terça-feira, 25 de setembro de 2018

O “quatro em linha” de Peseiro

Este jogo era um teste importante para o Sporting de Peseiro. Não tenho dúvidas que seria assim que o Freitas Lobo iniciaria este texto se estivesse no meu lugar. Continuando assim a pensar pela cabeça dele, depois de um ror de vitórias e de um empate na Luz, deixámos de ser o patinho feito e passaram a levar-nos a sério. Um bom resultado seria um indicador importante sobre a necessária resiliência da equipa para se assumir como candidata ao título ou se, na melhor das hipóteses, não lhe restaria outra alternativa que não fosse a de se assumir como “outsider”. A partir do resultado, a cabeça dele produziria um emaranhado de congeminações técnico-táticas-psicológicas-anímicas que levaria a uma conclusão lapidar: se sim, sim, se não, não, mas talvez, talvez. Infelizmente não sou o Freitas Lobo e tenho de trabalhar a fazer qualquer coisa que se veja sem poder viver do bitaite. 

Sendo ele um especialista e eu um amador, volto à sua apreciação. Acho que ele também diria que as equipas se encaixaram taticamente. Cada uma das equipas condicionou a saída da bola da outra, passando-se a jogar à biqueirada para a frente. O jogo transformou-se num “solteiros contra casados”, ganhando um bacalhau (do miúdo, naturalmente) e um garrafão de vinho tinto (morangueiro, evidentemente) quem chutasse com mais força. Podia não ter sido assim, mas para que assim fosse, o Artur Soares Dias anulou-nos uma jogada de ataque prometedora, como agora se diz, por fora-de-jogo inexistente. Sem o VAR, as regras são para beneficiar o ataque. Com o VAR, ainda mais, devendo-se deixar decorrer a jogada até ao fim para se averiguar se houve ou não qualquer infração. As regras nunca se nos aplicam, é um azar que temos a juntar a tantos outros como o de termos o Peseiro a treinador. Voltando ao mesmo, o jogo teve momentos que nos fez lembrar algumas das partidas mais memoráveis de Vidal Pinheiro e do Salgueiros. 

Na segunda parte, o Sporting pareceu apostado no contragolpe. A tática é baseada no conhecido “deixa-os poisar” misturado com o não menos conhecido “apanhá-los com as calças na mão”. A ideia (de jogo, como diz o Jorge Jesus) não parecia má. Quando um jogo está para o chocho, é provável que ganhe quem tem jogadores mais virtuosos no ataque e nós tínhamos os três mosqueteiros e o D'Artagnan: Raphinha, Montero, Bruno Fernandes e Nani (a ordem é arbitrária). A tática esteve para dar resultado, mas o Bruno Fernandes rematou ao lado. Quando, por azar, essa tática não resulta acaba por perder quem tem o pé mais frio e nisso, com o Peseiro, somos imbatíveis.

O Braga andava num afã tonto a fingir que atacava quando ganhámos a bola e procurámos partir em desfilada para o contra-ataque. A bola chega ao Montero que procura fazer não sei o quê e acaba por a passar atrasada para a corrida do Ristovski – primeiro azar do Peseiro. O Braga recupera a bola e uma mosca morta que por ali andava (nas palavras sábias do Freitas Lobo, o homem andava por ali devido a um pensamento tático revolucionário do Abel) avança para a área pelo lado esquerdo do ataque. Hesita tanto e demora tanto, mas tanto, que permite ao Montero recuperar e fechar o lado de dentro, ficando o Coates com a cobertura do lado de fora, o que em condições normais permitiria matar o lance de ataque. A mosca morta conseguiu centrar sem saber bem como e a bola passou por debaixo do pé do Coates – segundo azar do Peseiro. Um avançado do Braga antecipa-se à defesa e remata meio enrolado para a baliza, só que estava um outro jogador do Braga a fazer de homem-estátua à frente do Salin, impedindo-o de ver a bola e de a defender – terceiro azar do Peseiro. Para cúmulo, o Ristovski tinha recuperado a sua posição defensiva, colocando em jogo, desta forma, o homem-estátua – quarto azar do Peseiro. O golo resultou assim de um “quatro em linha” do Peseiro. 

Depois, bem, depois o Peseiro fez o que pôde. Tirou o Nani e meteu o Jovane Cabral, ficando com dois extremos rápidos e com dezenas de metros de “sprint” nas pernas. Tirou o Montero e meteu o Castaignos como avançado mais fixo para o assalto final. Quem não tem cão, caça como um gato; o que não caça é com uma torre eólica “offshore” holandesa. Recomenda-se que para a próxima se meta um central e se adiante o Coates. Ainda demorou uma dezena de minutos para se decidir a partir o jogo, tirando o Gudelj e metendo o Diaby.

A equipa tentou e ia conseguindo. O Raphinha junto à meia-lua rematou a rasar o poste. Um pouco mais tarde, na sequência de um canto e de uma troca de bola com o Bruno Fernandes, enfiou um tiro que parecia ir direitinho ao ângulo mas ou porque a bola tocou ao de leve num jogador do Braga ou porque ganhou vida própria saiu milimetricamente ao lado. O Jovane Cabral ganhou uma bola a dois jogadores do Braga e foi desembestado para a área passando à vez por cada um dos três mecos que lhe apareceram pela frente até rematar mas sem conseguir desviar a bola suficientemente do guarda-redes que fez uma boa defesa. Ganhámos a primeira bola nuns tantos chuveirinhos mas não foi ter com nenhum dos nossos jogadores permitindo os alívios do Braga. 

