro fizesse parte de uma equipa do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), só assim se compreendendo a razão para acabar o jogo logo ali e não dar o devido tempo de descontos. Com mais quatro ou cinco minutos, havia tempo de sobra para marcar mais um ou dois golos. Havia tempo e mais do que tempo para o Bruno Fernandes voltar a molhar a sopa. Concluído um “encore” pedimos outro e mais outro, procurando assim matar as saudades que dele vamos ter. Cada jogo jogado é menos um por jogar até ao final de época e temos saudades, muitas saudades, pois dificilmente o voltaremos a ver com a nossa camisola.

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Chover no molhado

Praticamente tudo foi dito sobre a vitória da nossa equipa na UEFA Futsal Champions League. No entanto, carregou-se mais nos adjetivos do que na análise do percurso que nos levou a esta vitória e na forma como se foi aprendendo com as derrotas. O nosso cérebro está preparado para estabelecer relações de causa e efeito, quando muitas vezes os resultados se devem ao acaso. Não percebo grande coisa de futsal, nem sequer aprecio de sobremaneira esta modalidade. Mas, como todos, na minha cabeça gerou-se um entendimento sobre as causas que levaram a este sucesso. 

Nas anteriores finais que disputámos, fiquei sempre com a convicção que coletivamente éramos tão bons ou melhores do que os adversários e os nossos jogadores dispunham de qualidade técnica pelo menos equiparável. Sempre me pareceu é que éramos mais frágeis na dimensão física e na baliza, onde os nossos guarda-redes, apesar de bons, não estavam ao nível dos adversários. A tudo isto, somávamos um certo romantismo: dificilmente se via uma biqueirada sem propósito e havia uma obsessão em trocar a bola e sair sempre a jogar. As dispensas e aquisições desta época visaram colmatar estas falhas. Passámos a ter um guarda-redes tão bom como os melhores, Guitta, e os regressos de Erick Mendonça e de Leo Jaraguá conferiram uma maior capacidade física e de choque com os adversários. A tudo isto somou-se um maior pragmatismo. Assistimos a jogos em que os jogadores, incluindo o guarda-redes, não tinham grandes problemas em colocar a bola na frente sempre que pressionados. 

Estas alterações resultaram da fria análise de Nuno Dias às derrotas passadas e da disponibilidade da direção do Sporting e, em especial, de Miguel Albuquerque para as promover. As exibições e os resultados não começaram por ser os melhores. Deixámos de ser arrasadores no campeonato nacional e o Benfica parecia o favorito. Não só não desanimámos como subimos a parada e, em finais do ano passado, renovámos com o Nuno Dias, até 2022. O sinal foi inequívoco: era com estes jogadores e com esta equipa técnica que pretendíamos ganhar todas as competições. A competência faz-se da análise dos nossos pontos fracos e fortes em relação à concorrência e de alterações em conformidade e da capacidade de resistir à tentação de tudo mudar quando existem reveses, aprendendo com as derrotas, que são a mãe das vitórias futuras.

terça-feira, 30 de abril de 2019

Quem ri por último é de raciocínio lento?


Anda por aí um cartaz de um partido político em cujo slogan se pode ler mais ou menos isto: eles falam, nós fazemos. A frase de tão gasta apenas nos chama a atenção porque na imagem aparece o candidato a falar para apoiantes, ou seja lá quem for, não interessa. A falar, vejam bem. A frase não bate com a imagem mesmo que nos esforcemos por dar de barato que os cartazes não têm som e que deve ser muito difícil (acham?) pôr alguém a agir num cartaz. Não bate com a perdigota mas casa bem com propósitos previstos.

Recentemente, um jornal desportivo, em dia de jogo europeu (quartos de final da liga dos campeões) entre o Porto e o Liverpool, trazia uma capa cujo grande (e único) destaque era um jogador do Sporting de nome Wendel. E qual era o grande feito do Wendel, perguntam vocês? O grande (de)feito do Wendel foi ter ido assistir (pelos vistos sem autorização) ao Juventus – Ajax em Turim. Não está a causa a falta do rapaz, devidamente assinalada pela direção leonina, duas voltas ao ginásio, um jogo de fora e alguns contos de reis. Aqui interessa-nos o destaque dado de forma completamente inusitada a este episódio. Não se trata apenas de desvalorizar (totalmente) o jogo europeu do Porto, mas de continuar a sevar a agenda mediática de casos envolvendo o Sporting. Esta capa nada tem que ver com o futebol, com o falar de futebol, nem sequer se enquadra na agenda do dia futebolístico, apenas serve o propósito de continuar a queimar em lume brando a vida interna do Sporting. Como se isso fosse necessário, dir-me-ão. Claro que é. Milhões estão em jogo nos próximos anos. Não bate com a perdigota mas casa bem com propósitos previstos.

