terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Ir a Fátima de joelhos

Este jogo era decisivo para testar a estratégia definida na Assembleia Geral do passado sábado. No domingo os resultados foram logo muito positivos. As televisões não efetuaram a habitual cobertura da conferência de “pre-match” do Jorge Jesus, dispensando-se os jogadores de ficar a saber que ou são uns autênticos pernetas, devendo-se contratar outros, ou se jogam alguma coisa foi por que o treinador lhes ensinou, ficando eles e o Sporting eternamente gratos por este projeto solidário de melhoria da aprendizagem ao longo da vida.

Nestas circunstâncias a moral dos jogadores só podia estar em alta para o jogo de ontem, apesar do treinador do Tondela os avisar que a sua equipa estava a preparada para lhes ir às canelas, embrulhando esta ameaça na conversa da intensidade e das transições. O jogo pelo jogo está reservado para o Benfica, detestando os restantes adversários e, especialmente, aqueles que também são adversários do Benfica.

Não há respeito nenhum pelo futebol. Entre o trabalho e o futebol, o capital ou os proprietários dos meios de produção tramam-nos sempre. Na luta de classes, a atual Direção do Sporting ganha ao grande capital e, em retaliação, o grande capital esmaga o operariado sportinguista, também conhecido por mexilhão. Enquanto decorria o jogo, estava assim como um bivalve em lata com rodas a caminho de Lisboa na companhia de três portistas que iam ouvindo o relato com magnanimidade e o paternalismo de quem está em primeiro e fez o que tinha a fazer no fim-de-semana.

A primeira parte foi toda relato, mas na minha cabeça passaram os jogadores e as jogadas como se as estivesse a observar, conhecendo como conheço esta equipa e o futebol que pratica. Entrámos a encanar a perna a rã entre o ataque posicional e as transições, ofensivas e defensivas, só que o Tondela não estava para brincadeiras e quando um seu avançado tinha fechado os olhos e chutado em direção ao Rui Patrício apareceu desembestado em carrinho o Mathieu fazendo com que a bola tabelasse nele e ganhasse asas até à baliza. A perder por um a zero, deixámos a fase que o Gabriel Alves classificava e muito bem como de estudo mútuo e entrámos na fase do “vamos a eles como tarzões”. É a fase em que se joga mais com o coração do que com a cabeça, com exceção do Bas Dost que nunca a perde ou a troca por qualquer outro órgão pois é com ela que marca golos. Centro do Acuña e o Bas Dost a perceber que o guarda-redes era um passarinho antes do passarinho, perdão, guarda-redes, se fazer de passarinho e voar para a bola em grande estilo, deixando-a passar por cima. Voltávamos à casa de partida, retomando-se a possibilidade de vitória sem coração como manda a ideia de jogo do Jorge Jesus.

As vítimas do centralismo democrático nacional sabem que uma ida a Lisboa também é um pretexto para se jantar no Rui dos Leitões. Encontrámo-lo fechado (fecha à segunda-feira e, portanto, deve-se ter todo o cuidado no agendamento de reuniões em Lisboa para que não sejam completamente infrutíferas). Jantámos no Albatroz que fica na mesma rua, um pouco mais acima. Preparámos a reunião do dia seguinte durante o jantar. Entre olhar para o computador e os papéis, estar atento para não me limparem as partes do leitão que mais aprecio, atestar o prato de batatas fritas e salada e enfardar tudo acompanhado de um espumante marado enquanto falava, só tive oportunidade de ir vendo o jogo de esguelha que passava numa televisão minúscula.

Só nos últimos dez minutos é que tive oportunidade de ver o jogo descansado. Quando se está a jogar com dez e em risco de não ganhar o jogo e perder o campeonato, a ideia de jogo do Jorge Jesus prevê que o Coates avance e se passe ao mundialmente conhecido “chuveirinho”. Numa dessas jogadas intensamente trabalhada nos treinos, a bola pingou da cabeça do Bas Dost para o Doumbia rematar, antecipando-se de imediato o Ricardo Costa para evitar que lhe anulassem mais um golo e procurando-o fazer pelos seus próprios meios de forma razoavelmente incompetente, acabando por ser o Coates a finalizar, desculpando-se assim o mau serviço prestado pelo defesa do Tondela.

