A entrada rápida em jogo do árbitro, vamos designá-lo assim por comodidade, surpreendeu a equipa do Aves. O Mathieu e o Renan Ribeiro ficaram naquela situação do “vai tu, espera que vou eu”, intrometeu-se um pequenote que ganhou a bola e foi derrubado pelo nosso guarda-redes fora da área e a meio-caminho da linha de fundo. O comentador da SporTv, vamos designá-lo assim por comodidade também, deixou de ver pela sua própria retina e passou a ver pela retina que o árbitro lhe emprestou. O julgamento não podia ser mais claro: “lance de golo eminente” e expulsão do Renan Ribeiro. Horas e horas e dias e dias de treino, táticas de engonha, de provocação, de estacionamento de autocarro deitados ao lixo em quatro minutos. Os jogadores do Aves ainda procuraram fazer como se nada se tivesse passado, mas há sempre um problema de má consciência nestas circunstâncias: jogar contra menos um aumenta a responsabilidade e reduz o leque de desculpas.
Como sempre acontece nestes jogos contra adversários mais frágeis, a equipa do Sporting continuou com o início da construção de jogo a dois, com o Gudelj mais avançado relativamente aos centrais e sem se mexer, não proporcionando linhas de passe seguras e obrigando-os a avançar com a bola sem destino, a passá-la para o lado ou a esperar que o Wendell recue para a receber e encontrar uma nesga para correr com ela ou a passar a alguém para que se inicie o ataque. Com menos um, o Bruno Fernandes encostou à esquerda e, com o apoio do Acuña, constituiu-se a dupla Asterix & Obelix superior em número e em armamento ao acampamento romano do Aves. O Bruno Fernandes começou por ameaçar com um remate de fora da área, para um boa defesa do guarda-redes, seguido de um perigosíssimo lançamento lateral e de uma combinação com o Acuña que lhe permitiu o centro para o Luiz Phellype marcar de cabeça o primeiro golo. Enquanto isso, o árbitro e o comentador mantinham uma abordagem conceptual e analítica rigorosa, não se vendo o segundo amarelo nem se ouvindo qualquer explicação quando um jogador do Aves, vamos designá-lo assim por comodidade também, placou o Bruno Fernandes quando este se esgueirava para o ataque. Esse jogador manteve o mesmo registo na segunda parte e só o Inácio o conseguiu tirar de dentro de campo, à força (de substituição, entenda-se).
Mas, com o Sporting, o mais óbvio dos destinos nunca se cumpre ou cumpre-se por atalhos. O pequenote da expulsão recebeu a bola do lado esquerdo, correu com ela para o meio acompanhado pelo Gudelj que, pelo caminho, lhe deu um branca e abandonou a marcação, permitindo-lhe tabelar na zona central, aparecer isolado e ser derrubado pelo Salin, que saiu da baliza à maluca e fez esse favor ao adversários quando este se preparava para sair pela linha do fundo. “Penalty” e golo do empate do Aves. Estamos sempre condenados a ver a pedra escorregar pela ladeira abaixo para a ter que a transportar às costas até ao cimo. Desta vez, não demorou muito tempo a voltar a colocá-la onde estava. Falta a meio do meio-campo do Aves, constituindo os seus jogadores uma barreira compacta que, após um ligeiro franzir de sobrolho do Bruno Fernandes, debandam em pânico para a linha da sua própria baliza para evitar o golo, doença que tem vindo a ser classificada como Síndrome de Svilar. De uma forma ou de outra, o golo é sempre inevitável e a profecia cumpre-se a si mesma, sendo decisiva a precisão do remate do Wendell nas orelhas da bola que a leva direitinha ao pé esquerdo do Mathieu para lhe dar o destino adequado.
A perder por dois a um e a jogar com mais um jogador, o Aves sentiu-se na obrigação de retirar um dos seus cinco defesas e colocar um extremo, passando a assumir o jogo e a atacar de forma continuada. Atacar é uma simples forma de descrever os sucessivos passes (in)consequentes entre os defesas e os médios para conseguirem levar a bola até uma das laterais e lhe enfiarem uma biqueirada para dentro da área. O Coates e o Mathieu chegavam e sobravam para as encomendas, beneficiando ainda da preciosa ajuda do Derley, avançado centro, que aliviava quando os centrais não o faziam competentemente. Assim, nada de muito relevante aconteceu na segunda parte, com exceção dos últimos minutos. O Acuña isolou-se do lado esquerdo e rematou contra as pernas do guarda-redes. Mais tarde, arrancou com a bola e foi placado por um adversário à entrada da área, sem que tivesse sido marcada o livre (perigoso) e mostrado o segundo amarelo ao jogador do Aves, tendo o árbitro optado por lhe mostrar um amarelo por se ter levantado e esbracejado, enquanto vociferava qualquer coisa em argentino, que está para o castelhano como o português para o brasileiro. O comentador da SporTv criticou o irritante hábito do Acuña de se deixar derrubar em lances perigosos que podem levar à expulsão dos adversários e de não ficar satisfeito quando nada é assinalado. O Raphinha isolou-se e, depois de dominar a bola à Diaby, rematou contra o guarda-redes.