Este fim-de-semana o Braga perdeu mais uma vez (de goleada) com o Benfica. Até aí tudo bem. Já pensaram na conversa do Braga este ano relativamente ao campeonato? Entre sonhos e objetivos mais ou menos delineados ao sabor do vento, nas entrelinhas lia-se: 3º lugar. E é isso que convém aos dois do costume. Já aqui escrevi muito sobre a tentativa de bipolarização do futebol português, milhões estão em jogo, e com os critérios da liga dos calmeirões cada vez mais apertados, dois já é muito, três é demais.

No final do jogo, Abel não cabia em si de contente, por mais uma derrota (justíssima) com um opositor com estofo (e jantes de liga leve) de campeão. Nada a dizer da arbitragem, nada a dizer do resultado, lá como cá, uns justíssimos dez a três como resultado global. Alguns viram nisto uma porta aberta de saída do clube, outros (mais atentos aos cartazes publicitários), uma chance para treinar a (outra) equipa B do Benfica, outros ainda notaram um contraste entre as palavras do treinador e o comunicado emitido pela direcção do clube, onde se critica (supostamente) arbitragem.

Não perceberam que as palavras não batem com a imagem pretendida. Espremido (leiam bem o final) o comunicado é uma nota de pesar pelo quarto lugar, e um ataque pouco disfarçado ao Sporting, o verdadeiro (e único) responsável pelos pontos perdido pelo Braga, incluindo (imagina-se) as cabazadas sofridas de forma justa com o Benfica. Por isso Salvador se senta ao lado de Vieira, que nem sequer precisa de assistir ao jogo no balneário. Por isso Salvador se senta ao lado de Pinto da Costa a saborear um bom bacalhau ali para os lados de Adaúfe.  

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Há dias assim ou a balada da cidade triste

Há dias assim. Sabemos que vamos descobrir, quando nos atirarmos para dentro da banheira, que se vai exercer uma força vertical de intensidade igual ao peso da água que será deslocada pelo nosso corpo. Sabemos que vamos descobrir, quando nos sentarmos debaixo de uma macieira e nos cair no cocuruto da cabeça uma maçã madura, que esta nos vai atingir a uma velocidade igual a nove, vírgula, oito metros por segundo quadrado multiplicados pelo tempo de duração da queda, medido em segundos. Sabemos que vamos descobrir também que, substituindo-se o Gudelj pelo Doumbia, vamos jogar melhor. Sabendo que vamos descobrir o que ainda não foi descoberto, tomamos as necessárias precauções, vestindo-nos da cabeça os pés como deve ser, para não sermos apanhados a correr pela rua abaixo com o pirilau a abanar enquanto gritamos “Eureka! Eureka!” 

A descoberta demorou a ser descoberta. O Guimarães veio jogar à bola a Alvalade, o que se saúda. Pressionava a nossa saída da bola com dois jogadores, encostando outros dois às laterais para bloquearem o Acuña e o Ristovski, subindo sempre os jogadores do meio-campo quando o Doumbia ou o Wendell desciam para receber a bola. Durante quinze a vinte minutos fomos perdendo bolas sobre bolas e enfiando biqueiradas para a frente, com destaque para o Coates. O Keizer explicou ao Doumbia que se devia adiantar com o Wendell, arrastando os médios que os marcavam, para que houvesse mais espaço para sair a jogar. Por isso ou porque os do Guimarães deram o berro, a partir dessa altura foi uma profusão de oportunidades perdidas e de tiros ao barrote. O Acuña desmarca o Raphinha que, à meia volta, remata ao barrote. O Raphinha desmarca o Bruno Fernandes que, de primeira, remata ao barrote. O Raphinha centra e o Luiz Phellype desvia a bola de cabeça contra o barrote. O Bruno Fernandes desmarca na área o Luiz Phellype que, isolado e com o guarda-redes no chão, remata contra o barrote (Em Alvalade, qualquer um dos seis barrotes é nosso. Espera-se maior sentido de compromisso de cada um deles, atitude que sempre revelaram com a direção anterior e com esta deixa muito a desejar. Não gostei!). O Diaby demonstrou-nos que tanto acerta nas orelhas da bola com o pé esquerdo como com o direito, não sendo defeito mas feitio, e o Bruno Fernandes enfiou um balázio de fora da área que passou a um poucochinho da baliza com o guarda-redes a assistir com cara de Svilar. 

