segunda-feira, 4 de maio de 2020

Logo agora que éramos os nórdicos do sul da Europa!...

O título e o subtítulo da recente reportagem do New York Times não podiam ser mais inquietantes. O Benfica é comparado a um estado soberano e os jornalistas interrogam-se sobre a (im)parcialidade dos seus adeptos quando se constituem simultaneamente como procuradores ou juízes dos processos judiciais que o envolvem. Este artigo diz mais do que somos como estado de direito democrático do que do Benfica como clube ou equipa de futebol. Parece de propósito, logo agora que nos consideravam os nórdicos do sul da Europa ou a sétima democracia mais avançada do Mundo. 

Este confinamento permitiu-me retomar a leitura de alguns livros que por uma ou outra razão tinha deixado a meio. Um deles foi “Porque Falham as Nações”, de Daron Acemoglu e James A. Robinson. É um ensaio histórico que procura explicar a relação entre a natureza das instituições – inclusivas ou extrativas – e a sustentabilidade do desenvolvimento económico e da prosperidade dos países. Aparecem figuras (figurões, melhor dizendo) como Mugabe, no Zimbabué, Kabila e Mobutu, no Zaire, Siaka Stevens e Joseph Momoh, na Serra Leoa, Karimov, no Usbequistão, ou Mubarak, no Egipto.

De acordo com os autores, o progressivo afastamento dos países mais e menos desenvolvidos não se deve a diferenças na qualidade e quantidade dos fatores de produção, no acesso à tecnologia, mas à evolução das suas instituições como resultado da sua interação com conjunturas críticas, desde a Peste Negra, à (des)colonização ou ao desmantelamento da União Soviética. Pequenas diferenças institucionais à partida determinam evoluções diferenciadas após essas conjunturas em instituições como o direito de propriedade, a representação popular ou a independência da justiça. Depois da Revolução Gloriosa, na Inglaterra, ou da Revolução Francesa, na França e Europa ocidental, assistiu-se à transformação das suas instituições, tornando-se mais (e mais) inclusivas. Em contrapartida, por exemplo, as instituições extrativas do colonialismo espanhol, português, britânico, francês ou holandês foram simplesmente apropriadas pelas novas elites políticas e económicas para seu benefício após a descolonização. 

À falta de algo melhor em que pensar, entretive-me a analisar a evolução do futebol português a partir de idêntica perspetiva institucional da sua história recente e, em particular, das suas conjunturas críticas. Talvez a primeira conjuntura crítica dos tempos mais recentes tenha sido a constituição da Liga Portuguesa de Futebol Profissional como organismo autónomo da Federação Portuguesa de Futebol responsável pela organização das competições profissionais, associada à criação das Sociedades Anónimas Desportivas. Pareciam existir condições para um tempo novo, com os clubes transformados em empresas cotadas em bolsa e o futebol em indústria regulada que permitisse a atração de investimento e investidores. Rapidamente o “establishment” se recompôs e tivemos Valentim Loureiro como Presidente da Liga praticamente de 1992 a 2005, com o interregno de 1994-95, com Manuel Damásio e Pinto da Costa.

A segunda conjuntura crítica surge exatamente no fim desse ciclo, com o Apito Dourado, mas as mesmas instituições extrativas e os seus representantes continuaram a resistir sem grandes mazelas, com os dirigentes a manter-se e os árbitros também. No entanto, envolvidos nesse escândalo, Valentim Loureiro desaparece e Pinto da Costa perde influência, emergindo o Benfica e Luís Filipe Vieira. A sua afirmação de que são mais importantes lugares na Liga do que contratações de bons jogadores, em resposta à contratação de Jankauskas (ex-jogador do Benfica) pelo Porto, era o prenúncio da necessidade de tudo mudar para que tudo ficasse na mesma, parafraseando Lampedusa. Da colonização passou-se à descolonização e nada mudou, com exceção da hegemonia. 