Os três companheiros portistas ficaram subitamente furiosos. Era uma vergonha, diziam eles. Não se via uma coisa destas desde os tempos do guarda Abel e das quinhentinhas. Não lhes dei toda a razão. Para ser como nesses tempos, então o golo devia ter sido marcado pela mão do Vata aos cem minutos. Enquanto seguíamos viagem um amigo mandou-me a seguinte mensagem de WhatsApp: “Vais a caminho de Fátima? Vemo-nos lá. Devo demorar mais tempo, pois vou de joelhos”. Não parei em Fátima, mas devia.

12 comentários:

  1. ahahahahahahahah
    Dizia o ordinário do André Ventura que era o maior roubo desde o Calor da Noite, hipocrita !
    Mas o gajo que mais gostei de ver foi esse impoluto jornalista José Manuel Freitas. Impagavel.

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    1. Meu caro,

      Está proibido de ouvir essa gente e de ver esses programas. Não se esqueça. É pena. Esses rapazes são uns pândegos.

      SL

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  2. Muito bom! O post e o resultado! SL
    jhc

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  3. Não há um sacana de um jogo em que os corruptos não estejam a ganhar que acabe antes dos 96'. Pois se toca a nós é caso nacional. ..
    A hipocrisia é tão tuga como o caldo verde ou o pastel de bacalhau, tenho dito...

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    1. Meu caro,

      Chama-se a isso Projecção Freudiana. É má consciência. Sabem que com eles é assim. Ninguém me tira da cabeça que o Capela estava a ver se ainda perdíamos o jogo. Vou ver se me lembro de escrever um "post" sobre isto.

      SL

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  4. Caríssimo Rui:
    Os seus posts, em conjunto com os do Rogério Casanova, e com os memes do JJBoçe, são das melhores coisas para amenizar um dia que me podem dar (embora parar em Coimbra para comer no Rui dos Leitões,eeehhhh, há melhor!).
    Escrevo aqui e agora porque lhe queria chamar a atenção para um facto assombroso:
    - na Tribuna Expresso (não sei se tem acesso) aparece um vídeo do Duarte Gomes, esse Sir Galahad da arbitragem portuguesa (retired...) em que ele consegue:
    - criticar o Capela porque diz que deu tempo de descontos a mais, por estar cansado e sob pressão;
    - dizer que os "grandes" são mais beneficiados porqe atacam mais;
    - no fim, e aqui "a cerveja no topo do bolo", aconselhar os árbitros a fazerem como ele fazia, embora reconheça que por vezes também errou (não diga, errou? Nunca demos por isso...): para o cronómetro se houvesse lesões ou paragens por anti-jogo nos descontos, para que o tempo efectivamente jogado nos descontos fosse o que tinha dado...
    Calam! Respirar fundo...
    Vamos lá ver: o Capela errou porque deu descontos a mais... OK!
    Devia parar o cronómetro, na opinião de Sir Galahad... OK!
    Porque o jogo foi parado aos 3 minutos e 40 dos descontos... OK!

    Deu tempo a mais... Ok? Não, nada OK!
    Vamos lá ver:
    - foi parado aos 3.40 dos descontos. Check!
    - esteve parado 2 minutos e 34. Check!
    - ou seja, como o relógio da TV não parou, recomeçou aos 6.14. Check!
    - se o Capela (e até me parece que ele faz o gesto de parar o cronómetro) deu os 2.34 de paragem, o jogo deveria acabar aos... 8.48!
    Certo, Duarte Gomes? Certo?
    É aritmética, meu? Onde fizeste a primária?
    Olha, o golo foi aos 98.01 em tempo corrido. Ainda faltavam trinta segundos, meu camelo! Pela tua teoria!!!!!

