Recorda Javier Marías, no seu “Selvagens e Sentimentais – Histórias de Futebol” que “antigamente, chutar, o que se chama chutar, todos sabiam fazer, desde o 2 até ao 11. Uns melhor e outros pior, mas todos decentemente quando a ocasião o impunha. Em certo sentido era a base prévia ao básico do jogo. Até no recreio do colégio: alguém que atirasse a bola sempre por cima da rede – uma bola era cara – simplesmente não jogava". Esta absurda evolução recente que faz com que equipas e jogadores não saibam chutar "só pode dever-se a uma coisa: a que os treinadores limitam já tanto as funções e a especialização de cada jogador [desde muito novos] que não vêem inconveniente em que seis ou sete não façam a menor ideia do que é atirar à baliza”.
Nos avançados saber chutar é, por maioria de razão, quase… tudo. Reza a lenda (Caretas do Sporting, 2007) que, na estreia de Peyroteu pelo Sporting, o treinador Szabo chamou-o à parte e disse-lhe “Não esquecer principal papel dê avançado-centro, caréga Maria!”. No requintado dialecto do húngaro, “caréga Maria” significava marcar golos. E Peyroteu carregou. Marcou dois dos cinco golos da vitória leonina sobre o Benfica (5-3) nessa primeira tarde de glória nas Salésias. E, depois, continuou a carregar. 635 golos em 393 jogos...
Hoje, os tempos são outros. Nestes dias de tempestade, Paulo Sérgio (neste caso, mais vítima do que réu), a 15 minutos de mais um dramático final de jogo, decide, desesperado, lançar mais um avançado: “Tenho que fazer qualquer coisa! Ora, bolas, dum lado chove, doutro faz vento.” – pensa, enquanto sorteia quem, de entre Postiga, Djaló ou Saleiro, irá, de seguida, fazer entrar em campo.
Lembrando as suas raízes alentejanas, toma, então, a decisão: “Calhando, vinagre no deserto, é vinho de três anos. Vá lá, Postiga, desta vez, saiu-te a ti! Pranta-te pronto, tu vais resolver isto! És manilha para isso! Força, salta pró terreiro e vê lá se t´aguentas nos calções. E, se não puderes ajudar, atrapalha. O que importa é participar!”
Sem comentários:
Enviar um comentário