quinta-feira, 11 de abril de 2019

Preço de tudo e valor de nada

“Cínico é o que sabe o preço de tudo, mas o valor de nada” é um excelente aforismo de Oscar Wilde e vem a propósito do último livro de Mariana Mazzucato, que acabei de ler (“The Value of Everything – Making and Taking in the Modern Economy”, na versão original, dado que a tradução portuguesa é incompreensível). Para os Clássicos, o valor de um bem ou serviço constituía o somatório do valor de trabalho acumulado na sua produção. Para os Marxistas, a definição não era muito distinta, resultando a mais-valia da expropriação do valor àqueles que efetivamente o produziam: os trabalhadores. Para os Neoclássicos, o conceito alterou-se radicalmente: o valor não é objetivo, depende das preferências subjetivas dos consumidores e, portanto, tudo o que tem preço tem valor e o valor é o seu preço. Esta alteração de conceitos tem consequências na forma como analisamos o funcionamento da economia, classificamos o que é produtivo e improdutivo e discernimos lucros de rendas. 

A auditoria realizada à gestão da anterior administração do Sporting revela que foram pagos cerca de 3,2 milhões de euros em comissões na transferência de Alan Ruiz. Não se trata de uma situação singular, repete-se em todas as transferências envolvendo os mais diversos clubes. Os jogadores constituem ativos resultantes de investimentos realizados pelos clubes que desta forma pretendem acrescentar valor aos serviços prestados aos seu sócios e simpatizantes, sob a forma de melhor futebol e de mais vitórias e títulos. Qual é o valor que acrescentam os intermediários destes investimentos, sobretudo quando cobram quantias desproporcionadas em termos relativos e absolutos sem que disponham sequer de qualquer título de propriedade? Sem eles, os investimentos dos clubes não se realizariam? Os jogadores jogariam pior? As equipas praticariam pior futebol? Ninguém precisa de ser o Adam Smith para perceber que se trata de um atividade que se encontra do lado improdutivo da economia. Não basta admitir que se estes serviços têm preço é porque alguém lhes atribui valor. Esta é só mais uma forma de extrair valor a quem o produz, isto é, de extrair rendas. É mais uma das faces obscuras do futebol como indústria. É preciso perseguir o rasto deste dinheiro.

11 comentários:

  1. Só uma correção. A auditoria feita não foi forense, foi apenas uma auditoria de gestão. Isso foi clarificado pela empresa que a fez.

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    1. Obrigado. Está corrigido embora o meu ponto não seja exatamente a auditoria.

      SL

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  2. Mais uma pequena correção, a auditoria não "revelou" o valor de € 3,2 M, esses valores já eram conhecidos e até a sua divisão e a quem foram pagos. No fundo a auditoria apenas confirma o valor que foi anunciado aos sócios. Tal como confirma o valor que custou JJ, € 20 M.

    Aquilo que a auditoria não revela, nem opina, é o que justifica estas verbas astronómicas gastas em comissões pelo Sporting (passado, presente e futuro) e por todo o futebol.

    A solução deste problema (será um problema?) passa pelos clubes, são eles que são delapidados e gastam verbas a quem não representa qualquer mais valia para a industria do espectáculo desportivo.

    Eu sabia qual era a opinião e posição da anterior direcção do Sporting sobre estas comissões, não sei qual é a da actual direcção, mas principalmente não faço a menor ideia qual é a opinião dos nossos parceiros. Neste assunto os outros clubes são nossos parceiros (e nós deles), não são nossos adversários. Continuo a achar absurdo o silêncio que existiu quando a anterior direcção expôs a actuação e custo dos serviços de intermediação, daí dizer que aparentemente para os principais interessados (os clubes) estas comissões não são um problema.

    Parece-me que termina muito bem, é preciso perseguir o rasto deste dinheiro.

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    1. Meu caro,

      O meu ponto não é a auditoria. O meu ponto é exactamente o seu último parágrafo. Não percebo bem o que os clubes têm a ganhar com estes negócios. Se é o que penso, então está mais do que na altura de se investigar muito bem como é que roda esse dinheiro.

