segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Os “flippers” da vizinha são melhores do que os nossos

O Peseiro não facilitou. Insistiu na mesma equipa do jogo contra o Feirense com duas alterações: uma por lesão do Nani, jogando o Jovane, e outra por opção, tirando o Ristovski, que tinha jogado dois jogos em pouco tempo pela seleção, e metendo o Bruno Gaspar. Contra todas as expetativas, manteve o habitual duplo pivô: Battaglia e Acuna. Não é bem isso, é mais um par de “flippers”. Cada um tem a responsabilidade de acertar na bola quando ela anda pelo seu lado e procura marcar pontos tabelando com os obstáculos que estão à sua frente, que neste caso se designam “jogadores adversários”. 

Contrariamente ao que acontece no jogo de “flippers”, os obstáculos mexem-se e querem eles próprios fazer de “flippers” tentando acertar na bola também e tabelar nos obstáculos, que neste caso passam a ser os jogadores do Sporting. A existência de vários jogos de “flippers” num mesmo jogo em que os “flippers” e os obstáculos se revezam à vez, torna o jogo um pouco confuso. A solução passa ou pela bica para a frente, tentando que o jogo de “flippers” se jogue no meio campo do adversário, ou pelo recuo do Bruno Fernandes para se sair a jogar. Com o Jorge Jesus, o Bruno Fernandes jogou praticamente em todas as posições. Com o Peseiro deu-se um passo em frente e espera-se que o Bruno Fernandes jogue em todas as posições ao mesmo tempo, faltando jogadores na frente porque ainda não lhe é possível, por agora (com o treino lá chegará), estar em todo o lado e ir passando a bola a si próprio até encontrar uma brecha para rematar.

Esta leitura do jogo permite compreender melhor a sagacidade do Peseiro. Aposta mais nos "flippers” adversários do que nos seus. Sempre que pode, a equipa pressiona alto e impede a saída confortável do adversário. A pressão parece um pouco atabalhoada, mas há sempre um “flipper” adversário tonto que tenta fazer o que mecanicamente não é possível, entregando-nos a bola em zona perigosa. Foi assim que nasceu o primeiro golo, com o Jovane a recuperar uma bola junto à área adversária e a passá-la de imediato ao Montero que, após a pausa do costume para processamento das coordenadas dos colegas e adversários no seu GPS, desmarcou o Raphinha que rematou para o um a zero. Para além do golo e de um cabeceamento do Coates ao lado, a primeira parte teve pouco mais. 

A segunda parte não se iniciou com melhores augúrios. Só que, em dado momento, o Jovane entrou desembestado na área a contornar os obstáculos que se lhe depararam até um deles fazer de “flipper” antes do tempo e acabar por o derrubar. O Mota que vê tudo – ainda nos lembramos dele a ver um falta de Slimani que ninguém viu e a anular-nos um golo e a impedir-nos a vitória e a manutenção da distância para o Benfica na época 2013/14 quando liderávamos o campeonato - viu o “penalty” e marcou-o. O Bruno Fernandes com a paradinha habitual fez o dois a zero. O jogo parecia arrumado, mas nos “flippers” nunca se sabe. O Acuna de olhos fechados procurou atrasar uma bola para a defesa e acabou a passá-la a um adversário, originando o dois a um. O passe surpreendeu não só a defesa como o realizador da SportTv, que só conseguiu filmar o jogador do Marítimo isolado a marcar o golo. 

Duas circunstâncias impediram que o final do jogo se transformasse no “ai Jesus” do costume. Depois de marcar um golo, o Bruno Fernandes libertou-se de angústias e entrou no seu normal que constitui a “twilight zone” para qualquer mortal. A bica para a frente promovida pelo Peseiro tem muito que se lhe diga. A do Jesus pressupunha que o Bas Dost ganhasse a primeira bola, perdendo-se sempre a segunda porque os colegas não percebiam a ideia de jogo do treinador com o “up and under kick”. O recurso ao rugby com o Peseiro é mais eficaz. Sem o Bas Dost na frente, não se espera ganhar a primeira bola, avançando a equipa em bloco para ganhar a segunda. Numa destas jogadas, o Bruno Fernandes ficou com a bola de frente para a baliza, tabelou com o Montero, fez uma revienga a um adversário e meteu-a pelo buraco da agulha para o três a um. Depois deu para tudo. Deu para se estrearem o Wendel, o Gudelj e o Diaby e para um defesa do Marítimo ter sido acusado e condenado por homicídio na forma tentada. 

