O campeonato português (não confundir com futebol português)
é uma criação artificial para os três grandes poderem competir. Cada década – digamos assim – lá vai tendo um quarto grande, mas o restante
é para encher. Como geógrafo (de formação) poderia avançar várias razões que
sustentam essa centralização primordial, mas não é esse o ponto principal deste
texto. Deixo, no entanto, dois exemplos que credenciam a competição do
campeonato português: recentemente o Aves recebeu o Feirense com cerca de 800
adeptos nas bancadas; o Belenenses SAD (é assim que se chama?) costuma jogar no
Jamor acompanhado de alguns observadores de pássaros e dois ou três reformados
da segurança social. A primeira liga é isso.
Isso, e a luta pelo poder. Nos anos oitenta do século XX,
com a democracia ainda a braços com a instrução primária, o FCP foi o primeiro
a ver mais longe as possibilidades de um profissionalismo a reboque da
cacicagem que por todo o lado proliferava, de mão estendida e sem rei nem
roque. Um tipo lê o Eça e o Camilo e consegue perceber bem o ninho disto tudo. Ainda
hoje os Super Dragões fazem algumas visitas sociais a estabelecimentos
comerciais de árbitros (e não só) para recordar esses velhos tempos. Foi nessa
altura que a dieta mediterrânea se projetou definitivamente através do consumo generalizado
de fruta.
O Sporting foi o primeiro a pagar as favas do consumo
exagerado de frutas (e algumas leguminosas), indo a banhos, sujeitando-se a
alguns internamentos para tratamento do fígado e da coluna vertebral, maleitas
que ainda hoje lhe causam náuseas e dores de cabeça. O Benfica chegou mais
tarde ao buffet, apercebendo-se que não era apenas desafiado como também derrotado.
Perigosamente derrotado. Depois foi ainda mais longe no conhecimento do “pensamento”
português, criando uma rede de esgotos que desagua (depois de tudo) apenas no leito
de Paulo Gonçalves. O homem tem costados largos.
No meio disto tudo, o Sporting, além das maleitas e
internamentos, divertia-se em querelas internas, entre viscondes, salvadores,
visionários, e seus seguidores. Tudo gente de bem. Ou Quase. Com as toupeiras e
emails, o vento mudou de feição, mais uma vez não nos calhando em sorte. O resto
são cantigas.
Basta atentar no jogo de ontem. Para além do nosso treinador
ter mudado o chip, o que até confundiu o herdeiro de Aécio, perdão, o herdeiro do
mestre JJ da táctica, Sérgio Conceição, percebendo-se que o nível de exigência
esbarra sempre numa desculpa qualquer, o que também saltou à vista desarmada foi
a dualidade de critérios que condicionou imediatamente o jogo, perpetrada por
um tipo do apito absolutamente medíocre, como se impõe. As sarrafadas são
sempre vistas em perspetiva dinâmica consoante as cores que os jogadores
vestem. A quantidade de vezes que o jogo é interrompido ao ritmo das faltas
assinaladas deverá constituir motivo de estudo e reflexão, principalmente nas
casas de pasto de referência.
Parafraseando (com algum exagero) um amigo meu que ontem
citei nos comentários: o Porto é um Tondela mais técnico e com melhor mercearia.
Sérgio Conceição é uma mistura entre Pepa e o Jaime Pacheco, mas com outra
pinta. É exagero, mas a escola do Paulinho Santos e arredores ainda dá cartas, através
da intensidade criteriosa, entre outros eufemismos, imposta pelo seu (herdeiro
do mestre da tácita) treinador. Ele que vá treinar o Sporting para perceber o
que é intensidade. Aposto que era logo campeão. E sem contratações, como o ano
passado fez no fêcêpê.
Extraordinário texto, meu caro
ResponderEliminarParece-me, todavia, que o motor de rega do sistema (esgotos e furtarias, desculpem, frutarias) não explica tudo. Alguns tiros no pé são da nossa lavra, e quando não se entra para ganhar não se ganha. Os jogadores no Sporting apenas têm direitos, muito poucos deveres e responsabilidades. Subscrevo o resto.
SL
Sem entrar no registo "viúva de BdC" estou de acordo com essa afirmação acerca dos direitos e "deveres" dos jogadores no Sporting. Quando dá para o torto entra-se em depressão em vez de exigência/motivação. Somos uns meninos.
EliminarObrigado Vidal,
EliminarMeus caros,
Tiros no pé e motores de rega do sistema iluminam a nossa passagem. what you gonna do about it?, parece-me
uma boa passagem...
SL
Excelente texto!
ResponderEliminarSL
Obrigado, meu caro
EliminarSL
É verdade que sim, o sistema de esgoto do futebol português recorre muito ao ambipur dos canais de propaganda para parecer mais vistoso que mal cheiroso, e fazer o cócó parecer mousse de chocolate, que alguns comem às colheres, mas depois temos um Clube que tem "medo" de se impôr, nem falo na valeta ou no fosso, falo dentro da caixa de colecta, com elencos onde abundam patudos pagos a peso de ouro (Pongolles, etc), e se vendem peças fulcrais à primeira oferta (Deivids, Monteros de mercados de Inverno, etc), prejudicando o plantel para amealhar uns euros que no fim das contas, com certas gestões, ficarão sempre a faltar nos relatórios e contas, mesmo entrando neles, vá-se lá saber como e porquê.
ResponderEliminarE é nessa ignorância (ou cegueira) que alguns se negam a distrinçar o trigo do joio, não da mão de obra, que é sempre discutível, variável e demora o seu tempo a perceber o volume de trabalho que representam, mas dos contratantes, uns muito mais acomodados (e forrados) do que outros (mais expostos e entregues aos "bichos", sem canais de serviço para acorrer e pintar a coisa).
Enquanto o Sportinguista for incapaz de fazer essa destrinça sem se deixar toldar pela desinformação dos propagandistas (internos e externos), e não perceber as evidentes diferenças no modus operandi das bombas e dos motores do Clube, os seus orgãos sociais, dificilmente se passa na mediania.
É que não sei se já perceberam, por vezes os cifões ficam entupidos, e não é porque a merda é muita do outro lado da 2.ª circular ou a norte do Douro. É porque só fazem borrada, enquanto desmantelam o Clube às peças...
* destrinçar
Eliminar* sifões
Assim se escreve em bom português. :P
Meu caro,
EliminarJá percebemos que não basta chamar um qualquer canalizador, ou picheleiro, como se diz por aqui. Às vezes temos que meter as mãos na massa. E ir em frente. Temos que ganhar.
SL