      SL

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  3. Forense ou não parece-me que o que a actual administração do Sporting (da mesma maneira que a anterior) só quer é sacudir a água do capote e, talvez daí (quem sabe?), que a informação tenha sido passada à CS antes de o ser aos sócios do clube. Lamentável é-o nem que seja só por isso sobretudo para quem quer dar a impressão, sem se preocupar com demonstrações inequívocas, de querer unir esse mesmo clube. Temo que sucessivamente vão haver auditorias pelo senhor que se segue até que apareça um sem mácula. Importante é seguir e encontrar o caminho de eventuais fraudes mas, aí, temo que barreiras o vão impedir....
    Lamento para que não me insultem!

    SL

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    1. Caro Aboim Serodio,

      Respondo-lhe com o comentário que fiz a um post do Pedro Azevedo.

      O relatório de uma auditoria não se deixa à solta. Mais, qualquer auditoria deve originar um contraditório e só depois é que se elabora o relatório final.

      Os clubes são geridos por amadores, mesmo que se tratem de profissionais nos seus ofícios. Não é de agora e a direção anterior fez mais ou menos o mesmo. No fundo está a provar do seu próprio veneno. Quem perde é sempre o Sporting.

      SL

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  4. A rir a rir para mim são as 1:12 do dia seguinte e não procurei o post do Pedro Azevedo nem o seu respectivo comentário mas a verdade, concordo, é que é o Sporting quem perde!
    Comme d'habitude (título original do "a gente sabe que"!)

    SL

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  5. Segundo Marx a mais-valia é a diferença entre o valor do trabalho e preço pago pela força do trabalho. A mais-valia é, obviamente, apropriada pelos capitalistas. Nos negócios do futebol existem as comissões pagas pelo clubes que vendem (e por vezes pelos que compram) os passes dos trabalhadores (perdão, jogadores)aos agentes ou empresários de jogadores. Quanto maior é o valor da transacção maior é o valor da comissão ou será que quanto maior é a comissão maior será o valor da transacção? Quanto maior é o valor (futebolístico) do jogador, maior é o valor da transacção e da comissão. Quando o jogador não tem o valor que o clube vendedor acha que deveria ter, aumenta-se a comissão para o empresário poder valorizar o passe do jogador junto. O que faz o empresário? Manda o jogador a cursos de formação em Oxford, Harvard,etc? Não, com a comissão acrescentada (não confundir com valor acrescentado), persuade os compradores a pagar mais pelo passe. É muito simples, é esta a estratégia (ou táctica) do Slb de LFV. Não vale a pena estar aqui a enumerar os "barretes" que já foram enfiados por essa Europa fora. No caso do Alan Ruiz é a mesma táctica mas aqui é ainda mais pernicioso, pois é o clube comprador que paga as comissões para enfiar um grande barrete. Bem, no fundo é sempre o clube comprador que paga.Então mas as comissões foram todas para os agentes e empresários? Eu não acredito em Marx mas muito menos no Pai Natal.

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    1. Meu caro,

      "Quanto maior é o valor da transacção maior é o valor da comissão ou será que quanto maior é a comissão maior será o valor da transacção?"; está aqui tudo e não é preciso dizer mais nada.

      SL

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  6. Caro Rui,

    Parabéns por, no meio de tanto ruído, conseguir pegar no ponto essencial da auditoria. Não se percebe de facto o porquê do Sporting gastar tanto dinheiro com comissões de compra e venda de jogadores. Também não se percebe o porquê da imprensa se focar tanto em negócios de uns milhares de Euros e ignorar por completo o porquê de se 'investir' tantos milhões neste tipo de serviços...

    SL

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    1. Caro João,

      Não sei como é que com acionistas e empresas cotadas em bolsa, ninguém se dá ao trabalho de investigar isto. Não é um problema do Sporting. É um problema do futebol e de um conjunto de negócios que precisam de ser explicados.

      SL

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