segunda-feira, 22 de abril de 2019

Onde está o Palocevic?

A meio da conferência de imprensa “pre-match”, entram na sala os três capitães de equipa do Nacional e fazem uma declaração de apoio ao seu treinador. Costinha leva os dedos da mão direita à cara e com o polegar e o médio esfrega os dois olhos, contendo as lágrimas, mas a voz embragada trai-lhe a emoção. Prometiam-nos sangue, suor e lágrimas. Era o mínimo que se esperava, esperando-se também que a SporTv, solidária, se deixasse de comentários e passasse como música de fundo o “Chariots of Fire”, do Vangelis. Qualquer que fosse o final, feliz ou infeliz, imaginava-me com uma lágrima ao canto do olho enquanto sentia um nó na garganta. Ganhando ou perdendo, este jogo contra o Nacional encerraria uma lição de vida. 

Começa o jogo e os jogadores do Nacional recuam e nenhum deles passa a linha de meio-campo para pressionar a saída de bola dos jogadores do Sporting, que começam por ficar desconfiados. Pouco a pouco, percebem que podem engonhar o início das jogadas vinte metros à frente do habitual. O comentador da SporTv ia-nos avisando que se tratava de um engodo, pois a qualquer momento o Palocevic iria fazer um lançamento longo para nos apanhar com as calças na mão. Avisados, os jogadores do Sporting continuavam a jogar a passo, só atravessando o meio-campo quando o Mathieu fazia o habitual passe tenso para o Acuña avançar com a bola pelo lado esquerdo. Sem o Wendell e com o Doumbia, a equipa ganhava mais presença física no meio-campo e pressionava melhor e sempre que a bola ia à frente os do Nacional viam-se e desejavam-se para a tirar de lá, apesar do comentador da SporTv nos continuar a ameaçar com o Palocevic. Com o Doumbia a seu lado ou um pouco mais à frente, o Gudelj finalmente parecia um trinco em condições, fazendo de segunda lâmina da Gillette, aparando os adversários depois dos cortes da primeira. O que se ganhava em consistência defensiva e em pressão sobre os adversários, perdia-se em espontaneidade ofensiva: o Doumbia é mais um jogador de passe e de lançamentos para os colegas do que, como o Wendell, de pegar na bola, correr com ela e tabelar para aparecer mais à frente, acelerando o jogo e passando a equipa a dispor de mais um elemento no ataque. 

Mesmo a mastigar o jogo, a equipa do Sporting ia criando sucessivas oportunidades de golo. Com o Bruno Fernandes sozinho ou mal acompanhado, apareceu o Diaby que, colocado do lado direito do ataque, fazia de Raphinha, mas mantendo a habitual relação conflituosa com a bola. Ninguém estranhou, portanto, que se fossem desperdiçando essas oportunidades. Quando ficou isolado, não se estranhou o remate com o bico da chuteira contra o guarda-redes que se encontrava esparramado no chão. Embora sem ser surpreendente, não deixou de ser brilhante a sua disputa de bola a seguir, tropeçando nela e permitindo que tudo acabasse num pontapé de baliza, bastando estar quieto para ganhar um canto. O Jovane procurava intercalar algumas dessas intervenções do seu colega com outras da sua lavra, igualmente inconsequentes mas com nota técnica mais elevada. Enquanto isso, o Luiz Phellype infernizava a vida dos centrais. Não se trata de um Slimani, mas também não é um Bas Dost. Permite à equipa jogar mais longo, porque recebe bem a bola, protegendo-a com o corpo até a entregar a uma colega, e pressionar melhor a equipa adversária quando recupera a bola. 

Ao intervalo, o empate a zero não deixava de ser lisonjeiro para a equipa do Nacional (expressão que deixaria um Gabriel Alves ou um Alves dos Santos orgulhoso do seu legado de lugares-comuns que constitui o essencial da escola de jornalismo desportivo nacional). No início da segunda parte, o comentador continuou a avisar-nos que ainda veríamos com quantos paus se faz uma canoa, quando o Palocevic engrenasse e o Avto fosse colocado do lado direito. Sem sinais de um e de outro, o Doumbia avançou mais e o massacre continuou com o Diaby a acertar nas orelhas da bola ou a acertar com a bola nas orelhas de um qualquer defesa adversário que estivesse à frente da baliza. Até que a meio da segunda parte, do lado esquerdo do ataque, o Acuña bate um livre direitinho para a cabeça do Coates que, empurrado por um defesa, não acerta na bola, sobrando para o outro lado onde aparece o Luiz Phellype a rematar sem a deixar cair para o primeiro e único golo da partida. 