A terceira conjuntura crítica foi a sucessão de casos com nomes extravagantes (“mala ciao”, “e-toupeira”, “vouchers”, “emails”, etc.) envolvendo o Benfica, mas não houve pressão da opinião pública para que se mudassem as instituições. Ficou a denúncia, mas não foi aproveitada para a mobilização da opinião pública para essa mudança necessária. Nessa conjuntura crítica, Bruno de Carvalho e Pinto da Costa tiveram a oportunidade de obrigar o poder político a intervir, recusando-se pura e simplesmente a continuar a participar no campeonato. Cada um à sua maneira, mais Pinto da Costa do que Bruno de Carvalho, procuraram tirar benefícios de curto prazo mas sem a apresentação de plano radical de alteração das instituições assente na mobilização dos seus milhões de adeptos. Como sempre, no Sporting, não se consegue compreender a grandeza histórica e a dimensão do clube e muito menos transformá-las em poder de influência efetivo. 

E chegámos ao ponto de os mesmos dirigentes do futebol que nos envergonham como povo se sentarem à mesa com os nossos representantes eleitos democraticamente para negociarem um estado de exceção no contexto da pandemia do Covid-19, sem qualquer condição ou contrapartida de reforma institucional. Num mar de dificuldades onde se encontram os portugueses, cancelam-se competições, concluem-se as temporadas das restantes modalidades, deixando em dificuldades financeiras atletas de enormes méritos, e permite-se que no futebol profissional tudo possa continuar para que continue a roda dos milhões sem origem nem destino conhecidos. Voltam os velhos tempos, calando-se os profissionais qualificados de quem a nossa vida e a vida dos nossos concidadãos dependeu e depende para se ouvirem os cartilheiros do costume. Tenham vergonha e não nos envergonhem!

20 comentários:

  1. Subscrevo mais um post sério que deveria chegar às instâncias do poder.
    Só um pequeno aparte : alguns dos nossos eleitos já se sentam à mesa com a camarilha, há muuuuuuuito tempo.

    Dr. Fernando Gomes :"podiamos vender os direitos televisivos a outros paises, temos uma Liga competitiva!"
    QUE?! Qual Liga competitiva? Quantos clubes estão ainda nas competições euriopeias?
    Uma Liga que permite os desvios com o da época 2015/16 nem deveria existir.
    SL

    João Balaia

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    1. Caro João,

      Para a cooptação ser mais clara, nada melhor do que escolher uma deputada do partido do governo para um dos órgãos da federação. É a mesma lógica das portas giratórias que levaram Durão Barroso ao Goldman Sachs Tony Blair ao JP Morgan ou até o infeliz John Major ao Carlyle Europe.

      Imagino os países e seus públicos interessadíssimos nas arbitragens do Jorge Sousa explicadas pelo Duarte Gomes, Seria um fartote de atenção!

      SL

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  2. Bom dia Rui,

    grande texto. Esperar uma regeneração a partir dos protagonistas do costume é uma utopia. Por falar nisso, Thomas More propunha com alguma ironia uma sociedade ideal, perfeita, em que os cidadãos eram obrigados a ter um comportamento irrepreensível. Já não seria mau que no futebol português o comportamento fosse assim-assim. Assim como está é uma U2pia.

    Um abraço

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    1. Caro Pedro,

      É verdade. Assim-assim estava bem. Não se está a pedir muito. Está-se a pedir que não nos envergonhem a todos e que os governos não façam de contas que a vergonha não é deles também ao deixar andar e permitirem estados de excepção.

      Um abraço

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  3. magnífico post sobre a insustentável leveza do futebol português...
    Já dizia Aristocles: But the chief penalty is to be governed by someone worse if a man will not himself hold office and rule... era para pôr a citação em grego, hélás, "Graecum est; non legitur"

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    1. Meu caro,

      Tem toda a razão. A culpa é nossa que permitimos que o poder político permita por sua vez que o futebol seja um estado dentro do estado a viver em permanente estado de excepção.

      SL

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  4. Mais prosápia obreira do mesmo...
    Fico à espera das provas, queixas, etc. para ajudar ao processo avançar. Ou será que é só atrás de um PC que a "justiça se faz"?

    Sérgio

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    1. Provas?Ainda mais provas! Lá que não as queiram usar é uma coisa,agora que elas existem...existem! Ou o amigo chegou agora de Marte! Lá que em Portugal aconteça aquilo que o NYT referenciou disso ninguém tem dúvidas...mas se alguém o disser ainda nos ameaçam com processos judiciais...aqueles processos que só certos clubes têm acesso(embora de forma ilegal) e nada lhes acontece! É o Portugal que temos, e pelos vistos aquele que o Srº gosta! Estou atrás de um PC, mas o meu nome está aí...mas devo dizer-lhe que em Portugal já houve o 25 de Abril!