Entretanto, no meio deste despilfarro, o Acuña abalroou um adversário à entrada da área. Não sabendo se era dentro ou fora da área, o árbitro seguiu o manual de boas práticas tão apreciado pelos comentadores e fez vista grossa à falta mais que evidente. Recuperada a bola, o Acuña lançou o Luiz Phellype que foi ceifado por um defesa do Guimarães com o árbitro a fazer vista grossa também para compensar. Por momentos, o jogador do Guimarães pensou que era o Beckenbauer e tentou fintar a equipa toda do Sporting até perder a bola, que acaba nos pés do Bruno Fernandes. Recebendo a bola parado, faz um passe extraordinário de trinta metros, rasgando a linha defensiva do adversário e isolando Raphinha, que marca o primeiro golo não sem antes sentar o guarda-redes duas vezes. A (falsa) convicção dos comentadores da SporTv de que a falta teria ocorrido dentro da área e a (con)sequência imediata e direta da sua não marcação  foi o golo do Sporting, transformou a simples análise de um  hipotético livre num conjunto de relações de causa e feito que determinou aquele resultado final, como se se estivesse em presença da falsificação das notas de quinhentos escudos do Alves dos Reis e da necessidade de se realizar o julgamento de Nuremberg. A avaliação dos danos foi ao ponto de afirmarem que os jogadores do Guimarães estavam perturbados. Ora, se a qualquer um de nós nos enfiassem quatro no barrote não deixaríamos de ficar perturbados! 

Na segunda parte, o Guimarães entrou com outro plano. A equipa recuou para o seu meio-campo e deixou de pressionar à frente. Esperava-se um jogo de nervos em que nos iríamos ainda arrepender das oportunidades perdidas. Felizmente, nada disso aconteceu. O Renan Ribeiro, numa reposição de bola, colocou-a a quarenta metros no Raphinha do lado direito do ataque que a dominou magistralmente com um adversário a um metro de distância e enfiou-lhe três reviengas seguidas até a meter ao primeiro poste onde apareceu o Luiz Phellype a ganhar a frente a um defesa, como lhe mandou o Bruno Fernandes, e a empurrá-la para o segundo golo. Os jogadores do Guimarães não reagiram e continuaram com a tática que trouxeram do balneário, de jogar na expetativa e no erro do adversário. Os jogadores do Sporting não foram no engodo e nada mais aconteceu até ao final do jogo, a não ser uns assobios ou de adeptos do Guimarães ou de adeptos do Sporting com problemas de menopausa ou andropausa, conforme o género. 

O Sporting fez um excelente jogo. O Guimarães procurou jogar à bola e não foi feliz, porque o Sporting foi superior. Nada que não se espere que aconteça num jogo de futebol, dado que não podem ganhar as duas equipas. Não se compreende assim a razão dos comentadores da SporTv procurarem desqualificar a nossa vitória desqualificando os jogadores e a equipa adversária. Descobrimos o que sabíamos que íamos descobrir. Descobrimos ainda que existe uma qualquer lei da física ou da organização social que determina após um empurrão do Acuña a sucessão de um conjunto de eventos que culmina num golo do Sporting. 

Faz-me lembrar um livro do Pierre Siniac que li há muitos anos. Numa cidade francesa, sempre que uma astróloga acertava nas suas previsões da semana, dava uma choruda gorjeta a um pedinte, que com esse dinheiro ia jantar a um determinado restaurante. Como era vítima de assédio sexual desse pedinte, se sabia disso, a empregada do restaurante metia a sua folga semanal. Um agente de seguros, que estava apaixonado por ela, se não a via no restaurante ia jantar a outro, onde invariavelmente pedia coelho à caçador, que era caçado pelo dono de uma loja de artigos de luxo e vendido ao dono desse restaurante. Vendendo-o e não se tendo que deslocar para o dar a uma instituição da igreja, tinha tempo para arranjar a montra da sua loja. Arranjando-a, um dos seus clientes podia comprar uma prenda para oferecer a uma prostituta que não tinha relações com ele sem ela. Tendo relações com ele, não estava disponível para ter relações com o vendedor desses artigos, que assim se dirigia a essa loja, onde o esperava a esposa do caçador que estava por ele apaixonado. Não tendo de esperar pela sua paixão escondida, chegava a tempo ao jornal onde trabalhava, não ficando o diretor desse jornal deprimido por se sentir abandonado e não se embriagando. Estando sóbrio, disponibilizava-se para efetuar a cobertura jornalística no centro cultural do filme que ia passar e do debate que se lhe sucedia. Havendo debate, a responsável do centro cultural não tinha medo de ficar sozinha a encerrar a sala depois do filme terminar e assim abria a bilheteira. Havendo filme, o assassínio seduzia uma vítima e o homicídio acontecia. Se a astróloga fazia uma previsão que nessa semana ia acontecer uma desgraça na cidade, este ciclo infernal retomava-se e o homicídio acontecia sempre. “Balada da Cidade Triste” é o título deste livro. Também podia ser o título do campeonato nacional e do seu entorno mediático.

