A vida dá muitas voltas. Preguiçoso, como sempre, só me lembrei tarde e a más horas de me matricular no 10º ano. Quando o quis fazer, só restava a opção de Desporto. Acabei nessa opção. Deixei de ter um professor de ginástica para ter um professor de educação física. Durante dois anos, não tive um, mas dois; ambos vindos do Instituo Nacional de Educação Física.
Apesar de ser o pior aluno, obtive as melhores classificações da turma. Muito boas, por sinal. Não jogava nada de jeito em nenhuma modalidade. Corria com uma tartaruga, saltava como um sapo. Era bem pior do que qualquer uma das minhas colegas. Só que era um pouco “marrão” (um pouco “nerdy”, até). Não marcava um golo nas partidas de andebol, mas era capaz de descrever o que se devia fazer para esse efeito. Quando conclui o 12º ano, descobri, com espanto, que dispunha de habilitação suficiente para ser professor de ginástica no liceu.
A ideia que disponho do desporto enquanto ciência vem desses tempos. De aulas absolutamente ridículas, em que nos davam uma bola e nos punham a jogar ou nos punham a decorar as regras do voleibol. Esta impressão não melhorou com a chegada ao futebol dos professores. Primeiro, do professor Neca e, mais tarde, do professor Jesualdo ou do professor Queirós. Descobri que estes últimos eram ainda professores universitários.
Ontem, antes de me deitar, liguei a televisão e acabei por ver a conferência de imprensa do Sá Pinto. Os meus piores receios parecem confirmar-se. O homem quer ser professor de ginástica. Procura falar a novilíngua do futebolês nacional. Dessa forma tentou explicar a anarquia do jogo contra o Gil Vicente.
Vamos ver se nos entendemos. Não me parece que o Sá Pinto saiba o que está a fazer. Não tem mal nenhum. A maior parte dos treinadores, sobretudo os do campeonato nacional, não me parece que façam a mínima ideia também. O que se lhe pede é que não explique, nem a nós, nem aos jogadores, que estamos a jogar bem, quando estamos a jogar mal; que explique a racionalidade das opções quando as opções não têm qualquer racionalidade. É escusado continuar a debitar um conjunto de patranhas coladas a cuspe de uns apontamentos manhosos de um qualquer curso que frequentou.
O que se lhe pede é que seja treinador do Sporting. Ninguém o escolheu porque soubesse o que quer que seja de futebol. Escolheram-no porque os jogadores eram capazes de acreditar nele. Se se limitar a ser o que é, pode ser que chegue. Não tenho para mim certo que um treinador sirva para mais. Já vi de tudo no futebol, para ter as minhas mais sinceras dúvidas sobre a importância de um treinador saber o que está a fazer. Só precisa de fazer e estar calado.
Eu também acho, e já aqui o disse, que para mim um treinador pouco mais é do que o "feiticeiro da tribo". Se for mau, pode atrapalhar; se for bom, pode ajudar, mas sozinho nenhum treinador fará chover títulos por melhor que dance.
ResponderEliminarEste que temos, tem o carisma de um verdadeiro xamã, não duvido que possua contacto privilegiado com o mundo dos espíritos, da sad ou das claques e, demonstrou o ano passado, algumas capacidades curativas. O que começo a duvidar é das suas capacidades de profecia. Mas nós que cremos nestes magos já estamos como a menina que na fraqueza da sua crendice foi à bruxa para saber da sua vida futura e esta lhe disse que até aos 40 anos a menina iria viver pobre e infeliz.«E depois dos 40 anos?» - perguntou então a menina, ao que a bruxa respondeu: «depois dos 40 anos já vais estar acostumada».
Eu pelo menos já estou!
AB
ps Com que então um curso secundário de desporto? Eu já adivinhava que toda esta sapiência técnico-táctica deveria ter um substrato teórico-prático bem sedimentado (para evitar confusões ou más interpretações sobre a mobilidade não usei o termo "cimentado").
Caro Alexandre,
EliminarEstava mesmo a precisar de me rir. A da bruxa e da menina é de manual.
Já agora, não era o pior aluno. Pior do que eu só uma rapariga que lá andava também; por sinal a mais gira; por sinal não me ligava nenhuma.
Um abraço.
Sem dúvida,também é a minha opinião.
ResponderEliminarCaro Leão de Paris,
EliminarSe um treinador serve para pouco um Sá pinto serve____ (preencha você mesmo).
SL
Caro Rui:
ResponderEliminar"A ideia que disponho do desporto enquanto ciência vem desses tempos. De aulas absolutamente ridículas, em que nos davam uma bola e nos punham a jogar ou nos punham a decorar as regras do voleibol".
Essa foi a sua experiência vivida no ensino, garanto-lhe que, nesta altura, por esse país fora existem bons profissionais licenciados em educação física que lhe fariam mudar de opinião. Alguns deles trabalham de forma anónima em clubes de bairro, nas chamadas modalidades amadoras, mas a um nível muito superior do "dar uma bola" ou até a contornar pinos, como ficou tristemente conhecido o Scolari.