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    2. Pronto, já vi que é o Fernando que decide que se as provas existem e se as mesmas são aceitáveis (vide caso alteração dos mails).
      Com certeza que o NYT é a referência, principalmente com o autor do artigo que, criticando a ligação do juiz ao Benfica, verificamos que ele mesmo também tem no Twitter um conjunto de amigos (grande conjunto mesmo!) com ligação a um certo clube que não o Benfica.
      Sobre o acesso aos processos, fique a saber foi provado (sim, PROVADO, coloco em Maíusculas para ter noção) num tribunal de 1.ª Instância e confirmado num Tribunal de recurso, que o Benfica não tinha, nem tem, interesse na influência sobre os atos desse trabalhador de um pequeno tribunal numa pequena cidade do interior de Portugal. E, também, nenhum interesse, poder ou influência sobre a vida privada do Sr. Gonçalves (quem são os seus amigos, colegas, contactos, etc.).
      Se para si houve um 25 de Abril convido-o a ir a um tribunal apresentar sem medos as suas provas - até lhe dou a morada se necessário.

      Sérgio

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    3. A Benfiquistas respondo com todo o gosto...a minha mulher é benfiquista! A Lampiões nem respondo nem sequer consinto que me convide para nada! Passe muito bem! O pior cego não é aquele que não vê...mas sim o que não quer ver!

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    4. Meu caro Sérgio,

      Respondeu sem ler ou sem perceber o que leu. Volto a explicar para que perceba de uma vez. Quem está atrás do PC são os jornalistas do New Youk Times. O que eles escreveram envergonha-nos a todos: sportinguistas, benfiquistas e portistas. Talvez os benfiquistas se sintam duplamente envergonhados, por serem portugueses e benfiquistas. O que não entendo é benfiquistas que o são antes de serem portugueses. Percebido agora? Ou o Apito Dourado também nunca aconteceu porque ninguém foi condenado?

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    5. Meu caro Rui,
      Porque é que um juiz pede escusa de um caso?
      Porque é que há juizes a serem investigados?
      Porque é que um funcionário do Benfica pediu a um funcionário da justiça para ver o processo dos mails,se não tinham nada de mal?
      Porque é que é preciso alguém pedir para dar cabo da nota a um árbitro?
      Porque é se oferece um kit a árbitros mas junto enviam-se uns vauchers? Ah é só no fim do jogo...e quantos mais jogos esses árbitros ainda vão arbitrar?
      Quantas vezes já foram visitados pela PJ?
      Isso é só por haver fumo...ou será que também haverá fogo? Fogo,eu sonhei,sou parvo ou todas estas perguntas têm razão de ser? Não é um qualquer Sérgio desta vida que me vem dar lições de moral! Sim, sou do grande SCP...mas se tudo isto lá se passasse,eu morreria de vergonha...é a diferença entre Sportinguistas e Lampiões!

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    6. Caro Fernando,

      Há um aforismo popular que explica situações como esta: "não se deve confundir a estrada da Beira com a beira da estrada".

      As respostas às suas perguntas são evidentes. As suas perguntas encerram factos conhecidos e sobre eles não existem dúvidas. Há fumo e há fogo.Há muito tempo que se deviam ter alterado as instituições do futebol para que não houvesse fumo nem fogo.

      Outra coisa bem diferente é saber se a justiça considera crimes tudo isto e quais são os culpados desses crimes. Na justiça existe o princípio da presunção da inocência e o princípio que na dúvida a decisão é favorável ao réu.É preciso provas e provas irrefutáveis para que a justiça condene.

      Em síntese, a situação envergonha-nos a todos os portugueses independentemente de se estar em presença de crimes e condenados decididos pela justiça. Essa vergonha devia ser mais dos benfiquistas do que dos restantes adeptos portugueses, dado que eles são simultaneamente benfiquistas e portugueses. A diferença não está no clube. Há benfiquistas que estão tão ou mais envergonhados do que nós. O problema é quando são só benfiquistas e fazem do benfiquismo a sua única razão de existir.

      SL

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Pronto, acabam-se os argumentos e começam os insultos...espero que o Fernando não se esqueça também das lições de educação.