Estava-se naquela fase em que o Aves tirava os mais franzinos e metia os mais altos e gordos, quando o Bruno Fernandes resolveu cumprir uma promessa qualquer que tinha feito ao Bruno Lage. O Ristovski enfiou uma bica na bola para dentro da área e o Bruno Fernandes fez de Jardel e voou sobre os centrais, rodando o pescoço a preceito e de forma a acertar na bola com a cabeça no momento certo e fazendo-a entrar na baliza sem defesa possível, diversificando o seu portefólio de golos. Pensava-se que tudo estava acabado, mas o jogo não se podia concluir a não ser da mesma forma como se tinha iniciado. Depois de uma chapada no Coates, à qual o árbitro fez vista grossa, o Derley marca o segundo golo (que foi anulado pelo VAR). Revistas as imagens, o comentador começa por afirmar que a chapada não era clara para, perante as evidências, concluir mais tarde que era subjetiva. Quando enfardava um par de galhetas da minha mãe enquanto me dizia que lhe doía mais a ela do que a mim, não a compreendia. A chapada era objetiva e mais objetivo ainda era o latejar das bochechas e o tom vermelhusco que assumiam. Afinal ela tinha razão. As chapadas sempre podem ser subjetivas e a dor tanto pode ser de quem as dá como de quem as leva. As chapadas podem ser atos de amor e dadas de luva branca. Não interessa a literalidade, mas a metáfora. Anos e anos a recalcar e a sublimar, para chegar a este tardio entendimento. Um abraço ou uma chapada, tanto faz, ao comentador da SporTv pela redenção proporcionada.
Excelente texto! Vivam as segundas-feiras!
ResponderEliminarAgora já posso voltar ao trabalho...
SL
JHC
Meu caro,
EliminarObrigado. O trabalho prejudica o futebol mas o contrário nem sempre é verdade.
SL
Sempre a preceito...estava a ficar preocupado o fds estava alongar-se :). Felizmente tenho apanhado no "Inácio" um link que transmite os jogos só com som ambiente do estádio SL
ResponderEliminarObrigado. Conforme se vai assistindo ao jogo, os comentários vão-nos deixando mais e mais irritados. No final do jogo, quando ganhamos, essa irritação é compensada pela azia que se pressente do outro lado.
EliminarSL
A Sport Tv tem 3 modalidades de subscrição, todas Premium, pois claro. Começa pela Sport Tv Premium, com 5 canais mas sem HD, a seguir, com uma sobretaxa, sobe-se para o HD e com uma sobretaxa adcional tem-se o MultiScreen. Faz lembrar o IMI e o adicional ao IMI e ainda há o imposto de selo. É extraodinário! Eu até pagaria, de bom grado, um impostozinho de selo para ter o som ambiente dos estádios mas sem ter que ouvir os patetas dos locutores e comentadores, assim ficaria HD e Hi-Fi.
ResponderEliminarEu que, a partir de amanhã, passarei dum teclado AZERTY para um QWERTY gostaria de comunicar o que me foi muito recentemente comunicado mesmo se ainda não faça uso. Chama-se IPTV e parece que se pode ver tudo. Por agora é ainda em livestreaming que vou vendo o que quero. Ou, melhor, o que vai acontecendo em estádios portugueses.
EliminarO Soares Dias não teria assinalado uma Rojadirecta a nenhum outro GR a actuar em Portugal sobretudo se fosse espanhol. Mas já estamos habituados.
Hasta mañana!
SL
Uma da dificuldades que todos os anos encontro com esse teclado é a cedilha. Se um dia me lerem que "mando à caca" o futebol português foi por não ter encontrado a cedilha!
EliminarMeu caro Toujoursvert,
EliminarO negócio da SporTv assenta no fanatismo clubístico e o suposto efeito aditivo que gera ver jogos do campeonato nacional. Os jogos são uma chatice. A SporTv em vez de criticar par elevar o nível, procura encontrar uma narrativa que confira lógica e sentido ao que vemos. No meio disto tudo, ainda temos os comentadores de camisola do seu clube vestida.
SL
Caro Aboim Serodio,
EliminarEste vermelho só é possível a um jogador do Sporting. Quando era o Baía, valia tudo.
SL
Caro Rui,
ResponderEliminarDe todas as crónicas que leio, as suas não têm igual. Fica dito o que havia para dizer e sobretudo, de forma muito inteligente. Património do Sporting.
Agradecido,
André
Obrigado André. Volte sempre.
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