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Bruno Fernandes, a inteligência nunca é defeito

Os melhores jogadores portugueses, regra geral, são transferidos muito novos para outras equipas de campeonatos mais competitivos. Encontrando-se numa fase muito precoce do seu percurso profissional e do desenvolvimento das suas capacidades desportivas e da sua personalidade, quase sempre o destino imediato é o banco ou a bancada, não se afirmando como titulares. O melhor dos melhores, Cristiano Ronaldo, andou uma época a aprender com o Alex Ferguson, no Manchester United. Muitos outros, não dispondo de treinadores que ensinem e tenham paciência, nem se chegam a afirmar nas equipas para as quais foram contratados. 

Bruno Fernandes confidenciou-nos que não tinha a certeza de estar preparado no final da época passada para jogar num desses campeonatos, necessitando de mais uma época intensa, com muitos jogos nacionais e internacionais, para se sentir confiante nas suas capacidades para enfrentar esse desafio. Podemos ver a inteligência do Bruno Fernandes em movimento todos os fins-de-semana. Tudo o que faz – um passe, uma finta, uma desmarcação, um remate – tem sempre o propósito de colocar a sua equipa mais próxima do objetivo do jogo: o golo. A essa inteligência soma uma personalidade vincada que lhe permite liderar, como capitão, os seus colegas de equipa dentro de campo e decidir por si a sua carreira. Comporta-se como o adulto que é: pensa pela sua cabeça, não se deixando levar pela propaganda mediáticas e os negócios que envolvem os clubes e empresários que têm em vista o curto prazo e não (toda) a carreira dos futebolistas. 

Não sabemos se a sua carreira continuará a ser bem-sucedida. Uma lesão, um treinador e as suas preferências táticas, um clube e as suas circunstâncias, podem-no impedir de se afirmar no contexto internacional como deseja e todos desejamos. Mas as condições pessoais estão reunidas para se afirmar como titular em muitas das boas equipas europeias. É importante que os jogadores, os clubes e os empresários reflitam bem sobre este exemplo. Muito jovens e sem a titularidade assumida nos seus clubes ao longo de algumas épocas, nem sempre os jogadores se encontram nas condições adequadas para jogarem com regularidade nas equipas que os contratam e nem todos conseguem, depois, dar um passo atrás para dar dois em frente. Sem a cupidez habitual, os clubes podem continuar a retirar benefícios financeiros das transferências, acrescentando-lhes os desportivos. Os empresários têm de decidir se representam os interesses dos jogadores ou os seus.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Onde está o Palocevic?

A meio da conferência de imprensa “pre-match”, entram na sala os três capitães de equipa do Nacional e fazem uma declaração de apoio ao seu treinador. Costinha leva os dedos da mão direita à cara e com o polegar e o médio esfrega os dois olhos, contendo as lágrimas, mas a voz embragada trai-lhe a emoção. Prometiam-nos sangue, suor e lágrimas. Era o mínimo que se esperava, esperando-se também que a SporTv, solidária, se deixasse de comentários e passasse como música de fundo o “Chariots of Fire”, do Vangelis. Qualquer que fosse o final, feliz ou infeliz, imaginava-me com uma lágrima ao canto do olho enquanto sentia um nó na garganta. Ganhando ou perdendo, este jogo contra o Nacional encerraria uma lição de vida. 

Começa o jogo e os jogadores do Nacional recuam e nenhum deles passa a linha de meio-campo para pressionar a saída de bola dos jogadores do Sporting, que começam por ficar desconfiados. Pouco a pouco, percebem que podem engonhar o início das jogadas vinte metros à frente do habitual. O comentador da SporTv ia-nos avisando que se tratava de um engodo, pois a qualquer momento o Palocevic iria fazer um lançamento longo para nos apanhar com as calças na mão. Avisados, os jogadores do Sporting continuavam a jogar a passo, só atravessando o meio-campo quando o Mathieu fazia o habitual passe tenso para o Acuña avançar com a bola pelo lado esquerdo. Sem o Wendell e com o Doumbia, a equipa ganhava mais presença física no meio-campo e pressionava melhor e sempre que a bola ia à frente os do Nacional viam-se e desejavam-se para a tirar de lá, apesar do comentador da SporTv nos continuar a ameaçar com o Palocevic. Com o Doumbia a seu lado ou um pouco mais à frente, o Gudelj finalmente parecia um trinco em condições, fazendo de segunda lâmina da Gillette, aparando os adversários depois dos cortes da primeira. O que se ganhava em consistência defensiva e em pressão sobre os adversários, perdia-se em espontaneidade ofensiva: o Doumbia é mais um jogador de passe e de lançamentos para os colegas do que, como o Wendell, de pegar na bola, correr com ela e tabelar para aparecer mais à frente, acelerando o jogo e passando a equipa a dispor de mais um elemento no ataque. 