    A única parte positiva que tiro deste blog é que não fazem como outros que cortam o pio à velha maneira pidesca quando a conversa não interessa mesmo nada.

    Caro Rui, agradeço a sua correcção mas não seja desonesto intelectualmente - colar uns livros que leu a um artigo de opinião do NYT de UM jornalista (sim, opinião e não informação de um só jornalista com muitos amigos por cá conhecidos), ainda por cima tenta insinuar que o clube Benfica e todos os benfiquistas são corruptos... o Rui menciona a ideia que inclui os 3 grandes quando 1 não é falado, outro é apresentado como vítima.
    Só o título mostra bem os 3 grandes: "The Soccer Club as a Sovereign State" - dá-me ideia que soccer club é clube de futebol e não clubes de futebol...

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    1. Caro Sérgio,

      Esses seus heterónimos baralham a discussão. Vou admitir que estou a falar com o primeiro Sérgio.

      Admito que a sua qualificação quanto à minha honestidade intelectual se deva a um impulso, sem grande racionalidade. Não é por nada, é que, ao fazê-lo, considera-se moralmente superior e quem é moralmente superior não discute com quem não o é. A discussão só pode existir quando nos colocamos no mesmo plano ético, se não, não é discussão. Também escrevo sem nenhuma outra intenção que não seja cumprir a linha editorial do blogue: “Falaremos do Sporting, mas mal do que bem. Falaremos do Benfica, sempre mal. Falaremos do Porto, conformados”. Ninguém lê este blogue ao engano.

      Continua a não compreender a minha análise. O artigo do NYT é mais sobre nós portugueses e as nossas instituições do que sobre o Benfica. O que o artigo nos diz é que as nossas instituições democráticas e de estado de direito não funcionam. É por isso que associo esse artigo ao livro que acabei de ler há mais de uma semana. Mas volto ao ponto: é sobre as nossas instituições e as instituições que regulam o futebol que incide a minha análise, recorrendo à grelha de leitura dos autores do livro. Custa ver um juiz, neste caso do Benfica mas podia ser do Sporting ou do Porto, não interessa, andar a escrever alarvidades e a fazer julgamentos apressados nas redes sociais para depois apagar tudo e fazer de conta que foi a imprensa que andou a afirmar umas coisas.

      Dou-lhe outro exemplo, para ver se nos entendemos. O escândalo do BES é privado. O Ricardo Salgado ou não foi acusado ou, se foi, ainda nem sequer foi julgado. Não sei, não sabemos se vai ser condenado. É assim que funciona a justiça. Mas sabemos que aconteceu o que aconteceu e o que aconteceu foi um escândalo nacional. Anos e anos de más práticas, para não lhes chamar outra coisa, com envolvimento do poder político e os organismos de regulação da atividade bancária.

      Quando se deu o assalto a Alcochete defendi não só que o Presidente do Sporting se devia demitir como também o Sporting não deveria comparecer na final, perdendo por falta de comparência. Nada disto se deveu a qualquer julgamento apressado sobre o envolvimento do Presidente do Sporting no assalto. Deveu-se à mesma razão que me leva a escrever agora. Aquele assalto era uma vergonha para os portugueses e especialmente para os sportinguistas. Quando assim é, há responsabilidades e responsáveis e esses responsáveis não nos podem envergonhar como adeptos de um clube e muito menos como portugueses.

      Este confinamento está-me a provocar umas insónias danadas!

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    2. Bom dia, Rui.
      Os heterónimos - devem-se ao acesso pelo telemóvel ou pelo PC de casa.
      Não é por acusar de ser desonesto intelectualmente que sou moralmente superior, isso é para não responder aos meus argumentos. Se eu desmontar as suas ideias vai-me acusar de lhe chamar idiota?
      Li tudo o que escreveu mas fixei isto "Também escrevo sem nenhuma outra intenção que não seja cumprir a linha editorial do blogue: “Falaremos do Sporting, mas mal do que bem. Falaremos do Benfica, sempre mal." Ainda pensei que fosse uma piada mas sendo assim nem vale a pena trocar argumentos consigo - por muito que disfarce o Rui nunca conseguirá passar de hipocrisia ao tentar descrever problemas de Portugal, futebol, etc. partindo do princípio que é para "falar mal" do Benfica. Absolutamente lamentável.
      Sérgio

