quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

A banalidade da derrota


A propósito da leitura de “A Ordem do dia” de Éric Vuillard, ocorreu-me aquela expressão criada por Hannah Arendt, depois transposta para livro com o mesmo nome: A banalidade do mal. Por portas travessas de um cérebro cujo humor se acantonou há muito tempo, dei um passo ao lado para associar uma outra expressão: a banalidade da derrota: eis o Sporting actual.

Há muito tempo que afirmo a inexistência de uma cultura de exigência. Não confundamos com uma cultura de vitória, para isso são necessárias vitórias e um caminho: a tal cultura de exigência. Vertida do topo até se entranhar em todos elementos da estrutura. Gestão, planeamento, comunicação, definição de objetivos claros para toda a gente.

As conferências de imprensa de lançamento do jogo de domingo são paradigmáticas. O treinador do nosso rival afirmou que o jogo se tratava de uma final. Para ambos. O treinador do Sporting disse que o jogo não era decisivo. Pois não, para o quarto lugar não era. Imagino-o a sair da conferência de imprensa, com as mãos nos bolsos, calmamente, chegar ao dia de jogo ainda com as mãos nos bolsos, começar o jogo com as mãos nos bolsos, e, de repente, não perceber o que lhe estava a acontecer. Não percebeu na hora porque não tinha percebido antes.

Primeiro pensei: é uma conspiração de equívocos. Não, não era uma conspiração, os equívocos fluíam dentro de campo com a personalidade de um dogma. O Rui na posta de análise ao jogo segue bem essa trajectória em que o cozido à portuguesa invade o “Stamppot”, cujo culminar foi o jogo de domingo. O cozido à portuguesa é pesado. Toda agente sabe disso. 

Não se trata apenas de uma questão de identidade. Cada jogo, cada oponente, cada situação implicam uma estratégia, uma visão, às vezes, até, uma ideia, nem que seja pequenina, que germine um caminho. Essa adaptação é contínua e versátil. Mas nada disto importa sem a tal cultura de exigência. Ao escutarmos alguns jogadores, o treinador, os dirigentes, parece que nada disso estará no topo do bolo. Devia. Sem isso, a banalidade da derrota será uma realidade. E isso nota-se. Não haverá, no fim, nem bolo, nem gente para cantar os parabéns.

Nota: não ouvi as conferências de imprensa de hoje (ontem).

8 comentários:

  1. Caríssimo Gabriel Pedro:
    Obrigado pela sua, como habitualmente, serena análise.
    Gostaria só, se me permitir, de adicionar algum detalhe que poderá ajudar a clarificar a situação.
    Conheço, e trabalho, desde há anos, com holandeses.
    Temos que ver que, com a excepção de Johann Cruyjff, quiçá derivada dos seus longos anos a jogar em Espanha, não podemos esperar dos holandeses muitos discursos emocionais. Movem-se pela calma e racionalidade. Para um homem como Marcel Keiser, decerto a realidade é esta: "Cheguei há pouco, quase não tenho tempo para treinar, a equipa pode progredir se o trabalho for planeado e executado correctamente, talvez no próximo ano já possamos competir a sério, perder e ganhar são dois dos três resultados possíveis".
    Na verdade, nunca o ouvimos falar em ganhar nada, o Presidente é que, desde a campanha eleitoral (como todos os outros candidatos, à excepção de um), tem frisado o sonho e a possibilidade de ser campeão neste ano.
    Na verdade, as eleições, realizadas quando o foram, criaram uma armadilha de onde era difícil sair: candidato que disesse que nos próximos anos teríamos que ter paciência, e preparar-nos para atravessar um deserto, ao nível do futebol, era candidato derrotado de certeza. No entanto, ao dizer o inverso, quem ganhasse já deveria ter na cabeça que teria que começar a modular o discurso logo após as eleições (e que fácil era, bastaria referir as condicionantes de início da época, e a situação financeira do Clube) para moderar expectativas.
    Não o fez o actual Presidente, e tendo para mais sempre pronta a atacá-lo a falange do anterior presidente, sujeitou-se às consequências, que já está a sofrer.
    Para mais, com aconselhamento comunicacional pobre (não se pode ir para uma entrevista num cana generalista sem autorizar apenas perguntas pré-aprovadas, como o fazem todos os dirigentes e políticos, deixando-se enredar em hesitações sobre o dirigismo retrógrado, não querendo implicar o F C Porto, e fazendo considerações sobre o valor do plantel que, embora espelhando claramente a realidade, têm que ser guardados para consumo e raciocínio interno), o espalhanço acentuou-se.
    Para terminar, porque já me estou a alongar, sobra o mistério principal: a um uso inicial dos nossos jogadores jovens, e de um plano de jogo entusiasmante, o Sr Keizer virou o azimute para um uso exclusivo de jogadores comprados nas últimas épocas. O caso de Geraldes, que se vai de novo buscar, e se usa inclusivamente como bandeira das novas Gameboxes, e depois não joga, é paradigmático. Se algo se passa de estranho, estará a ser mal disfarçado. Se não, então as alterações produzidas são deveras incompreensíveis.
    Por aqui me fico. Espero ter ajudado.