Perdemos. Se fosse o Freitas Lobo, estaria a fazer prognósticos no fim do jogo, incensando o engenho tático do Abel e sublinhando a rematada estupidez do Peseiro. Mas ninguém me tira da cabeça que o resultado se explica pela biqueira da bota do Bruno Fernandes e pelo “quatro em linha” do Peseiro. Se fosse com outro clube, havia todas as razões para desanimar. Tratando-se do Sporting, não. Há sempre um exemplo que compara pior num passado mais ou menos recente. Quando fazemos mal, encontramos sempre outra situação que ainda fizemos pior. No ano passado, com o rei da tática, perdemos também e jogámos muito pior. Nessa altura, ficámos a oito pontos do primeiro e agora ficámos a três. É mau? É. Podia ser pior? Podia. A situação pode melhorar? Pode. O que fazer, então? Comprar uma pata de coelho ao Peseiro e pedir à SportTv para nos livrar do Freitas Lobo.

7 comentários:

  1. Caro Rui,

    Que excelente sumário do jogo. Penso que muito melhor que qualquer tentativa do Freitas Lobo, apesar do seu amadorismo e do profissionalismo dele.

    Quando se tem Peseiro no banco estamos sempre preparados para isto: jogar melhor, mas perder. Ele este ano parece apostado a apagar essa má imagem, sendo no entender dele mais fácil passar para o oposto: jogar pior, mas ganhar. Ontem não conseguiu, mas veremos se para a semana consegue voltar à sua nova normalidade.

    Em qualquer dos casos é cedo, muito cedo, para desatar a criticar o treinador. Se dúvidas houvessem que a culpa do homem é relativa atente-se ao facto das opções para ponta de lança serem o Montero e o Castaignos...

    SL

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    1. Caro João,

      Não tenho grandes expetativas quanto ao Peseiro. Não o considero é pior que os restantes treinadores do nosso campeonato. Com toupeiras e quejandos, não tenho dúvidas que o azar não se veria no Benfica.

      Também é verdade que identificou bem as nossas insuficiências de plantel. Andamos há três anos a rezar para que o único ponta-de-lança que temos (primeiro o Slimani e depois o Bas Dost) não se lesione ou seja expulso. Como se viu, ou jogamos com o Montero que faz o favor de sair da área o tempo todo e de não marcar um golo ou jogamos com o Castaignos que foi contratado para a modalidade errada pelo menos.

      Não acho que tenhamos muito pior equipa do que a do ano passado (também não temos melhor). Também não temos pior treinador. O problema é que esta época não foi preparada ou vem sendo preparada aos trambolhões. Tarde ou cedo, esta impreparação dá sempre maus resultados.

      SL

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  2. Só uma correção: o ditato popular é quem não tem cão caça como o gato, ou seja, sozinho. Um abraço!

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    1. Meu caro,

      Obrigado pela correção. O ditado assim até fica melhor. De facto, andamos a caçar sozinhos.

      Um abraço

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  3. Peseiro tinha uma "ideia do jogo", romântica qb, apelativa, que quase ganhava campeonatos e/ou taças europeias. Faltava-lhe apenas um bocadinho. Pequenino, mas impeditivo. Agora, depois de resgatado do desemprego por Sousa Cintra, Peseiro voltou com uma "ideia de jogo". Há actos de gestão que são assim, notáveis. Contratar um clone de Jorge jesus, por um quinto do que nos custava o mestre da táctica é obra.
    Onde se nota mais a clonagem é nas substituições: há uma fé inamovível nas primeiras escolhas, que empurra as substituições para aquele período entre os 80 e os 90 mais qualquer coisa. Seja para entrar o Jovane ou o Castaignos. Na cabeça de Peseiro as coisas são como são.
    Bom, não jogámos bem, não jogámos mal, não jogámos melhor do que o Braga, tão pouco jogámos pior. Como diria o Peseiro foi apenas a sorte a ditar o resultado. Quem assim fala é um homem sem sorte, má sorte a nossa.

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    1. Caro JG,

      Convém não esquecer que nesse passado havia o Liedson que disfarçava muitas insuficiências. Nessa altura o principal problema foi o da gestão do balneário sobretudo do Pedro Barbosa e do Sá Pinto que eram quem mandava na equipa.

      O homem agora está mais sério e menos ansioso. Mas tem mais medo e é mais cauteloso. Está a esperar para ver como é que vai evoluindo. Sem pré-época e com jogadores a chegar às pinguinhas e fora de forma, convém dar o benefício da dúvida, embora não se perca nada de se começar a bater quando alguma coisa não corre pelo melhor e podia correr.

      SL

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  4. Tem razão caro Rui Monteiro. Há muitos atenuantes. Este começo foi tudo menos normal. Mas imagino eu que este contexto anormal seria ums excelente oportunidade para um Peseiro mais igual a si próprio, à sua vocação original de treinador capaz de apostar nos mais novos e colocar as equipas a jogar bem à bola.
    Talvez haja um compromisso algures entre o vício e a virtude.

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