sexta-feira, 22 de maio de 2020

Adepto desconfi(n)ado de água fria tem medo (*)

Cada dia que passa, estou a confinar e a desconfinar pior. Confinei bem quando só se podia confinar. Admito que também deconfinaria bem se se desconfinasse de vez. Dantes, estava em casa e saía quando me apetecia. Agora, estou em casa confinado e, se saio, desconfino-me para, no regresso, me voltar a confinar. Estar em casa é estar preso. Sair é gozar a precária do dia. 

Ontem, desconfinei-me para ir à livraria. À entrada, besuntei as mãos com álcool-gel. A sensação foi a de as meter num alguidar de azeite. Nestas condições, ninguém se arrisca a pegar num livro, não vá deixar-lhe uma nódoa de gordura ou escorregar-se-lhe entre as mãos. O ritual de pegar nos livros, ler-lhes a badana e folheá-los ficou seriamente comprometido. Procurei concluir as compras rapidamente antes que a máscara me deixasse com os óculos completamente embaciados. Comprei “Um Cemitério para Lunáticos”, de Ray Bradbury, autor de um dos livros de referência da minha filha, a distopia “Fahrenheit 451”, e “O Doente de Molière”, do recém-falecido Rubem Fonseca, como homenagem a um dos meus autores de culto.

Estava para me vir embora, quando dei com “Um tempo sem idades”, de Maria João Valente Rosa. Trata-se de um ensaio sobre o envelhecimento populacional. Nem o tema nem a autora são do meu especial interesse, mas a estética das edições da Tinta da China é irresistível e qualquer razão é uma boa razão para se comprar mais um livro. [Se o leitor conseguiu chegar até este parágrafo sem desistir, deve-se estar a perguntar porque razão continuou a ler até aqui. Talvez ainda tenha a expetativa de uma revelação. Nada de mais errado. Eu próprio cheguei até aqui sem saber bem como e ainda menos o que vou escrever daqui para a frente.

O livro da Maria João Valente Rosa começa com três citações quase de enfiada, uma de Cícero, outra de Darwin e outra ainda de Einstein. Esta última é a bem conhecida: “Não podemos resolver os nossos problemas com o mesmo modo de pensar que usámos quando os criámos”. [Neste momento, faço uma pausa para pensar como é que vou meter o futebol nesta balbúrdia de palavras e na sequência deste aforismo. “Força, vamos, tu consegues!”

Não precisamos de Einstein para saber que quando vimos uma tartaruga empoleirada num plátano é sinal de que alguém que a lá pôs. [Sim, é verdade, as tartarugas não trepam.] Quando vimos Pedro Proença, Luís Duque, Mário Figueiredo ou Fernando Gomes a Presidente da Liga também percebemos que alguém os lá pôs. Para abreviar, quem os pôs foram os mesmos de sempre que pretendem que tudo continue como sempre. Pelos vistos, há problemas na Liga e esses mesmos querem arrear o Pedro Proença, faltando saber a tartaruga que se segue ou se deitam a árvore abaixo. Nesta altura percebe-se melhor o aforismo de Einstein e a razão subliminar que me levou a comprar o livro. [Foi difícil mas acabou, para meu alívio e do leitor que teve a paciência de chegar até ao fim.]

(*) Estes títulos acontecem-nos quando não temos nada para dizer e nos dói a cabeça. O Blogger devia ter uma funcionalidade que impedisse os trocadilhos ou só os autorizasse em situações excecionais, como nas prolixas reflexões de Fernando Gomes.

11 comentários:

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    1. Simplesmente brilhante!
      LeãoSempre

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    2. Meu caros,

      Muito obrigado pela referência. Mesmo sem bola a rolar, o futebol português acaba sempre por nos arranjar temas bem divertidos sobre os quais escrever. Aliás, o futebol português dispensa a bola.

      Quem colocou o Pedro Proença são os mesmos que o querem de lá tirar para resolverem os problemas que arranjaram por o lá colocarem. Com os anteriores, aconteceu o mesmo. Vão mudando, só os que os metem lá é que não mudam. Como disse o Einstein “Não podemos resolver os nossos problemas com o mesmo modo de pensar que usámos quando os criámos”.

