Recebo um email a pedir a divulgação do blogue “Estaleiro de Obras”. Começa assim (espero que o autor me perdoe): “Vocês são uns gajos inteligentes, escrevem muitíssimo bem e têm imensa piada [esta é a parte da graxa e só releva para a conclusão que se segue]. Epá, mas como é que vocês, perante tudo o que se passa, não soltam uma valente "caralhada" no texto? É que eu só por manifesto controlo não escrevo 14 páginas de asneiredo. Qualquer dia vazo uma vista com tanta contenção.” Esta prosa aguça o apetite de qualquer mortal. Fui ler o blogue.
Li autênticas pérolas: “Com mais em dois em campo e mesmo assim ainda nos expomos a ser desmontados como um Punto numa garagem da Reboleira”; “Por que raio está o Oliver a aquecer dentro do campo com o jogo a decorrer?”; “Aqueles cerca de seiscentos e sessenta e cinco metros quadrados de solidão, onde apenas pontificam o árbitro e dois adversários, a bola e o guarda-redes, são, para Marega, a possibilidade de ligar o pé às redes numa linha recta mais perfeita que os corriqueiros arremessos originados metros antes da linha de meio-campo, estilo de jogo que, em vez de apostar nas entrelinhas, valoriza as sobrelinhas aéreas. Quando ele respira fundo e começa a correr para a marca dos onze metros, subsiste apenas uma pergunta, que anula todas as outras e resume aquilo que todos parecem adorar no futebol: “Será que ele vai acertar na bola?””.
O que espanta no blogue é que os seus autores têm um fino sentido de ironia, independentemente de serem sportinguistas, benfiquistas ou portistas. Não sou daqueles que anda sempre a bater no peito e a dizer que os sportinguistas são diferentes, mas sempre admiti que nós tínhamos muito mais graça porque dominamos a autoironia. Dominamo-la porque não ganhamos e temos de saber lidar com isso. Não admitimos que um benfiquista ou um portista nos diga que o Jéfferson é um perneta, não por discordarmos mas porque, apesar de perneta, é nosso: quem melhor do que nós seria capaz de o qualificar como perneta? Um benfiquista não admite que o André Almeida seja um jogador polivalente porque joga igualmente mal em todas as posições.
A leitura do “Estaleiro de Obras” proporcionou-me uma epifania. Tem benfiquistas e portistas com piada (sportinguistas com piada não é novidade). É um oxímoro em forma de assim. É de leitura obrigatória. É de partilha obrigatória também. É para ler e dar a ler ao pai ou à mãe, ao namorado ou à namorada, ao marido ou à mulher, ao amigo ou à amiga, ao vizinho ou à vizinha, mesmo numa reunião de condomínio, se queremos fazer figura de inteligentes. Acompanha bem um pequeno-almoço com “cornflakes”, mas também umas papas de sarrabulho regadas com vinhão ao almoço ou ao jantar. Entranha-se sem se chegar a estranhar.
Até a poucas semanas desconhecia a existência do referido blogue.
ResponderEliminarNo entanto ao partilhar no "És a Nossa Fé" o link de um post sobre William Carvalho, fui logo criticado por dar a conhecer um espaço em que a linguagem (na opinião do crítico) remete aos energúmenos que invadiram a Academia. Nada que me demova de partilhar aquilo que acho interessante como o faço frequentemente com os textos que aqui leio, por amigos ou por outros blogues.
No caso do Estaleiro de Obras confesso que nem todos os posts são do meu agrado mas achei particular piada a este: https://estaleirodasobras.blogspot.com/2018/11/williamum-enorme-nojento.html
E já agora, excelente o seu anterior post(mais um) sobre Fernando Santos, caro Rui Monteiro.
SL
JHC
Caro JHC,
EliminarAntes de mais, obrigado pela referência ao "post" anterior. Gostei do que li, embora não tenha lido tudo. Espero não me ter enganado na referência.
SL
É de facto muito bom.
ResponderEliminarCaro Francis,
EliminarLendo o comentário anterior, fico mais descansado.
Não sou nem venfiquista nem porquista mas, apesar de sportinguista, confesso que não conhecia a palavra "oxímoro". Tive que me servir do meu velhinho Larousse (en couleurs) para me fazer uma ideia.
ResponderEliminarSerá que se eu juntar as palavras "destituido" e "fivelas" estarei a fazer um oxímoro? Ou continua a tratar-se de simples oxiúros?
Confesso-me "piadófilo" mas com uma criatividade ao nível do Zero absoluto. Nem sei quem foi Kelvin!
Fui ler o "Estaleiro de Obras" e gostei!
SL
Meu caro,
EliminarAinda bem que gostou. "Oxímoro" tem uma sonoridade magnífica. Antítese, contradição ou outro qualquer sinónimo não soam tão bem.
Quanto ao resto, o passado tem aquela coisa de se estar marimbando para nós. Não nos liga, não fala connosco e não há nada que possamos fazer para mudar isso. O presente também não existe propriamente. O presente é o instante, quando o é deixa de o ser no exacto momento. Sobra o futuro. É nele que nos devemos concentrar. É mais útil.
SL