Mesmo a mastigar o jogo, a equipa do Sporting ia criando sucessivas oportunidades de golo. Com o Bruno Fernandes sozinho ou mal acompanhado, apareceu o Diaby que, colocado do lado direito do ataque, fazia de Raphinha, mas mantendo a habitual relação conflituosa com a bola. Ninguém estranhou, portanto, que se fossem desperdiçando essas oportunidades. Quando ficou isolado, não se estranhou o remate com o bico da chuteira contra o guarda-redes que se encontrava esparramado no chão. Embora sem ser surpreendente, não deixou de ser brilhante a sua disputa de bola a seguir, tropeçando nela e permitindo que tudo acabasse num pontapé de baliza, bastando estar quieto para ganhar um canto. O Jovane procurava intercalar algumas dessas intervenções do seu colega com outras da sua lavra, igualmente inconsequentes mas com nota técnica mais elevada. Enquanto isso, o Luiz Phellype infernizava a vida dos centrais. Não se trata de um Slimani, mas também não é um Bas Dost. Permite à equipa jogar mais longo, porque recebe bem a bola, protegendo-a com o corpo até a entregar a uma colega, e pressionar melhor a equipa adversária quando recupera a bola. 

Ao intervalo, o empate a zero não deixava de ser lisonjeiro para a equipa do Nacional (expressão que deixaria um Gabriel Alves ou um Alves dos Santos orgulhoso do seu legado de lugares-comuns que constitui o essencial da escola de jornalismo desportivo nacional). No início da segunda parte, o comentador continuou a avisar-nos que ainda veríamos com quantos paus se faz uma canoa, quando o Palocevic engrenasse e o Avto fosse colocado do lado direito. Sem sinais de um e de outro, o Doumbia avançou mais e o massacre continuou com o Diaby a acertar nas orelhas da bola ou a acertar com a bola nas orelhas de um qualquer defesa adversário que estivesse à frente da baliza. Até que a meio da segunda parte, do lado esquerdo do ataque, o Acuña bate um livre direitinho para a cabeça do Coates que, empurrado por um defesa, não acerta na bola, sobrando para o outro lado onde aparece o Luiz Phellype a rematar sem a deixar cair para o primeiro e único golo da partida. 

A ganhar, a equipa do Sporting recuou, deixando as despesas do jogo aos jogadores do Nacional. No entanto, para grande consternação do comentador da SporTv, quando o Avto estava finalmente a jogar do lado direito, foi substituído. Aparentemente, o Costinha terá visto a sua cabeça a assomar do bolso dos calções do Acuña e tirou-o para meter um rapaz espadaúdo que costuma fazer de Ben-Hur nos filmes da Páscoa. Quando se esperava ver em ação o Palocevic, o melhor que se viu foi um remate de um jogador com o pé direito contra o seu próprio pé esquerdo, fazendo a bola sobrevoar a barreira e a baliza do Sporting. O árbitro marcou falta – dois toques seguidos pelo mesmo jogador na marcação de um livre – perdendo-se assim a oportunidade de se lhe entregar o “Diaby de Ouro” da partida. Com o Bruno Fernandes extenuado, os contra-ataques deram em nada, mas um nada convicto e resultante da convicção do Jéfferson e do Diaby. 

O jogo acabou sem que tivesse descoberto o Palocevic. O Palocevic permaneceu um mistério. O Palocevic é o bicho-papão a que se recorre quando as crianças não querem comer a sopa: “come a sopa ou vou chamar o Palocevic!”. As crianças, renitentes, comem-na e nunca chegam a saber se o bicho-papão existe mesmo. A sopa estava pejada de brássicas e leguminosas e só de nariz tapado se conseguia tragar. Tragámo-la, como se de óleo de fígado de bacalhau se tratasse, mas sob a ameaça do comentador da SporTv de chamar o bicho-papão, perdão, o Palocevic. Assim, em vez de uma história épica de superação e redenção, assistimos a um conto infantil para ajudar a engolir duas horas de tédio.