O desporto é a guerra por outros meios, pacíficos, claro está. Quem assistiu ao jogo de ontem contra o Porto em andebol tão cedo não o esquecerá, seja portista ou sportinguista. Nestas circunstâncias vem-nos sempre à cabeça a Batalha de Azincourt e a peça de teatro Henrique V de William Shakespeare.
Como os franceses, os do Porto eram superiores em número e armamento. A equipa é constituída por jogadores de notável envergadura física que poucos do Sporting podem igualar. Dispõe de dois guarda-redes brilhantes, especialmente o Alfredo Quintana, que durante épocas e épocas foi a nossa besta negra. A equipa é excelentemente treinada e dispõe de um modelo de ataque com sete jogadores que se tem revelado uma dor de cabeça para todos os adversários, nacionais e internacionais, aproveitando a referida envergadura física de dois dos três pivôs cubanos e do enorme acerto das pontas, nomeadamente do António Areia.
Os do Sporting ganham em experiência, em particular com a experiência do Ruesga, mas a equipa no seu conjunto apresenta diversas fragilidades, sendo a mais evidente a ausência de um lateral direito de raiz. Não dispõe de alternativas sólidas em certas posições, como é o caso do central e do ponta direita (o Arnaud Bingo foi contratado recentemente mas pouco ou nada tem sido utilizado). Sobretudo, o plantel é curto em qualidade e quantidade para a exigências das diferentes competições em que o Sporting está envolvido, bastando a lesão de um jogador para que essas fragilidades sejam ainda mais evidentes.
A equipa do Porto entrou melhor e rapidamente ficou por cima do marcador e do jogo. O ataque do Sporting emperrava, com pouca circulação de bola e dificuldade de fazer chegar a bola ao pivô, restando a meia distância, com eficácia intermitente. Na defesa, havia muita dificuldade de parar o jogo das pontas do Porto. Para dificultar ainda mais a tarefa, um dos árbitros resolveu intrometer-se no jogo, fazendo um número que costumamos ver todos os fins-de-semana no campeonato de futebol e transformando-se no principal artista. A exclusão por quatro minutos do Tiago Rocha constitui um manual de tudo o que um árbitro não pode, nem deve, fazer naquelas circunstâncias. Os livres de sete metros convertidos pelo Ghionea permitiram-nos ir para o intervalo a perder só por três (12-15).
Na segunda parte tudo mudou. Estes jogos, os jogos de e para campeões, ganham-se na defesa, ganham-se em equipa. É necessária muita entreajuda. É preciso que quando um jogador largue o pivô outro seja avisado e faça a necessária cobertura. É preciso que quando um jogador é passado na zona central, logo outro apareça na ajuda e pare o jogo. É preciso assegurar adequada deslocação dos jogadores ao longo da linha dos seis metros para que o adversário não ganhe vantagem no local onde circule a bola, permitindo libertar os pontas. Essa deslocação é dificultada pelos pivôs que têm essa como missão principal, sobretudo no caso do Porto, quando joga com dois. É preciso uma grande articulação entre o guarda-redes e os restantes jogadores porque, sozinho, não enche a baliza toda.
O Sporting fez praticamente tudo bem a defender. É quase impossível permitir que uma equipa como a do Porto marque somente oito golos em trinta minutos. Mas não basta ter um plano para defender, é necessário acreditar e acreditar que o colega de equipa ao nosso lado nos ajuda como nós o ajudamos. Cada defesa faz acreditar mais nessa solidariedade e nesse sentimento de partilha. E o público é fundamental para essa crença. Os sportinguistas que estiveram no João Rocha acreditaram e fizeram os jogadores acreditar cada vez mais, enquanto procuravam desanimar os do Porto e desacreditar o árbitro que se tinha revelado artista na primeira parte. E apareceu Skok, pelos seus méritos e pelos méritos dos seus colegas a defender.
No ataque, com o Ruesga a comandar, sabemos que não há precipitações e as jogadas decorrem como o planeado. O Francis Carol apareceu quando era preciso e o Frade foi uma completa surpresa para mim. Foi imparável. É a partir de uma exclusão do Miguel Martins arrancada por ele que o Sporting passa para a frente do jogo e amplia uma e outra vez o resultado, com dois golos dele também, depois de ganhar o seu espaço junto de calmeirões do Porto com mais de cem quilos e bater um guarda-redes como o Alfredo Quintana que sai rapidamente em leque como nenhum outro.
