“Longos dias têm cem anos”, o aforismo, que também constitui título de um dos livros da Augustina, não me saía da cabeça. Vinha-me à memória não a obra da Vieira da Silva mas os Vieiras da Silva em que fui tropeçando ao longo da vida, que duram e duram por eles próprios e pela sua descendência. Uma semana de altos e baixos como nenhuma outra. A minha filha a ligar-me e a contar o seu sucesso sem necessidade de apelido, o apelido do meu pai que faço questão de honrar todos os dias quando me levanto e me vejo ao espelho. O jogo contra o Santa Clara constituía a oportunidade adequada para se me varrer da cabeça este aforismo.
Não vi a primeira parte. Chego ao Flávio e encontro um dos meus colegas de purgatório à beira de uma apoplexia. A segunda parte inicia-se a bom ritmo. Pelo que percebo, a equipa do Sporting está mais determinada e a jogar melhor. O Acuña vê o Bruno Fernandes “à mama” e faz um arremesso da linha lateral de vinte metros que o isola, para uma cavalgada imparável até fazer um compasso de espera para fixar dois defesas e passar a bola ao Raphinha com tempo para perguntar ao guarda-redes para que lado a queria levar e o deitar ao comprido. Animei-me. Debalde. A equipa rapidamente se transformou numa pilha de nervos e o meu colega sportinguista ficou numa pilha de nervos ainda maior. Cada bola recuperada era bola perdida no passe seguinte, com especial destaque para o Diaby. Nenhum outro jogador levou a este extremo o conceito de “último passe”: quando ele passa a bola abre-se um buraco negro e ela desaparece para aparecer no segundo seguinte na bancada, atrás da baliza, nas mãos do apanha-bolas ou nos pés do adversário.
“Longos dias têm cem anos” volta mais uma vez. Procuro concentrar-me no jogo para tirar este pensamento da cabeça. Não o consigo tirar mas o Marcel Keizer tira o Doumbia, seguindo as melhores práticas internacionais de supervisão prudencial dos bancos centrais: médio amarelado é médio substituído. O comentador da SporTv começa a ter alucinações e a ver o que ninguém vê, avisando-nos dos perigos do Santa Clara. Mas o Santa Clara é uma equipa madura que dispõe de princípios de jogo consolidados e, por isso, troca a bola entre os jogadores no seu meio-campo, conseguindo o que não conseguia o adversário, segurando a bola sem que se criasse qualquer perigo para o Sporting. Entrou o Miguel Luís e a equipa estabilizou. Deixaram de se perder tantas bolas e o Wendell passou a jogar tendo-o como referência e deixando o futebol brinca-na-areia. O Bas Dost continuava a arrastar-se em campo, sem confiança, sem fé em si próprio, como se carregasse a maldição de levar o mundo às costas.
O tempo de jogo vai-se esvaindo até acabar e “longos dias têm cem anos” não mais me sai da cabeça. Se o futebol não serve para nos tirar coisas da cabeça, serve exatamente para quê e para quem? Talvez a culpa não seja do futebol mas do Sporting. Há sempre tempo, um tempo em que tudo será possível porque “longos dias têm cem anos”.
Caro Rui,
ResponderEliminarinfelizmente, nos últimos tempos tem sido mais "longos anos têm 90 minutos". A percepção do tempo é uma coisa curiosa: quando estamos entretidos, ele passa num instante; quando estamos entediados, parece que custa mais a passar. Daí que a si, e a mim também, não saiam coisas da cabeça durante os jogos.
Se ao menos pudéssemos ver o Geraldes em campo antes que o Wendel rebentasse por completo (recuava o Bruno). Estou a ver que a única forma de ver o miúdo jogar é na Playstation...
Agora que tiveram a boa ideia de criar diferentes categorias de bilhetes, e já que o Geraldes participou na campanha de venda das gamebox, deveria haver uma modalidade a preço muito reduzido para jogos em que só se possa ver o rapaz a aquecer. Era coisa para casa cheia...
E, queira desculpar, um abraço.
ResponderEliminarCaro Pedro,
EliminarEste jogo foi um completo aborrecimento. Não permite limpar a cabeça depois de uma semana tramada. Aqueles jogadores parecem não conseguir dar mais do que aquilo. Há qualquer coisa de melancolia naquele arrastar os pés permanente, sendo penoso ver jogar o Bas Dost.
A continuar assim espero que ofereçam uns cafés e umas bolachas no estádio para a malta se manter acordada. Como diz, nem as substituições surpreendem. São sempre as mesmas. Estou como diz: deixem jogar o Geraldes ou outro qualquer que nos permita uma surpresa.
Um grande abraço
A única maneira que tenho de elogiar os seus textos é compará-lo a um artista (músico, contador de histórias e muito mais) argentino já falecido e de que tive a sorte de assistir a um dos seus programas na Espanha já lá vão vários anos. O seu nome, e com todas as reservas, é Danielo Rakinovich (?). Dizia ele que os argentinos são sublimes a inventar problemas sejam eles para que soluções tenham sido encontradas. Tal como os sportinguistas! Tal como eu!
ResponderEliminarPor acaso assisti ao Sporting-Santa Clara pelo computador o que me impediu de ter adormecido! Sou um dos sócios com quotas em atraso mas ainda tenho o mealheiro transparente ao qual já me referi e só pode ter sido neste blog.
Já tenho idade mais que suficiente para deixar de acreditar...Ainda assim continuo sportinguista e não conto mudar!
Amanhã será outro dia e só pode ser malhor.
SL
*melhor, evidentemente
EliminarO tal Danielo disse também que um ecologista é um marxista reciclado e que a diferença entre os seios duma mulher branca e os duma preta é que os primeiros aparecem no PlayBoy e os segundos no National Geografic...
Caro Aboim Serodio,
EliminarNa semana passada, num dia um bocado chato, também pensei "amanhã será outro dia e só poderá ser melhor" e foi. O tempo resolve tudo. Deve ser nisto também que acredita o Marcel Keizer.
A última do Danielo é de manual: " a diferença entre os seios duma mulher branca e os duma preta é que os primeiros aparecem no PlayBoy e os segundos no National Geografic".
SL
*National Geographic, of course
EliminarFelizmente a 21 de junho em que os dias são mais longos não há campeonato, o pessoal ja anda na praia. Este acaba em Maio com a ida ao Marques para o Sporting adiada ate um dia. O Diaby ainda acredita e é para levar a sério. Na verdade vem aí o Battaglia e acaba a discussão do 6.
ResponderEliminarAte chegarmos ao Marques vamos Batouq..ando.
João Balaia.
De facto Vieira da Silva só existiu uma, mas os Vieiras da Silva andam por aí, aos tropeções e continuam a andar por aí, apesar dos tropeções. Andassem eles no futebol e seria mais difícil andarem por aí,aos tropeções. Já os "nossos" holandeses estão cada vez mais aborrecidos, ou melhor, provocam-nos aborrecimento mas, não estão sózinhos, infelizmente para nós. Quanto a nós, será melhor assistir, acompanhados, a tanto aborrecimento em "longos dias têm cem anos" do que em "cem anos de solidão"
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