sexta-feira, 26 de julho de 2019

O tocador de trompa

Como a minha vida não tem nenhum sentido ou, na melhor das hipóteses, um só, plantei-me na madrugada de quarta-feira a ver o jogo do Sporting contra o Liverpool. Finalmente, consegui racionalizar uma impressão, uma sensação: um estádio de futebol não é um estádio de basebol ou uma coisa do Souto de Moura onde joga o Sporting de Braga. Cheguei a jogar à bola ao pé de minha casa numa calçada com mais de 15% de inclinação, mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. 

O jogo mal se tinha iniciado e já estávamos a ganhar por um a zero. Há quem pense que se tratou de um frango do Mignolet. Quem tem um Renan Ribeiro ou um Luís Maximiano na baliza sabe que assim não é. Aquilo chama-se um remate de Bruno Fernandes ou um pacto com a bola para que ganhe vida própria e encontre o caminho mais adequado. Se o caminho era o de descrever uma parábola, embater no joelho e passar por entre as mãos dos guarda-redes só o Bruno Fernandes e a bola é que o podem dizer, dado se tratar de um combinação que ninguém mais conhece. 

A pedido de várias famílias, finalmente o Keizer colocou o Vietto no meio, em apoio ao Luiz Phellype, deslocando o Bruno Fernandes para a esquerda e tirando partido da sua omnipresença em todo o campo. Quanto ao resto, tudo como dantes, quartel-general em Abrantes: mais um exibição do Ilori a defesa direito para mais tarde esquecer. Nunca seria fácil jogar contra os calmeirões do Liverpool, mas fazê-lo com um defesa direito assim é necessário descaramento. O Liverpool foi carregando e os comentadores da SporTv foram revelando também uma excelente forma para uma fase tão inicial da época. De um lado, tudo era visto pela positiva, do outro, sempre pela negativa. Para além do Ilori, os dois jogadores mais perigosos do Liverpool eram o Borja e o Virgil van Dijk, um autêntico Abominável Homem das Neves, mas em negro. Sempre que se aproximava, o Luiz Phellype, o Neto ou o Mathieu logo se disponibilizavam para o deixar ficar com a bola, enquanto respeitosamente abanavam a cabeça, dizendo: “Sim, senhor van Dijk! Com certeza senhor van Dijk!” Apesar dos esforços do Renan Ribeiro, o Ilori não perdoou e o Liverpool foi para o intervalo a ganhar por dois a um.

Na segunda parte, saiu o Borja e entrou o Thierry Correia para o seu lugar. A diferença foi por de mais evidente. A diferença não se circunscreve ao facto de um ser canhoto e o outro destro. A diferença é mais profunda e releva do sentido da vida de um e do outro, com o Borja a revelar mais empatia e sentido de compaixão relativamente aos adversários. A partir de um individualismo neoliberal especialmente narcísico, evidenciado por um vaso de majerico colocado na cabeça, o Thierry Correia, compreendendo a natureza esférica da bola, os limites espaciais do campo, a capacidade de os adversários se deslocarem e a relação entre a cor da sua camisola e a de outros jogadores, desatou a jogar como deve ser. A coisa foi de tal forma que inventou com o Wendell e o Bruno Fernandes uma jogada espetacular que originou o nosso segundo golo. 

A partir daí, iniciaram-se as substituições para que a canalha se pudesse mostrar. O Miguel Luís vive uma crise de confiança. O Gonzalo Plata ia matando de ataque cardíaco o lateral esquerdo mais entradote do Liverpool. O Eduardo Quaresma é craque. É deixá-lo crescer, sem precipitações e sem cagaços peseiros por um prato de lentilhas. O Eduardo, o que era do Belenenses, entrou sem tibiezas e assumindo o jogo de meio-campo. O Daniel Bragança porfiou mas inconseguiu. O Nuno Mendes mostrou-nos, a nós e ao treinador, que também é dado à compreensão e ao discernimento. O Bas Dost é que continua desconfiado de si próprio. Tenho para mim, é uma simples suspeita, que o Luiz Phellype ultrapassou o seu nível de competência no final de época passada. 

Da equipa titular fui dizendo alguma coisa de um ou de outro. Para não me repetir, o Renan Ribeiro tem reflexos incríveis, mas decidiu com o Nélson que nunca, mas mesmo nunca voltará a sair a um cruzamento. O Mathieu e o Neto estiveram bem, mais o primeiro do que o segundo. O Doumbia ainda se desorienta algumas vezes, mas é uma força da natureza e procura dar sempre linhas de passe na saída da bola. O Wendell talvez tenha feito o seu melhor jogo no Sporting. O Luiz Phellype esteve acabrunhado e paradote, mas os matulões adversários não eram para brincadeiras. 