O jogo acaba como a Batalha de Azincourt, com os franceses batidos, mas com o “fair play” que se exige aos vencedores e aos vencidos (o Canela agradeceu ao público e aos seus jogadores e destacou a qualidade da equipa do Porto e o Magnus Anderson, embora perdendo, não destoou). O que uns e outros nos proporcionaram foi um excecional espetáculo com emoção a rodos. Há quem diga que acabámos. Há quem diga que estamos insolventes. Há quem diga que estamos divididos entre croquetes e brunetes. Perguntem a cada um que esteve no Pavilhão João Rocha e aos que viram o jogo na televisão o que sentiu e o que pensou, isto é, o que viveu. Saltámos com o Frankis, lutámos com o Frade, atirámo-nos para o chão com o Skok, dissemos com o Ruesga aos colegas qual era a jogada que iríamos desenvolver, festejámos com eles como se tivéssemos sido nós a marcar os golos e a defender os remates dos adversários. Durante aquele tempo memorável só houve Sporting e fomos todos Sporting!
Belíssimo filme do jogo. Épico, como no hóquei, no voley, no Futsal.
ResponderEliminarÉ tão grande.
É tão clube o nosso Sporting
Allfacinha
Obrigado. Ser do Sporting e ser Sporting é uma coisa simples. Vive-se simplesmente.
EliminarSL
Caro Rui:
ResponderEliminarSegundo reza a lenda, o famoso gesto com o dedo do meio esticado, provém dos arqueiros ingleses e foi feito no fim da batalha, em resposta à ameaça do homólogo Francês de que iria amputar o dedo que larga a corda dos arqueiros, quando fossem derrotados e capturados.
Antes da batalha, o Rei Inglês proferiu um discurso arrebatador, galvanizando os seus soldados.
Durante a mesma, Henrique V demonstrou bravura e fraternidade extraordinárias, quando himself e em pleno combate, à força de espada, resgatou o seu irmão mais novo das mãos dos soldados franceses que o haviam capturado.
Assim fomos nós TODOS ontem: corajosos, destemidos e solidários, como aliás descreveu e muito bem, no último trecho do post.
Atentamente:
Miguel Correia
Caro Miguel Correia,
EliminarEsta guerra do Sporting dura há mais tempo do que a guerra dos cem anos. Há muito que não me emocionava tanto a ver um jogo seja de que modalidade for.
SL
Belo post. Fomos ontem Sporting e somos hoje e sempre! É tão grande o nosso Sporting.
ResponderEliminarJ.Rocha. SL
Caro J. Rocha,
EliminarO nosso Sporting é imenso. Ser do Sporting é simples: estamos a ver um jogo como aquele e sabemos que pertencemos ao Sporting.
SL
De facto, o Fcp tem muitos jogadores de grande estatura mas ontem , na segunda parte, o Sporting foi mais equipa.
ResponderEliminarPercebo a comparação com a batalha de Azincourt em que os ingleses, apesar de em menor número, venceram mas acabaram por perder a Guerra, chamada dos cem anos. Nós não queremos vencer apenas esta batalha mas sim vencer a guerra.
P.S. No andebol não temos de ouvir os comentários imbecis da Sport Tv.
Meu caro,
EliminarA SportingTv tem um excelente comentador. Aprende-se e percebe-se melhor o jogo com ele. Espero que esta batalha não acabe como a guerra dos cem anos. Como andámos há mais tempo do que isso, também não pode ser uma guerra dos cem anos, quanto muito dos duzentos pelo menos.
SL
Quanto ao Arnaud Bingo , estás mal informado ele não pode jogar
ResponderEliminarporque não estava inscrito na altura a que correspondia a data do jogo.OK:
Obrigado.
EliminarEstava à espera que o Bingo fosse a arma secreta, porque não tem jogado praticamente. Este jogo contra o Porto estava em atraso e agora percebo bem.
SL
Brilhante descrição e espírito de união das equipas das modalidades do nosso SCP! Essa que fazia tanta falta na modalidade dos ricos, jogadores, equipas técnicas e aspirantes a dirigentes...
ResponderEliminarObrigado.
EliminarHá uma cultura de vitória nas modalidade (ditas) amadoras. O caso mais evidente até é o atletismo. Era importante que esta e qualquer outra direção percebe-se porque razão existe essa cultura de vitória que infelizmente não existe no futebol.
SL
Não há meninos mimados e há grandes capitães e treinadores que têm o clube acima de tudo (também não há Otávios)
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