domingo, 4 de novembro de 2018

Ter ou não ter, eis a questão

O Sporting encontrava-se a dois pontos do primeiro classificado e despediu o treinador. O Santa Clara encontrava-se a quatro e não tinha despedido o treinador. A Associação Nacional de Treinadores de Futebol veio-nos dizer que nestas circunstâncias ganha quem mantém o treinador. É o é igual a eme vezes cê ao quadro do futebol. Como eu, o Varandas ainda acredita na teoria newtoniana do futebol: é sempre preferível treinador algum a um que mais parece nenhum. Como nos procuraram ensinar os habituais comentadores de futebol de sofá durante a semana, trata-se de um anacronismo procurar explicar a realidade como ela se nos apresenta hoje com base numa teoria do passado e (ultra)passada. 

O Varandas tentou arranjar alguém para fazer de treinador. Segundo nos informaram, contactou uns duzentos e cinquenta e oito treinadores. Uns porque tinham um casamento ou um batizado neste fim-de-semana, outros porque se tinham comprometido a estar em outros jogos, não foi possível arranjar nenhum. Como sempre acontece nestas circunstâncias em Portugal, alguém ligou a alguém para ver se arranjava alguém para fazer este biscate no fim-de-semana. O Manuel Fernandes tem um filho muito jeitoso, salvo seja, e simpático que se prontificou a fazer este gancho desde que não metesse o duplo pivô e não convocasse o Jéfferson. 

O rapaz jeitoso deixou o meio-campo entregue ao Battaglia e ao Bruno Fernandes: um para destruir e outro para construir. Pela primeira vez esta época, o Bruno Fernandes pôde construir de frente pra a baliza, deixando de andar a correr de um lado para o outro e a olhar de esguelha para a bola para ver se a agarrava depois de uma qualquer biqueirada da defesa, do Battaglia, do Petrovic ou do Gudelj. Do lado esquerdo da defesa, meteu o Lumor, o tal que era abaixo de assim-assim, e adiantou o Acuña, recolocando-o no lugar para o qual foi contratado e onde jogava. Têm-nos impingido uma teoria que procura demonstrar que quanto maior é a complicação melhor é a tácita e mais genial é o treinador. Estranhou-se, assim, a opção pelo óbvio. A pergunta ficou-me na cabeça mal o jogo se iniciou: o óbvio pode constituir uma tática? 

Os primeiros trinta minutos foram um pouco confusos. O vento atrapalhava de um lado e do outro: de um lado porque jogava a favor, do outro porque jogava contra; a bola ou andava de mais ou andava de menos. Atrapalhava o vento e um rabo enorme com duas pernas que ia terraplanando tudo e todos do lado esquerdo, até estropiar o joelho do Battaglia. Entrou o Gudlelj e fez logo o favor de entregar a bola a um adversário, permitindo, assim, uma bica para dentro da área que apanhou o Renan Ribeiro a passar pelas brasas e originou o golo do Santa Clara. 

O rapaz jeitoso tentou dizer alguma coisa ao Diaby, mas o Salin, embora saiba francês, não explica nada bem, como tinha ficado demonstrado com o Jorge Jesus, que continuou como se nada fosse (com ele). O rapaz jeitoso começou a ficar comichoso com a situação e mandou o Jovane Cabral aquecer. Bastou o aquecimento para a equipa começar a jogar melhor e, nos últimos quinze minutos, estivemos o tempo todo no meio-campo do adversário. 

No intervalo, o Diaby continuou perdido na tradução e entrou, para a segunda parte, o Jovane Cabral, que jogou encostado mais à linha esquerda, deslocando-se o Nani para o centro e continuando o Acuña do lado direito a massacrar o rabo enorme com duas pernas. Com uma calma olímpica e sem ataques de ansiedade no banco, continuámos a controlar o jogo e a empurrar o adversário para trás. O Bas Dost fez uma assistência para o Nani falhar num remate à meia-volta. Cheirava a golo. O Lumor, o Jovane Cabral e o Nani tabelaram no lado esquerdo até meterem a bola para o Bas Dost a encostar. O rabo enorme com duas pernas embrulhou-se com ele e fez “penalty”. O Bas Dost fez a paradinha e o guarda-redes também, acabando por ficar parado a ver a bola entrar. 

