Já tudo praticamente foi dito e escrito sobre a participação da Seleção no Europeu. Depois de tudo o que foi sendo escrito aqui também durante a competição, falta uma síntese. Uma história, uma boa história, tem sempre uma moral.
Há uma dimensão espiritual de análise, ontológica até, na qual não entro. Cada um é como cada qual e as suas crenças só lhe dizem respeito.
Tudo o que correu mal, correu bem. Se tivéssemos ganhado uns jogos na fase de grupos, o otimismo tinha crescido e não teria havido maneira de convencer o treinador e os jogadores a fazer o que fizeram depois. Como correu mal essa fase, era necessário mudar, de jogadores e, sobretudo, de atitude perante os adversários.
Passámos para o oito com a mesma facilidade que nos anunciámos nos oitenta. De favoritos à final, passámos ao fazer o papel de “underdog”. As táticas foram estabelecidas em função dos adversários e dos seus pontos fortes. O objetivo não foi o de potenciar os nossos pontos fortes, mas o de não expor os nossos pontos fracos e de reduzir as ameaças. Essas táticas tiveram algumas características singulares. Havia a necessidade de marcar individualmente certos jogadores adversários em função de certos momentos de jogo. Não havia propriamente um sistema defensivo que funcionasse em bloco, à italiana.
Estas táticas tornaram os jogos relativamente caóticos para os adversários. Ficaram de tal forma baralhados, que nenhum deles jogou o equivalente ao que tinha demonstrado na fase de grupos. Também nenhum deles acreditou verdadeiramente no que estávamos a fazer em campo. Desconfiaram de nós. Não se aventuraram muito no ataque. Devem ter pensado para eles que aquelas táticas eram um engodo. Ninguém acredita que uma equipa que tenha o Ronaldo só jogue para não sofrer golos, esperando o seu momento de sorte.
Encanámos a perna à rã jogo atrás de jogo. Demorámos todo o tempo do mundo nas reposições de bola. Entretivemo-nos a passar a bola entre os defesas e os jogadores de meio-campo. Mal havia alguma pressão do adversário, logo se atrasava a bola ao Rui Patrício. Quando a pressão aumentava mais, recorria-se à biqueirada para a frente, onde o Ronaldo fazia de pino.
Só tínhamos planos para não perder os jogos. Ainda admitimos que existisse um plano B para os ganhar: os penalties. O jogo contra a Polónia desfez essa possibilidade. Também não havia plano B nenhum. A lógica é simples e imbatível, só não se compreende como se faz no campo, a não ser tendo fé, muita fé. Em jogos a eliminar, não se pode empatar. Não se empatando e planeando não perder, só se pode ganhar.
A final contra a França era o teste do algodão destas táticas e destes planos. Finalmente jogávamos contra um dos grandes, a par da Alemanha, da Itália e da Espanha. Ganhou uma dimensão dramática e, ao mesmo tempo, épica. O herói estava preparado, mas lesionou-se no início do jogo. Cumpria-se a dimensão dramática. A dimensão épica precisava de outro herói, de um herói improvável. O herói improvável apareceu.
Esta vitória foi uma grande alegria para os portugueses. Sou insuspeito. Não aprecio grandemente a Seleção nem o Fernando Santos. Fiquei comovido no final, quando levantámos o caneco. Estas e outras palavras que se foram dizendo e escrevendo vão-se apagar. Daqui a muitos anos ainda ouviremos falar deste feito. Ficará a história e nessa história só há heróis.