Pretender que o futebol é uma ciência oculta, ou que pode ser disputado como se de um jogo de xadrez se tratasse, é tão errado como pretender que o papel do treinador é um mero guru que os jogadores seguem, ou que o melhor que pode fazer é "estar calado". Se assim fosse qualquer um poderia sê-lo e os factos provam que isso está longe de ser verdade.
Creio até que os que se aproximam mais do modelo que defende são os que menos servem. As qualidades necessárias para ser um bom treinador passam indiscutivelmente por ser um bom líder, mas estão muito acima disso. Para lá das competências técnicas imprescindíveis, que lhe permitam escolher um grupo de trabalho em função da disponibilidade do clube, até à escolha de um modelo de jogo que se adeque à própria tradição do clube e que não passa apenas por ganhar, mas por satisfazer os adeptos. (Nesse sentido o titulo de Trapatoni é dos melhores exemplos de que "apenas" ganhar não trás felicidade.
O facto de um jogo de futebol viver de uma série de factores aleatórios e caóticos (é jogado por 11 de cada lado, com uma bola redonda, arbitrado, balizas com postes, etc, etc) pode fazer perguntar para que é preciso um treinador. É precisamente aí que os treinadores, os melhores fazem a diferença, os que preparam as equipas para estarem sempre preparadas para uma perda de bola e não serem apanhadas descompensadas, para defender bolas paradas, para furar os "autocarros" e até, como bons psicólogos, preparar a equipa para saber reagir aos reveses e adversidades.
O que lhe digo é sem qualquer pretensão, uma vez que, tal como o meu caro, sou um leigo na matéria. Mas esta interessa-me, porque me ajuda melhor a perceber o jogo e por isso procuro informação. Por isso leio com atenção o blogue Lateral Esquerdo ou o Bancada Nova, que é de um sportinguista como nós. Ou o do Carvalhal, ( http://www.coachcarvalhal.com/site/pt/home ) que é das pessoas que melhor escreve sobre futebol, de uma forma que qualquer leigo como eu percebe. E outros, claro.
Mas devo dizer que também achei um pouco despropositadas as explicações do Sá Pinto, na conferência de imprensa. Entendi-as como uma tentativa de demonstração de conhecimentos, quiçá por tê-los visto postos em causa nas últimas semanas... Mas no local errado.
Caro Leão de Alvalade,
EliminarNão me leve a sério e, sobretudo, não me leia à letra. A ironia o que pode ganhar em acutilância perde, muitas vezes, em compreensão. Longe vão os tempos dos professores do INEF. Longe vão os tempos em que a escola, como a que frequentei, nem de balneários em condições dispunha (nem sequer tínhamos duche para nos lavarmos depois das aulas). Felizmente o país é outro e os profissionais desta área são muito mais qualificados. Se dissesse o contrário, estria a ser injusto e, sobretudo, injusto com um par de amigos que são licenciados nesta área. Prezo-os o suficiente para não cometer essa injustiça.
Não sei é se no futebol profissional essa evolução se nota assim tanto. Há casos e casos (um amigo meu que foi médico num dos clubes por onde passou o Mourinho explicou-me como é que as discussões entre os dois em temas médicos eram extremamente estimulantes; o que prova, se dúvidas existissem, que o seu sucesso assenta num profundo conhecimento de todas as ciências que envolvem a prática desportiva). Agora, o que se nota é a substituição do conhecimento científico por uma novilíngua, criada e recriada por comentadores que não fazem a mínima ideia do que estão a falar. Por detrás, dessa novilíngua não está um conceito sequer, é pura ladainha.
Os meios de comunicação social têm ampliado o fenómeno. É ver os cromos que nos aprecem na televisão, a maior parte com uma agenda clubística própria e a aviar encomendas. Por exemplo, é pena que o PB, que escreve e muito bem num dos blogs que refere, não tenha outra exposição pública. É um gosto ler o que escreve e, sem dúvida, aprende-se com o que escreve. O que ele faz é genuíno serviço público. A nossa televisão pública devia arranjar pessoas como ele para explicarem o futebol.
Por fim, temos o nosso Sporting e o Sá Pinto. Para nós os dois, o Sporting é uma doença. Não me parece que o Sá Pinto saiba grande coisa do que está fazer. Mas pior do que não saber é tentar fazer-nos passar por tolos. Acredito na liderança. Só que a liderança pressupõe autoridade e uma das principais fontes de autoridade é o conhecimento. Um líder, que é o que deve ser um treinador, não vem explicar como é que a organização que pôs em prática permitiu o sucesso. Não sou treinador, mas sou dirigente numa organização. Sei do que falo. Nenhum dirigente vem dizer que a forma como organizou a sua equipa é responsável pelo sucesso. Estamos a falar de pessoas. São as pessoas que o alcançam. A melhor forma de organizar as equipas é fazê-lo de tal forma que nem se perceba que ela exista. Mais, o pior que podemos fazer é ainda exaltar essa organização como se ela dependesse só de nós. A organização é partilhada com os outros. O Sá Pinto em vez de ler e falar futebolês, devia estudar outras coisas.