A ganhar, a equipa do Sporting recuou, deixando as despesas do jogo aos jogadores do Nacional. No entanto, para grande consternação do comentador da SporTv, quando o Avto estava finalmente a jogar do lado direito, foi substituído. Aparentemente, o Costinha terá visto a sua cabeça a assomar do bolso dos calções do Acuña e tirou-o para meter um rapaz espadaúdo que costuma fazer de Ben-Hur nos filmes da Páscoa. Quando se esperava ver em ação o Palocevic, o melhor que se viu foi um remate de um jogador com o pé direito contra o seu próprio pé esquerdo, fazendo a bola sobrevoar a barreira e a baliza do Sporting. O árbitro marcou falta – dois toques seguidos pelo mesmo jogador na marcação de um livre – perdendo-se assim a oportunidade de se lhe entregar o “Diaby de Ouro” da partida. Com o Bruno Fernandes extenuado, os contra-ataques deram em nada, mas um nada convicto e resultante da convicção do Jéfferson e do Diaby. 

O jogo acabou sem que tivesse descoberto o Palocevic. O Palocevic permaneceu um mistério. O Palocevic é o bicho-papão a que se recorre quando as crianças não querem comer a sopa: “come a sopa ou vou chamar o Palocevic!”. As crianças, renitentes, comem-na e nunca chegam a saber se o bicho-papão existe mesmo. A sopa estava pejada de brássicas e leguminosas e só de nariz tapado se conseguia tragar. Tragámo-la, como se de óleo de fígado de bacalhau se tratasse, mas sob a ameaça do comentador da SporTv de chamar o bicho-papão, perdão, o Palocevic. Assim, em vez de uma história épica de superação e redenção, assistimos a um conto infantil para ajudar a engolir duas horas de tédio.

9 comentários:

  1. Pelos vistos foi tão mau como eu deduzi que tivesse sido.

    Uma pessoa consulta o guia de TV para ver calmamente o resumo alargado na Sporttv+. Iniciado o resumo apercebo-me que a Sporttv+ optou por incluir no resumo o minuto de silêncio em honra das vitimas do acidente na Madeira (pareceu-me que na integra). Pensei cá para comigo: "Bolas, foi assim tão mau? Nem um potencial segundo amarelo a um jogador do Sporting? O Acuna não reclamou com ninguem? que raio... "

    Percebo agora que talvez fosse o tempo reservado para o "minuto Palocevic". Uma pena não o terem encontrado.

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    1. Meu caro,

      O jogo foi uma seca, mas a principal responsabilidade foi do Nacional. O Sporting limitou-se a jogar o suficiente para ganhar de forma folgada, mesmo jogando pouco e a passo. Com isto tudo, foi uma pena não termos percebido quem era o Palocevic. Aparentemente está ali um craque como o João Félix, pelo menos.

      SL

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  2. Caro Rui Monteiro,
    Quase lamento que esse tenha sido o jogo transmitido pela RTPi eu que, já devem ter percebido, gosto imenso de rir! Mesmo se o Sr Albuquerqe da RTP me tenha provocado alguns espasmos no músculo zigomático.
    Como bom desconhecedor das regras do futebol passou boa parte do tempo a lamentar que o árbitro (o Xistra) as conheça...isto no lance do ombro mais forte do Acuña!
    Uma pergunta SVP (s'il vous plaìt). Será correcto afirmar que o FCP desde Janeiro só tem sido arbitrado por gente da AFP?
    Abraço leonino do tamanho do Mundo a partir de Espanha.

    SL

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  3. Em forma de Post Scriptum lamento também que o K(E)izer só tenha posto o amigo de Saramago para dois ou três minutos. Eu tive mais tempo para escrever este comentário...

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    1. Caro Aboim Serodio,

      O rapaz do Nacional nem à bola se fez. Recebeu o encosto e atirou-se para o chão. Na SporTv qualquer lance do Sporting dá sempre azo a duas interpretações: não, mas.... No lance do golo foi a mesma coisa. Não se vê fora-de-jogo, logo é duvidoso, sem ninguém se dar ao trabalho de ver o encosto sobre o Coates, já que gostam de ver encostos.

      SL

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  4. Eu acho que o Palocevic não apareceu porque estava disfarçado de Petitcevic. Já o GrandPetit aparaceu ao intervalo da Luz para mudar a táctica e levar mais cinco.

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    1. Meu caro,

      A minha interpretação é um pouco diferente. Contra nós os comentadores da SporTv têm tanta, mas tanta vontade que apareça um Palocevic que inventam um. É como se o desejo lhes alterasse a percepção da realidade. Mas a realidade é a realidade e não há Palocevi algum.

      SL

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  5. Boa noite
    Tenho o seu blog na minha lista se quiser adicionar o meu aqui fica o link
    https://sportinguista67.blogspot.com/

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    1. Caro João Paulo Rosinha,

      O seu blogue já está adicionado. Boa sorte para esta demanda. É preciso paciência e não desistir à primeira.

      SL

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