quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

A tropa não é para menino(a)s

“Não, não vais rematar daí?! É estúpido, nem o Ronaldo ou o João Félix, não sei bem como é que se chama. Se marcasses, valias o total das imparidades da Caixa Geral de Depósitos!” 

Dia comprido e feliz. Reunião em Leiria, com almoço no Carloto, metros à frente do Regimento de Artilharia de Leiria, onde cumpri grande parte do Serviço Militar Obrigatório (SMO). À mesa, descubro, do meu lado direito, um camarada de armas, que cumpriu o SMO um ano antes e fez a recruta em Vendas Novas como eu. Contamos histórias desses tempos, ele mais bem informado e documentado, descobrindo que ambos fazíamos parte da Brigada de Aquisição de Objetivos, constituída pelos mais corajosos, aqueles que, durante a Guerra do Vietname, tinha uma esperança de vida que não chegava a dez minutos depois de iniciado o fogo de artilharia (porque o inimigo sabe que estes homens são os olhos da artilharia e constituem os primeiro alvos ou porque são vítimas de fogo amigo quando a mira está mal apontada ou os da balística não fazem os cálculos como deve ser). Descubro que o meu comandante de Vendas Novas era o atual General Rovisco Duarte, ex-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. Percebi melhor como é que foi temperada a coragem e o sentido de liderança de que sou feito. 

Regresso a casa embalado por um relato onde se fazia coro com os benfiquistas que estavam no Estádio da Luz: “[qualquer coisa] João Félix”, “João Félix para a esquerda”, João Félix para a direita”, “João Félix a ler o último romance de Rodrigo Guedes de Carvalho”, “João Félix a jogar PlayStation”, “João Félix beija a namorada enquanto sub-repticiamente faz deslizar a mão direita por baixo da sua camisola”. Nem quando da criação do Universo, Deus esteve em tanto lugar ao mesmo tempo a fazer tantas e tantas coisas. 

“Espera lá: a trinta metros da baliza e o guarda-redes está a construir a barreira com seis jogadores! Chatice, saiu um. Espera, espera, o guarda-redes está encostado ao outro lado da barreira para tentar ver a bola. Já lá mora!”. Continuo a ver o jogo a partir deste exato momento de regresso a casa. Está a acabar. “Golo! Golo! Bem me parecia, foi um momento Vítor Baia”, lembrando-me dos tempos dourados do Canal Caveira, do Calor da Noite, da fruta e do apito, quando se considerava que o seu ponto forte era o espaço aéreo, como hoje se diz, até ir para Barcelona e vermos os catalães a cantar em sua memória: “foi um toiro que o matou, num dia de infelicidade”. Os comentadores apressaram-se a explicar-nos que não se tratou de um golo anulado porque o árbitro apitou antes de a bola entrar, detalhe absolutamente decisivo para se compreender o que se tinha passado e o que não se poderia passar a seguir, atendendo à entrada de carrinho do árbitro sobre o VAR, cortando o lance pela raiz. A esta explicação acrescentaram outra logo a seguir, sobre a necessidade do VAR verificar se o Coates tinha agarrado uma camisola fora ou dentro da área, ou fora da área mas continuando dentro da área ou na Zara do Colombo, saindo sem pagar. Acabado o jogo, rebobino a cassete melhor do que um Sargento de Dia em Tancos. 

Relativamente ao jogo anterior, passámos a jogar com mais um e o Benfica com menos um (o Sálvio), apesar de se manter a desvantagem numérica, dado continuarem o Gudelj e o Bruno Gaspar. O Marecl Keizer alterou o posicionamento da defesa na saída da bola, abrindo mais os centrais e não permitindo que um só jogador do Benfica pressionasse dois ou três de uma vez só. No entanto, o Gudelj teve de recuar mais e o Bruno Fernandes também para preencherem melhor a zona central que, com o afastamento dos centrais, se podia transformar no Deserto de Atacama. Obrigado a jogar mais recuado o meio-campo por esta razão, o Wendell ficou entregue à sua sorte, enquanto tentava pressionar sozinho ou mal acompanhado cerca de meia equipa do Benfica quando tinha a bola. 