Um abraço
Não vi onde é que o Sá Pinto exaltou a organização como se ela dependesse só dele. Perguntaram ao Sá Pinto pelas alterações táticas e ele explicou-as. Não retirou mérito para ele, explicou o que queria fazer. Não lhe vi qualquer tom sobranceiro, nem qualquer vontade de mostrar que sabia o que não sabe. Pelo menos não se limitou ao "fomos mais agressivos" ou "fomos mais compactos" dos Zés Motas e Paulos Sérgios.
EliminarEu também sou responsável pela organização de uma equipa e tenho certamente um método diferente do seu. O que nenhum de nós tem, certamente, é uma audiência de milhões e milhões de pessoas a querer perceber porque pusemos o A na função x e o B na função y.
O problema do futebol é que é muito mais complexo do que parece. Além de ter que se saber o que se está a fazer, é preciso fazer passar essa mensagem a 23 marmanjos, cada um deles a achar que ele é que chegava lá e resolvia. E, repito, com milhões de tipos a espreitar pela janela, cada um com a sua opção que, obviamente, resolvia aquilo num ápice. Não é assim tão simples. E num clube feito em cacos como o Sporting muito menos.
Para finalizar, essa do treinador não servir para muito só existe num clube em Portugal (arriscaria dizer no mundo!). Nesse clube, sim, poderiam lá por-me a mim a boicotar aquilo e os pontos continuariam a chegar. Mesmo que eu tudo fizesse para não ganhar, haveria por aí muita gente a tratar disso por mim.
Caro João Luís II,
EliminarNão interpretei o que disse, e como o disse, o Sá Pinto. Daí não vem mal nenhum ao mundo. Também considero que o tema da comunicação no futebol é muito exigente. Para isso é que se paga o que se paga aos treinadores, jogadores e e técnicos e empresas e comunicação.
Por fim também estou de acordo consigo. Há um clube em Portugal onde a experiência de se ganhar sem treinador já foi testada com êxito por várias vezes.
SL
parece-me neste post que, entre laivos de humildade e outros de presunção...ganham os da presunção...
ResponderEliminarestilos! o sá também o seu estilo próprio! deixem-no trabalhar
saudações leoninas
Caro Dinis,
EliminarEscrever para os outros nos lerem é tudo menos um exercício de humildade. É tudo presunção.
SL
Caro Rui Monteiro,
ResponderEliminarFazendo uso da Novilíngua do futebol português, os seus textos são para mim uma espécie de número 10 que bascula entre as linhas adversárias, sempre em busca do timing perfeito para alimentar as diagonais que rompem o bloco baixo da saloice pretensiosa que abunda na análise futebolística blogosférica.
Bem-haja por existir, por ser sportinguista e por escrever da forma simples, arejada e bem-humorada como escreve. É bom perceber que um gajo não está sozinho na ideia de que precisamos de um “back to basics” nestas coisas do futebol.
Como bem escreveu, foi aflitivo ver o Sá Pinto, no pós-jogo, a tentar racionalizar e explicar a insanidade tática que nos levou à vitória de segunda-feira na fase final do jogo. Aquilo foi basicamente uma (saborosa) vitória da alma e do querer. Assente numa estratégia movida a instinto de sobrevivência. Ponto. E, para que nos entendamos, chegados a esta fase até já nem vejo grande mal nisso: já dou por mim a achar que é preferível tentar ganhar assim – jogando como um bêbado joga matraquilhos numa taberna –, do que insistir em abordar os jogos com a fleuma de um xadrezista em estado comatoso.
É óbvio que a alma e o querer não serão suficientes para chegarmos onde queremos. Mas são ingredientes que permitem o básico – lá está – que move o futebol: emoção e paixão. O resto vem sempre por acréscimo. E só resulta se tiver a base correta.
Caro Adriano Nobre,
EliminarRepito o que escrevi há pouco, os meios de comunicação social são muito responsáveis por este fenónemo. É só cromos. Ainda para mais, cromos relativamente aos quais tenho as mais sinceras reservas sobre a sua honestidade intelectual. A mior parte deles, p+or de trás do palavreado, só estão agendas clubísticas mais ou menos assumidas.
A nossa telecvisão pública devia dar o exemplo. Devia colocar algué a falar de futebol que soubesse do que está a falar e que falasse de forma a que alguém entendesse.
Obrigado pelo seu comentários.
SL
Numa palavra...Lindo!!
ResponderEliminarCaro jonnybalboa,
EliminarObrigado.
SL