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  7. Um dos lugares comuns da ordem vigente é a famigerada frase: uma crise, todas as crises, é(são) uma grande oportunidade. Na área económica sabemos muito bem qual o real significado dessa(s) "grande oportunidade". Temos já um razoável acervo de experiências passadas. Esta filosofia foi extremada no campo da arquitectura por um soturno arquitecto americano, Lebbeus Woods, de seu nome, que a propósito da morte e da destruição de Sarajevo escreveu um livro, War and Architecture, em que enaltece a destruição da cidade como uma profunda experiência estética e uma grande oportunidade para a emergência de novas formas arquitectónicas e esculturais.
    Neil Leach num livro publicado entre nós, há uns bons anos,na Antígona, com o adequado título "A Anestética da Arquitectura", analisa de forma aprofundada a "estetização da política". Vale a pena ler.
    Veio-me isto à cabeça - a pandemia não deixa nenhuma cabeça incólume, verdade seja dita - a propósito da reflexão do Rui sobre as leituras e em particular sobre a obra "Porque falham as nações" e o artigo do NYT, que se refere ao Benfica como um Estado dentro do Estado, com a sua poderosa teia de influências políticas e no sistema de justiça. O segundo já tinha tido oportunidade de ler e quanto ao primeiro irei logo que possa encomendar. Pensei que era um daqueles livros que tinham deixado inacabados, mas afinal o que tenho é um de David Landes cujo título é "A Riqueza e a Pobreza das Nações. Porque são algumas tão ricas e outras tão pobres". Talvez haja algum ponto de contacto entre as duas obras. Vou retomar a leitura do que tenho e depois tentar ler o segundo.
    Dito isto no nosso Portugal assistimos nos últimos anos, com a chegada das televisões por cabo e a sua particular noção de "serviço público", à "futebolização da política", não porque os partidos recrutem os seus quadros e os seus dirigentes nas vetustas oligarquias que dominam os principais clubes, mas porque o futebol permite "encher" o espaço de debate público, nas rádios e nas televisões, de um monumental vazio. Uma colossal montanha de coisa nenhuma, que cumpre a nobre tarefa de impossibilitar qualquer laivo de discussão política sobre a nossa vida em comum. Imagino que entre os inúmeros consultores que ajustaram directamente apoiar o Governo, e a República, na definição dos cenários pós-pandemia e nos adequados tratamentos, se estabeleceu um ou dois consenso acima de todos os outros, de que salientaria: 1º)é necessário fazer regressar o "futebol". As aspas destinam-se a deixar claro que estamos a falar do futebol que se discute no prime-time, no "time" logo a seguir e no que se segue a este outro. O futebol que conta, aquele que se "joga" nas televisões a toda a hora a qualquer hora; em segundo lugar é necessário fazer tudo o que pode ser considerado humanamente possível, para que o Benfica seja campeão. Não haverá nada mais distópico do que o Benfica interromper a sua enfiada de vitórias, contribuir para isso seria vacilar perante a intolerável intromissão imperialista protagonizada pelo NYT e os seus acólitos.
    Imagino que estes sábios consultores terão, com a sua sábia proposta, garantido uma catrefa de novos ajustes directos que lhes permitirá, mais tarde, mostrarem, com o seu próprio exemplo, como a crise pandémica foi mesmo uma grande oportunidade. Mesmo que para o País tenha sido apenas e só mais uma oportunidade para nos impedir a todos de mais uma vez deitarmos fora a oportunidade de mudar de vida.
    O futebol serve para isso e o seu Secretário de Estado dos Desportos é um homem habituado a ajustar directamente ou, o que vai dar no mesmo, a sugerir a quem ajustar directamente.

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    1. Meu caro,

      Brilhante texto. Destaco um ponto que não posso estar mais de acordo. A substituição da política no sentido da discussão dos interesses da “polis” pela futebolização no espaço mediático e na opinião pública também é uma outra forma de política, embora parecendo negá-la.

      SL

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  8. Texto muito assertivo que toca no fundamental, e também é bom ver que há mais gente atenta e a pensar assim. Também preparei um texto nesta última semana sobre estas temáticas da actualidade, publicado em breve (ainda hoje) no Rugido Verde. Parabéns e SL.

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