      Um abraço,

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  2. Desta vez vão lá pôr um cágado!
    A NOS deu à sola, não há dinheiro para tartarugas.
    Sai um 38(slb) à pressão. Ganda clube como diria o grande Nogueira.

    João Balaia
    SL

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    1. Caro João,

      A do cágado está boa! Estive a pesquisar e ao cágado comum também se chama sapo-concho ou tartaruga-lamacenta, por viver em grandes lodaçais. É uma espécie especialmente adaptada ao meio em causa.

      O problema da NOS e de outros operadores é que começa a ser preferível transacionar o espaço televisivo dedicado ao jogos do campeonato à Tele-Vendas. Teriam seguramente mais audiência e melhor proveito.

      Um abraço

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  3. Não quero ser chato, mas um livro só se desfolha em última e eventualmente dramática circunstância.

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    1. Meu caro,

      Tem toda a razão, mas vivo num dilema.

      Os livros sempre foram preciosos para mim. Quando era miúdo, guardava o troco do pão, como se costuma dizer, para comprar livros, abdicando de o gastar em inúmeras coisas que também gostava. O dono da papelaria também me emprestava livros desde que os devolvesse como novos. Ainda hoje, quando acabo de ler um livro está como se o tivesse acabado de o comprar (com exceção de livros técnicos, sempre sublinho e escrevo notas mas margens).

      No entanto, sem ler uns parágrafos não consigo comprar um livro, sobretudo de novos autores. A primeira página é fundamental. As primeiras frases de um livro muitas vezes dizem-nos praticamente tudo, como A Metamorfose do Kafka.

      Por fim, desfolhar um livro também não é nada higiénico, ainda para mais no atual contexto de pandemia. No entanto, a principal fonte de contágio ainda não são as folhas mas as palavras e quanto a essas ainda não há álcool-gel que resolva.

      SL

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    2. O meu amigo elabora acerca de tudo e mais alguma coisa. E de forma bastante vantajosa pois consegue trazer sempre algo novo. Acrescenta, portanto.
      Já eu, lamentavelmente, não estava a acrescentar nada ... referia-me, o mais modestamente possível, à, digamos, dicotomia entre folhear e desfolhar ... basicamente estava (estou?) armado em parvo ...

      SL e permita-me enviar-lhe um abraço. Agora que não se podem dar, infrinjo.

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    3. Meu caro,

      Tem toda a razão! É simplesmente estúpido, sobretudo para quem, como eu, é agrónomo.

      Um grande abraço

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  4. Continuando nos aforismos, à Liga aplica-se este: "mudam as moscas mas a mer...é a mesma". Já a alguns clubes, como o Slb ou o Fcp, se poderia dizer que as moscas são as mesmas, logo a mer... é, naturalmente, a mesma. Já no caso do Sporting, se poderia dizer, que mudaram as moscas e a mer...é diferente, mas não deixa de ser mer... O Rui Monteiro que me desculpe, fazer este comentário, tão (mal)cheiroso, depois do seu exercício literário de desconfinamento, mesmo que parcial. Enfim, há que desconfinar, mas gradualmente, como diz o nosso Presidente dos banhos de mar, e nada melhor que chamar os bois pelos nomes.
    SL

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    1. Meu caro,

      As palavras e os odores não são proibidas e ainda não pagam impostos. A merda e as moscas são o aforismo certo para o futebol português nas suas diferentes circunstâncias (até o Einstein concordaria connosco, se ainda fosse vivo). Esta é só mais uma delas.

      O Pedro Proença e os seus antecessores são o resultado, não são a causa. O futebol português não está organizado para ser uma competição competitiva com espetáculos entusiasmantes. Está organizado para o fanatismo e para negócios mais ou menos obscuros.

      Os operadores, como a NOS e a Altice, começam a achar que é mau investimento. Como os clubes estão cheios de maus odores e de insetos que os apreciam, é fácil para essas operadores fazerem as pressões que quiserem para pagar o menos possível. Sem eles, sem a torneira, os clubes vão à falência (em bom rigor, todos estão falidos). Mudar o Pedro Proença não vai mudar nada, como nada de essencial mudou quando o colocaram lá.

      SL

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