Logo a seguir, o Jovane Cabral enfiou uma bojarda de fora da área para grande defesa do guarda-redes. Voltava a cheirar a golo. O Lumor e o Jovane Cabral voltaram a combinar do lado esquerdo até sair um centro tenso ao segundo poste que passou por cima do rabo enorme com duas pernas e encontrou a cabeça do Acuña que a meteu lá dentro depois de um salto encarpado. Entretanto, o Santa Clara foi metendo uns calmeirões e desatou aos chutões para a frente a toda a sela. Os primeiros, foram mal calibrados, acabando nas mãos do Renan Ribeiro. Acertada a mira, as bolas começaram a ficar ensarilhadas à entrada da área com a defesa e o meio-campo cada vez mais recuados e acagaçados e quase a permitirem o empate num remate de fora da área. 

Continuamos a dois pontos da liderança e a não arranjar treinador. Ter ou não ter, eis a questão. Às vezes ter é o mesmo do que não ter e não ter chega a ser melhor do que ter. Não preocupa nada não ter, o que preocupava é quando tínhamos. Aliás, a preocupação dos benfiquistas é idêntica: têm e gostavam de não ter também. Têm uma boa pessoa com um excelente rácio nas competições europeias, como nós tínhamos. Como nós, preferem um treinador.

6 comentários:

  1. Pois lá está " Como eu, o Varandas ainda acredita na teoria newtoniana do futebol: é sempre preferível treinador algum a um que mais parece nenhum "
    Estou enternecido com a descoberta do País futeboleiro para os dotes fantásticos do Peseiro, começando pelo cromo da ANT, e do resto dos paineleiros com assento nas TV's, de repente era a ultima coca cola no deserto, afinal só íamos, e vamos, a 2 pontos do 1ª lugar. Ver Octávio a ter AVC's atrás de AVC's em directo dá-me um conforto estranho. Vocês sabem do que eu estou a falar.

    ps ; já me ia esquecendo da grande exibição da Isabel Trigo de Mira na TVI, no day after, durante 2 ou 3 horas, a defender com unhas e dentes, o "Zé".
    ps1 ; esperei em vão ver a Cinha Jardim após o 1-3, não apareceu !

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    1. Meu caro,

      De repente, os mesmo que diziam que não jogávamos a ponta de um caroço apressaram-se a explicar-nos que o Peseiro era um génio. A associação dos treinadores que viu o Peseiro ser despedido uma e outra vez nos últimos anos, lembrou-se agora de vir em defesa da honra. Vamos ver onde é que eles vão andar se despedirem o Rui Vitória.

      SL

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  2. a alusão ao 'Lost in translation' é genial! o Diaby a fazer anúncios ao 'Ricard' no terraço do Hotel Ritz...Ò, onde anda a rapariga do brinco de pérola?

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    1. Meu caro,

      Na época passada os diálogos entre o Jorge Jesus e o Doumbia intermediados pelo Salin eram geniais. Ontem, percebeu-se lindamente que o Diaby não fazia a mínima ideia do que lhe estavam a transmitir.

      SL

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  3. Passo por cá, de vez em quando, por que sei que vou rir. Excelente crónica, futebol com LUMOR.
    Estranho, depois de tantas peripecias, o Sporting estar a 2 pontos dos primeiros, nem o Peseiro conseguiu mandar-nos a caminho da Honra!
    A coisa ainda vai melhorar, JJ vem ai pelo Natal lá para o outro lado da segunda circular. Deve estar enganado, o limpinho-limpinho foi chãom que deu uva.
    No fim ganha a Alemanha, perdão o Pinto da Costa.
    SL

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    1. Meu caro,

      Agora também me ri. É como diz:"no fim ganha a Alemanha, perdão o Pinto da Costa". Tudo isto no Sporting mais o esbracejar do Vieira para o Ministério Público não se lembrar dele, é somente um interlúdio até o Porto voltar a ganhar tudo.

      SL

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