Sem tantas perdas de bola na zona central, o Benfica deixou de ter plano de jogo. Não tinha plano de jogo mas tinha o Gudelj do outro lado, que é uma outra forma de o ter não o tendo. O Gudelj abordou com a convicção do costume uma bola pinchona, tirando da jogada o Ilori que se preparava para a afastar e isolando o Salvio (não estou a brincar, estamos a falar do Salvio que todos conhecemos). O Salvio meteu a cabeça no chão e correu até aonde a vista alcançava e, ao esbarrar em alguém, passou a bola a um colega que estava à entrada da área para se atrapalhar com ela e o Bruno Gaspar, o inevitável Bruno Gaspar, e a passar para o lado onde apareceu um outro colega que se tinha começado a desmarcar pelo meio mas ainda a tempo de voltar para trás na rotunda da circular externa da defesa do Sporting, fazendo uma manobra perigosa, não originando por milagre uma colisão com o Jovane Cabral que vinha a travar prevendo o perigo. Passado o perigo de colisão, fechou os olhos aliviado e desfez-se da bola com força, numa atitude pouco correta que por pouco não ia acertando no Renan Ribeiro com consequências graves para a sua saúde. A primeira parte foi o desenlace deste súbito (des)congestionamento de trânsito e o João Félix. O João Félix invariavelmente recebia a bola, alçava ligeiramente o rabo, até o adversário lhe tocar, e efetuava um salto encarpado para a frente resultante do impulso da sua libido descontrolada, culminando, assim, com a sensualidade necessária o lance. O público assobiava os jogadores do Sporting, só apetecendo dizer: “vai lá tu fazer melhor!” (Imagino a sequência destas imagens que o Porto Canal irá fazer um dia destes até o rapaz, infelizmente, se transformar no Neymar de Carnide). 

Na segunda parte, entrámos um bocadinho (pequenino) melhor e quando estávamos na nossa melhor fase levámos um (auto)golo às três tabelas. Depois de se verificar que o golo não tinha sido do João Félix, mas autogolo do Ilori, o comentador não deixou de explicar que mesmo assim resultava do alcance estratégico da jogada. Ninguém se riu e o jogo continuou. Entraram uns do Sporting e outros do Benfica, saindo outros tantos do Sporting e do Benfica, e o resto todos sabem. No final, o Benfica marcou dois golos e teve mais duas oportunidades (cabeceamento do Rúben Dias e remate ao lado do Grimaldo) e o Sporting marcou dois golos e teve mais duas oportunidades (dois remates do Wendell ao lado) ou marcou um golo e teve mais três oportunidades, no entendimento do árbitro e dos comentadores. Em Alvalade há mais um dia destes.

14 comentários:

  1. O comentador da RTP bem tentou, por 2 vezes, fazer do João Félix o autor do 2º golo, mas o António Tadeia, que não devia ter bebido tanta pinga ao jantar, não lhe deu crédito, e ele lá teve de tirar aquela ideia da cabeça.
    Teve depois outro ataque de "facciositis acutus" tentando que a falta do Coates fosse dentro da grande área, mas mais uma vez lá teve de se acalmar depois da 10ª repetição, quando viu que nenhuma das câmara no estádio lhe mostravam o que ele queria ver.

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    1. Caro Vítor Hugo Vieira,

      Ver o jogo como vi, depois de ele se realizar e em diferido permite-nos descobrir pérolas espantosas como as que descreve.

      Há um certo jornalismo avençado, à falta de melhor opinião. Na RTP é um pouco diferente. É daqueles que têm calendários do Benfica. É mais ternurento, por representar o país de antanho quando não se era bom chefe de família sem se ser do Benfica.

      SL

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  2. Boa composição, parabéns.
    Vi o jogo pela transmissão da SportTV, realço o diálogo entre relatador, Ricardo (ex-guarda-redes do Sporting e da selecção, que também defendia penaltis e sem luvas) e Simão Sabrosa.
    Foi engraçado ver o Ricardo referir que o contacto de Svilar com Bas Dost (que saltou primeiro, mais alto e chegou primeiro) ocorreu fora da área de protecção do guarda-redes (pequena área), indicando que ali o guarda-redes está exposto e pode haver contacto, para depois terminar, com a insistência do "Simãozinho" na irregularidade do lance, "mas é falta, é falta", por acabar por concordar com ele.
    Provavelmente veio-lhe(s) à memória aquele lance do Luisão que saltou e chegou em simultâneo à bola com o Ricardo, e lhe tocou no braço impedindo-o de socar a bola, dentro da área de protecção do guarda-redes, numa falta por assinalar que ditou uma derrota à beira do fim do jogo e do campeonato, nos tempos da 1.ª época de Peseiro em Alvalade, a uns escassos dias de perder em casa com o CSKA de Moscovo a final da Liga Europa.
    Em vez de manter o seu raciocínio, axandrou-se, e no entanto ele estava correcto, com medo de perder a razão na defesa da sua própria (e antiga) causa.
    São assim as regras no futebol português, mudam consoante a cor (quente ou fria) da camisola, e não só dentro de campo, como nos canais amplificadores de cartilhas...