    Um cordial Abraço,

    José Lopes

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    1. Meu caro,

      Obrigado pela sua análise. Também conheço alguns Holandeses e sei que, na sua maioria, não possuem dotes adivinhatórios. Não se trata de emoção trata-se de exigência e essa deveria vir de cima para baixo. Não se trata de conhecer uma dada "realidade" portuguesa mas de entender o futebol, se ele onde for.
      Não escrevi sobre a entrevista do Presidente porque foi um caso penoso, se calhar seria necessário um guião. Não sei se não faria falta também um para a presidência. A banalização (se quiser) da derrota é que não pode ser.

      Um abraço

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  2. Atravessar um deserto?! Não há desculpas para estar a sete pontos do Braguilha com este orçamento! O plantel não é tão fraco como dá jeito dizer. Era só trasladar estes jogadores para o Braguinha e ver o seu rendimento, como fez Jeffferson no ano passado. Não há desculpas para a incompetência. Não há desculpas para uma equipa defender tão mal. Haveria sim desculpas se o atual Sporting tivesse um orçamento muito mais pequeno que os adversários, o que não acontece.

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    1. Meu caro,

      Tenho cactos em casa, sei o que isso é.
      Tem razão quanto ao orçamento, e isso está relacionado com a exigência e a comunicação. Não é de hoje, creia-me. Mas não podemos tapar o Gaspar, o Gudelj, o André Pinto (entre outros) com a peneira. Nem o facto do Mathieu estar mais vezes indisponível do que o Mantorras. O problema é que andamos sempre com isto. Já andam a falar de anos zero. A banalização da derrota...

      SL

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  3. Se calhar temos de perder mais vezes com o adversário de hoje... Já levámos para tabaco de Portimonense, Braga, Vitória e Tondela e aparentemente ficou tudo tranquilo, talvez um ligeiro incomodo. Só uma derrota não é banal ou admissível, contra o nosso adversário de hoje. Infelizmente, o mundo está ao contrário e deviam ser as anteriores que não eram admissíveis, por ninguém ligado ao Sporting, seja qual for a sua nacionalidade.

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    1. Meu Caro,

      Falhar cada vez melhor também cansa. Principalmente quando nos dão uma mão.

      SL

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  4. Salin
    Bruno Gaspar, coates, Ilori, Jeferson
    Petrovic, Wendel, Bruno Fernandes e Acuña
    Raphinha, Phellipe.

    Equipa para ganhar, pelo menos para não ser goleada.
    João Balaia

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    1. Meu Caro,

      Não foi bem assim, nem bem assado. Podíamos ter empatado. Uma festa.

      SL

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