terça-feira, 19 de março de 2019

Longos dias têm cem anos

“Longos dias têm cem anos”, o aforismo, que também constitui título de um dos livros da Augustina, não me saía da cabeça. Vinha-me à memória não a obra da Vieira da Silva mas os Vieiras da Silva em que fui tropeçando ao longo da vida, que duram e duram por eles próprios e pela sua descendência. Uma semana de altos e baixos como nenhuma outra. A minha filha a ligar-me e a contar o seu sucesso sem necessidade de apelido, o apelido do meu pai que faço questão de honrar todos os dias quando me levanto e me vejo ao espelho. O jogo contra o Santa Clara constituía a oportunidade adequada para se me varrer da cabeça este aforismo. 

Não vi a primeira parte. Chego ao Flávio e encontro um dos meus colegas de purgatório à beira de uma apoplexia. A segunda parte inicia-se a bom ritmo. Pelo que percebo, a equipa do Sporting está mais determinada e a jogar melhor. O Acuña vê o Bruno Fernandes “à mama” e faz um arremesso da linha lateral de vinte metros que o isola, para uma cavalgada imparável até fazer um compasso de espera para fixar dois defesas e passar a bola ao Raphinha com tempo para perguntar ao guarda-redes para que lado a queria levar e o deitar ao comprido. Animei-me. Debalde. A equipa rapidamente se transformou numa pilha de nervos e o meu colega sportinguista ficou numa pilha de nervos ainda maior. Cada bola recuperada era bola perdida no passe seguinte, com especial destaque para o Diaby. Nenhum outro jogador levou a este extremo o conceito de “último passe”: quando ele passa a bola abre-se um buraco negro e ela desaparece para aparecer no segundo seguinte na bancada, atrás da baliza, nas mãos do apanha-bolas ou nos pés do adversário. 

“Longos dias têm cem anos” volta mais uma vez. Procuro concentrar-me no jogo para tirar este pensamento da cabeça. Não o consigo tirar mas o Marcel Keizer tira o Doumbia, seguindo as melhores práticas internacionais de supervisão prudencial dos bancos centrais: médio amarelado é médio substituído. O comentador da SporTv começa a ter alucinações e a ver o que ninguém vê, avisando-nos dos perigos do Santa Clara. Mas o Santa Clara é uma equipa madura que dispõe de princípios de jogo consolidados e, por isso, troca a bola entre os jogadores no seu meio-campo, conseguindo o que não conseguia o adversário, segurando a bola sem que se criasse qualquer perigo para o Sporting. Entrou o Miguel Luís e a equipa estabilizou. Deixaram de se perder tantas bolas e o Wendell passou a jogar tendo-o como referência e deixando o futebol brinca-na-areia. O Bas Dost continuava a arrastar-se em campo, sem confiança, sem fé em si próprio, como se carregasse a maldição de levar o mundo às costas. 

O tempo de jogo vai-se esvaindo até acabar e “longos dias têm cem anos” não mais me sai da cabeça. Se o futebol não serve para nos tirar coisas da cabeça, serve exatamente para quê e para quem? Talvez a culpa não seja do futebol mas do Sporting. Há sempre tempo, um tempo em que tudo será possível porque “longos dias têm cem anos”.

9 comentários:

  1. Caro Rui,

    infelizmente, nos últimos tempos tem sido mais "longos anos têm 90 minutos". A percepção do tempo é uma coisa curiosa: quando estamos entretidos, ele passa num instante; quando estamos entediados, parece que custa mais a passar. Daí que a si, e a mim também, não saiam coisas da cabeça durante os jogos.

    Se ao menos pudéssemos ver o Geraldes em campo antes que o Wendel rebentasse por completo (recuava o Bruno). Estou a ver que a única forma de ver o miúdo jogar é na Playstation...

    Agora que tiveram a boa ideia de criar diferentes categorias de bilhetes, e já que o Geraldes participou na campanha de venda das gamebox, deveria haver uma modalidade a preço muito reduzido para jogos em que só se possa ver o rapaz a aquecer. Era coisa para casa cheia...

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    1. Caro Pedro,

      Este jogo foi um completo aborrecimento. Não permite limpar a cabeça depois de uma semana tramada. Aqueles jogadores parecem não conseguir dar mais do que aquilo. Há qualquer coisa de melancolia naquele arrastar os pés permanente, sendo penoso ver jogar o Bas Dost.

      A continuar assim espero que ofereçam uns cafés e umas bolachas no estádio para a malta se manter acordada. Como diz, nem as substituições surpreendem. São sempre as mesmas. Estou como diz: deixem jogar o Geraldes ou outro qualquer que nos permita uma surpresa.

      Um grande abraço

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  3. A única maneira que tenho de elogiar os seus textos é compará-lo a um artista (músico, contador de histórias e muito mais) argentino já falecido e de que tive a sorte de assistir a um dos seus programas na Espanha já lá vão vários anos. O seu nome, e com todas as reservas, é Danielo Rakinovich (?). Dizia ele que os argentinos são sublimes a inventar problemas sejam eles para que soluções tenham sido encontradas. Tal como os sportinguistas! Tal como eu!
    Por acaso assisti ao Sporting-Santa Clara pelo computador o que me impediu de ter adormecido! Sou um dos sócios com quotas em atraso mas ainda tenho o mealheiro transparente ao qual já me referi e só pode ter sido neste blog.
    Já tenho idade mais que suficiente para deixar de acreditar...Ainda assim continuo sportinguista e não conto mudar!
    Amanhã será outro dia e só pode ser malhor.

    SL

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    1. *melhor, evidentemente

      O tal Danielo disse também que um ecologista é um marxista reciclado e que a diferença entre os seios duma mulher branca e os duma preta é que os primeiros aparecem no PlayBoy e os segundos no National Geografic...

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    2. Caro Aboim Serodio,

      Na semana passada, num dia um bocado chato, também pensei "amanhã será outro dia e só poderá ser melhor" e foi. O tempo resolve tudo. Deve ser nisto também que acredita o Marcel Keizer.

      A última do Danielo é de manual: " a diferença entre os seios duma mulher branca e os duma preta é que os primeiros aparecem no PlayBoy e os segundos no National Geografic".

      SL

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  4. Felizmente a 21 de junho em que os dias são mais longos não há campeonato, o pessoal ja anda na praia. Este acaba em Maio com a ida ao Marques para o Sporting adiada ate um dia. O Diaby ainda acredita e é para levar a sério. Na verdade vem aí o Battaglia e acaba a discussão do 6.
    Ate chegarmos ao Marques vamos Batouq..ando.

    João Balaia.

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  5. De facto Vieira da Silva só existiu uma, mas os Vieiras da Silva andam por aí, aos tropeções e continuam a andar por aí, apesar dos tropeções. Andassem eles no futebol e seria mais difícil andarem por aí,aos tropeções. Já os "nossos" holandeses estão cada vez mais aborrecidos, ou melhor, provocam-nos aborrecimento mas, não estão sózinhos, infelizmente para nós. Quanto a nós, será melhor assistir, acompanhados, a tanto aborrecimento em "longos dias têm cem anos" do que em "cem anos de solidão"

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