    Esta malta...

    Grande Abraço,

    José Lopes

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    1. Caro José Lopes,

      O tempo de jogo não são os 90 minutos mais o tempo de desconto. O tempo de jogo é de 90 minutos, podendo o árbitro prolongá-lo quando se revelar adequado face às interrupções que não decorram do jogo e que são extraordinárias. Como esse prolongamento não tinha critério, passou-se a indicar o seu tempo. O tempo de jogo nunca deixou de ser os 90 minutos.

      O Duarte Gomes argumentou com base neste entendimento só que percebeu que o raciocínio o levava à conclusão inconveniente. Como não podia voltar atrás, conclui o contrário do que devia ter concluído.

      SL

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  5. Viva, mais um excelente texto, e partilho o comentário acima no que diz respeito aos seus textos e os do Rogério Casanova.
    Quanto ao jogo, ficou provada mais uma vez a minha teoria, que contra equipas pequenas não é preciso tácticas nenhumas, os nossos jogadores são melhores, por isso, é meter a bola lá na área e mais tarde ou mais cedo ela acaba por entrar. A meu ver, contra equipas deste nível, deveríamos começar o jogo como se estivessemos nos descontos e empatados - que se acabe de uma vez por todas com este jogos de andebol à entrada da área.
    Abraço e saudações leoninas

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    1. Meu caro,

      A comparação com o grande Rogério Casanova é muito lisonjeira.

      Estou de acordo consigo. Que interessa andar a passar a bola de uns para os outros e cheios de táctica quando se acaba à biqueirada para a frente e fé em Deus? É verdade que segundo o JJ estas biqueiradas e o avanço do Coates são treinadas.

      SL

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  6. Este é dos melhores álibis que já li para alguém se safar de um processo disciplinar por ter visionado um canal proibido. Parabéns!

    "Entre olhar para o computador e os papéis, estar atento para não me limparem as partes do leitão que mais aprecio, atestar o prato de batatas fritas e salada e enfardar tudo acompanhado de um espumante marado enquanto falava, só tive oportunidade de ir vendo o jogo de esguelha que passava numa televisão minúscula."

    Sobre a polémica dos descontos... até aos 98 min tive a nítida sensação que o animal do Capela queria estender o jogo até o Tondela marcar o segundo. Principalmente depois do JJ ter reforçado a frente de ataque com 5 jogadores (o Se, o Ba, o Co, o A e o Tes), deixando na defesa apenas um central, um lateral e um redes, a dupla Patriccini e o Pepa ter substituído os seus avançados pela grelha de partida do MotoGP.
    Depois aos 98min + 01seg, lembro-me de andar a correr e saltar pela casa fora como um Carvalho na bancada e perdi a noção do tempo... Os teus amigos devem ter ficado furiosos porque chegou a conta, pensa lá bem, eles que estavam tão satisfeitos a ver os contra-ataques do Tondela minutos antes...

    Outras notas soltas, nesta altura do ano em Coimbra o que se come é arroz de lampreia ou de míscaros, a experimentar nos próximos álibis, leitão é durante todo o restante ano. No Albatroz como uma posta mirandesa de categoria, mas isso sou eu que moro em Coimbra e preciso, de vez em quando, de desenjoar do leitão.

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    1. Meu caro,

      Gosto de leitão, mas tanto já enjoa. É preciso arranjar alternativas. O Rui dos Leitões tem a vantagem de não se ter de fazer grande desvio para quem vai para Lisboa.

      Também penso que o Capela nos queria tramar. O nosso meio-campo e defesa eram autênticas autoestradas. Só que os jogadores corriam muito mas não sabiam muito bem o que fazer à bola.

      É verdade. A conta estragou-lhes a noite. A verdadeira e a outra, que não deixa de ser verdadeira também.

      SL

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