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  3. Aquele jogo/treino valeu pelo golo de Bruno Fernandes, esse sim craque sem propaganda. João Felix ainda acaba como o Zé Gomes. Ali no toupeiral dão um pontape na Lage nasce uma "estrela".

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    1. Caro João,

      Já esteve mais longe de acontecer ao João Félix. O rapaz só está preocupado com ele e a jogar para a fotografia. Não tarda nada, à primeira derrota, para ser mandado para as galés remar com os outros.

      SL

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  4. Eu também vi o jogo pela RTP, percebeu-se logo que o relator era lampião enquanto o António Tadeia, mais inteligente, será, apenas, adepto do Slb.Ainda dei uma espreitadela à SportTv mas, ao ouvir a voz histérica do Rui Pedro Rocha, voltei de imediato à RTP. A escolha era entre o encarnado e o vermelho. Mas o melhor canal é a CmTv não tem uma cor clara e inequívoca, o que interessa é contar anedotas. Ontem, no Liga d'Ouro dizia-se, com um ar sério (no Brasil dir-se-ia com cara de pau), que o Slb tenta proteger João Félix dos elogios rasgados da CS e que, nomeadamente, faz tudo para o menino não ver as capas dos jornais desportivos. A minha grande dúvida existencial, o que chamar a estes jornalistas, atrasados mentais ou submentais?

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    1. O Tadeia é lagartão empedernido, ou fanático. Como quiserem.

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    2. Meu caro,

      Lembro-me do António Tadeia quando apareceu a fazer comentários na TVI aos jogos do campeonato de Espanha que eram transmitidos no mesmo canal. Na altura foi uma grande novidade e com isso fez-se jornalista.

      Normalmente é ponderado e não se estica muito. Diz o que tem a dizer mas sem grande controvérsia e de forma neutra. É verdade que hoje tem muito pouco interesse, muito longe do interesse que suscitou há muitos anos atrás.

      SL

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    3. O Tadeia ficou-me marcado num jogo do Sporting em Kiev para a Liga dos Campeões, na RTP. Dizia ele que só havia uma baliza, e era a do SCP, augurando desde o princípio um golo iminente e uma derrota inevitável.
      Resultado final, o Sporting marcou primeiro, deixou-se empatar e quem marcou o golo da vitória forasteira? O improvável Polga.
      O melhor foi ouvir o Tadeia a engasgar-se nos seus prognósticos: não havia necessidade...
      Até pode ser Sportinguista, mas é dos que disfarçam.

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    4. Já agora, outra boa do Tadeia: final da Taça de Portugal 2016-2017, debaixo de chuva, em que o SLB jogou com o Vitória Sport Club, já depois de estarem em vantagem e penso que por dois, têm um ataque em que a bola sobrevoa a área, bate na barra e anda ali a rondar frente à baliza mas não há golo, por falta de eficácia.
      Comentário de Tadeia, que passou o jogo a elogiar a superioridade dos de Lisboa:
      "- O Benfica só não marcou porque não quis!"
      Acabaram por vencer pela margem mínima...

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  5. "Ninguém se riu e o jogo continuou."
    Peço desculpa ao Sr. Rui Monteiro, mas eu ri-me e muito, apenas na tentativa de exorcizar a vontade de atirar o comando à televisão, na esperança de que este atingisse os comentadores e fizesse ricochete nos árbitros (VAR incluído), de modo a que todos eles ficassem piores que ficou o Ristovsky!
    Cada vez disfarçam menos e mais despudoradamente.
    Havia de lhes crescer um furúnculo no cú, a eles e ao félix dos mergulhos (não lhe consigo vislumbrar futebol, porque o que fez em 180 minutos foi apenas andar a atirar-se ao chão, enquanto que para a CS é o deus na terra).

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    1. Meu caro,

      Eu também me ri para não chorar. O que achei divertido e por isso escrevi o que escrevi é que os próprios, comentador e relator, tenham levado a sério aquilo que tinham acabado de dizer. Só com elevado nível de abstração, ao nível da filosofia Kantiana é que alguém se lembra de falar na dimensão estratégica de um golo aos trambolhões.

      SL

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