Sobra o Vietto, dado que o Buno Fernandes é o Bruno Fernandes e não é preciso dizer mais nada, passando-se à frente. O Vietto é uma aposta desta direção e, porventura, do Keizer. Vão-no tentando encaixar num lado ou no outro do ataque a ver se pega, porque demonstrou ser um excelente jogador no Vilarreal. Este fim-de-semana, o Expresso trazia um artigo de Arthur C. Brooks, professor de Havard, onde confidenciava que a sua aspiração era ser o maior tocador de trompa do mundo. Deixou a universidade para se dedicar a tempo inteiro à música. Com o tempo foi piorando. Peças que tinham sido fáceis tornaram-se difíceis e peças antes difíceis tornaram-se impossíveis, até desistir. Espero que o Vietto não se tenha dedicado a tocar trompa também.

7 comentários:

  1. Em relação ao Vietto, parece que o Mestre, o JJ, já o queria contratar e assim a probabilidade de Vietto vir a confirmar os primeiros sinais de "floppismo" é muito elevada. Talvez o Mestre o queira no Flamengo, embora, neste momento, não se saiba quanto tempo o Mestre vai permanecer no Rio. No Sporting, o Mestre só acertou no Bruno Fernandes e no Acuna. O resto foram flops e mais flops. Voltando à actualidade, então mas o Borja desaprendeu? Terá sido o outro Mestre, Carlos Queiroz, que o fez regredir? Ou é um problema de perspectiva nossa, pois como já não o comparamos com o Jefferson, fica mais difícil de ver as qualidades de Borja. Bem, se o Bruno Gaspar também sair, vai ser mais difícil para os Illoris da vida parecerem bons, ou mesmo, sofríveis. Mas apesar das fragilidades na defesa, que supostamente serão resolvidas com Acuna e Rozier, o que mais me preocupa, para além, obviamente, da eventual saída de BF, são os nossos atacantes, entre o desconfiado (dele mesmo) Dost, o ProtoFlop Vietto e o Bunda Pesada Phellype vai ser difícil marcar golos, então se o Bruno Fernandes sair ainda será mais difícil.
    SL

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    1. Meu caro,

      O Mestre devia levar o Vietto e mais uns tantos que temos a treinar a um canto. Não sei se acertou no Acuña. Contratou um extremo esquerdo e saiu-nos um lateral esquerdo, posição onde joga na seleção da Argentina.

      Os três centrais que temos dão-nos confiança. O Renan Ribeiro não compromete, embora nem sempre controle bem o espaço em frente. Com esses laterais, a questão fica resolvida.

      Daqui para a frente é que começam os nossos problemas. É que se o Vietto é o "flop" que aparenta ser, continuamos a não ter alternativas no ataque e muito menos para substituir o Bruno Fernandes. O Bas Dost está inseguro e o Filipe das consoantes deixa inseguro qualquer um. Nos extremos temos o Raphinha e dois jovens (Camacho e Paz) que só depois de abertos, como os melões.

      SL

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  2. É com este Dost e com o Filipe das consoantes que vamos ganhar ao Benfica no jogo de despedida de Bruno Fernandes. O Benfica ficou muito desfalcado com a saída de João mFélix e vai levar tempo a recuperar; e também o Jonas... ficaram sem 2 merguladores insubitituíveis.

    João Balaia

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    1. Caro João Balaia,

      Em piscineiros, o Benfica está desfalcado. Mais desfalcado fico mesmo assim o Atlético de Madrid.

      Este jogos de pré-época são para meninos. Na final da super-taça é que é para homens. Se ganharmos, como espero e com o herói do costume, fazemos uma estátua ao Renan Ribeiro e aí o Bruno Fernandes pode ir à sua vida depois de ter merecido todos os tostões que ganhou.

      SL

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    2. O Tótó Salvio, outro grande mergulhador, também já não pode cavar penalties para as toupeiras.

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  3. Essa da trompa é, sem dúvida, boa! E aliás os trompistas são os mais bem comportados da orquestra, mesmo dando umas casas, de vez em quando! Isto acontece porque, tendo sempre a mão direita dentro do pavilhão do instrumento, podem sempre esticar o dedo quando lhes chamam a atenção para qualquer balda sem que ninguém veja!
    José Manuel David

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    1. Caro José Manuel David,

      Espero que jogar futebol seja um pouco mais simples do que tocar trompa. Espero assim que o Vietto não tenha desaprendido de jogar à bola como o Arthur Brooks desaprendeu de tocar trompa. Pelo menos, que jogue futebol como quem toca trompa, bem ou mal.

      SL

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