Com o Jorge Jesus, o nosso futebol era um aborrecimento, mas era porque era para ser assim. Não se esperava que melhorasse. Nem nós, adeptos, o esperávamos, nem os jogadores. A esperança é a última a morrer mas estava, há muito, morta e enterrada. Jogava-se mal porque os conceitos de mau e de bom do treinador não eram idênticos aos nossos. Bom é com o treinador. Mau é com os jogadores. Como não são os treinadores a andar aos pontapés na bola, só víamos o mau sem compreendermos o bom que estava por detrás dele e na cabeça (ou na ideia de jogo) do criador. 

Com o Peseiro existe aborrecimento mas também existe esperança. Ainda acreditamos que o aborrecimento é por acaso. Falta tempo, isto é, treino e entrosamento dos jogadores, que chegaram às pinguinhas. Em cada jogo, esperamos sempre melhorias e estas têm aparecido, poucas mas suficientes para não se perder a esperança. É um “learning by doing” permanente. Com o Raphinha hoje, o Gudelj amanhã e o Sturaro um dia destes é possível voltar a ver a nossa equipa a jogar bom futebol. A ganhar já vemos. 

8 comentários:

  1. Como a ganhar já a vemos, nem tudo se perde e parece, até, que ganhámos um bom novo jogador, o que era para ser Badelj e acabou por sair Gudelj.
    O outro, ainda se fosse Leonny... agora Diaby? Nem parece coisa daqui, mas como, com a mesma origem, já nos apareceu um tal Mpenza que começou por deixar todos assustados e, afinal, foi para nos deixar entusiasmados.

    Que venha o Qarabag (se é que é assim que se escreve) e não traga nenhum karaté kid - e nenhum Fabrício, se não for pedir muito.

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    1. Meu caro,

      A melhor fase do Sporting foi com o Gudelj e o Wendel em campo. Se resolvermos a posição de defesa esquerdo, pode ser que as coisas façam o seu caminho. Aparentemente o Diaby será o novo Douala. Do que tenho receio é da capacidade do Peseiro para gerir o plantel, gerindo egos e estatutos e mantendo a equipa motivada. Até agora correu tudo bem porque ganhámos, mas as equipas a sério vêem-se nas derrotas e na forma como reagem a elas.

      SL

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  2. Caro Rui,

    Não ter uma grande ideia é meio caminhos andado. Sem a pressão do costume, sem grandes interferências externas (elas ainda não se verificaram porque ninguém conta connosco) ainda podemos surpreender e perder tudo apenas na última semana...

    Um abraço

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    1. Caro Gabriel,

      Talvez tenha sido isso que o JJ nunca percebeu: em vez de instigar pressão para se ganhar devia simplesmente instigar a simples vontade de ganhar. As interferências externas ainda não se fizeram sentir. Ainda anda tudo com pena de nós, mas se ganharmos ao Braga vão começar o olhar-nos de lado.

      Um abraço

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  3. "A melhor fase do Sporting foi com o Gudelj e o Wendel em campo" Até que enfim, pensava eu que sofria de solidão nesta análise. É tão simples de ver que aquele meio campo com jogadores de futebol é outra história. Partilho também a preocupação da gestão de RH do Peseiro.

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    1. Caro Francis,

      Não só jogou melhor como a equipa e os jogadores pareciam estar melhor distribuídos em campo e mais confortáveis. O problema é a forma como o Peseiro vai gerir os jogadores em função dos interesses da equipa e não para afagar o ego de um ou de outro.

      SL

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  4. Caro Rui,
    a sua análise é também a minha… o jogo é bastante confuso, mas tem uma vantagem relativamente ao JJ... a confusão passa-se mais vezes junto da área adversária, o que nos permite estar mais perto do golo… não vale a pena andar com muitas estratégias, a estratégia é meter a bola na área e esperar que os flippers tratem do resto.
    Pena que o Matheus não tenha esperado pela sua oportunidade e pena que não se tenha tido mais paciência com o Matheus.
    Saudações leoninas

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    1. Meu caro,

      De pouco serve andar a trocar a bola atrás até se sair com estilo se nisso esgotamos todas as energias e a maior parte do tempo. De vez em quando interessa bater a bola na frente e quanto mais depressa melhor.

      É pena que o Mathues não tenha ficado. Os jogadores que podem fazer a diferença fazem sempre falta. No ano passado olhava-se para o banco e sabia-se que de lá não podia sair nenhum jogador que pudesse mexer com o jogo. Foi esse feito que o JJ conseguiu.

      SL

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