terça-feira, 5 de novembro de 2019

Filosofia da alcova


Por acaso ia começar esta posta mais ou menos assim:

Apesar dos deuses (os nossos) andarem loucos, os árbitros continuam a adorar os templos do costume, colocando lá as suas oferendas, em sinal de fé e de referência. Ainda por cima estando o Sporting a braços com uma equipa que (re)começa o ensino primário (do futebol?), já com o cheiro no ar a castanhas,  a papas de sarrabulho,  e com a fruta da época a dar para as romãs e os dióspiros, não parecendo de todo possível acompanhar o andar da carruagem. Pergunta: qual é a novidade? A retórica da interrogação leva-nos para uma extrema-unção mas sem padres que nos valham.

Depois de muito pensar, deu-me para continuar a posta assim:

Pese embora os floreados de vitórias (inóspitas) recentes, e outras vocações passadas, começa-nos a faltar aquele sorriso que acolhia com humor um vislumbre de pacemakers a que apenas faltariam as pilhas para continuar a acarditar; começa a falhar aquela vontade única de acolher no nosso seio o falhar outra vez, falhar melhor; começa a ser difícil digerir a força alquímica do reino do quase, quase, ou, para outros, ainda assim dos nossos, a república do para o ano é que vai ser. Começamos a ser outra coisa. E essa outra coisa, ainda indefinida, é o Sporting actual.

Falemos então de qualidade - pensei eu:

Não nego os meus modestos conhecimentos do jogo, mas perdoem-me a ignorância relativamente aos repastos que ditam as transferências, que (supostamente) ordenam as linhas mestras, que inclinam a gravidade dos campos, ou que enlanguescem as pernas dos jogadores e outros atributos cujos nomes desconhecemos. Não queremos o Sporting a caminhar sobre as águas (embora para o Sporting nada seja impossível), mas com a responsabilidade própria de profissionais bem pagos, ainda que alguns tenham verdadeiramente feito a pomba ao assinarem pelo Leão. Fazer a pomba é sair a sorte grande. A deles, claro.

Mas que raio, orçamento será sinónimo de qualidade?

Consultamos várias porcas e todas torceram o rabo: as condicionantes, as variáveis, as componentes são tantas, que inevitavelmente a sua gestão terá de vir de mãos hábeis, abraçadas a cérebros engenhosos e suficientemente astutos para resolverem quebra-cabeças enquanto o diabo está distraído e esfrega um olho. Podemos olhar para a massa de várias formas, mas quem a molda faz toda a diferença.

Exemplos, em cuja linguística se alicerça o vocábulo diferença (em território nacional):

Veja-se o caso do Tondela versus Sporting. Dizem-nos que o tamanho não importa, desde que, obviamente, haja trabalho. É um bom ponto de partida para mentes mais fracas e dadas a traumas, pois relativamente aos orçamentos ficamos logo esclarecidos. O Fernandes paga a equipa do Tondela. Mas isso dá-nos a obrigação de lhes ganhar? Bom, alguma coisa nos deveria dar. A bola não sendo uma ciência exacta e muito dada a surpresas lá vai seguindo o seu caminho com alguns padrões. Os nossos rivais tendo os maiores orçamentos (e controlando o futebol) são normalmente os que ganham. Aliás, sempre que jogamos com grande equipas europeias e, ressalvando algumas exceções, somos orgulhosamente ungidos pelas vitórias morais. E depois lá vem o dito: com um orçamento daqueles, também eu. Também tu?

Que fazer, afinal ó artista?

Blá, blá, blá... gerir melhor os recursos internos, rodear-se de gente competente e eficiente. Exigir desde o topo da pirâmide e responsabilizar. Ok, já sabemos. Aprender observando os outros. Não dividir para reinar, fundamentalmente se nem somos bons em contas de somar. Usar, seguindo os ensinamentos de Thomas Cromwell a diplomacia variável e a ciência da ambiguidade. Dá trabalho, mas poderá ajudar no caso do tamanho (já) não ser suficiente.  

9 comentários:

  1. Vai dar "banho ao cão" CROQUETTTE!!!

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    1. Não me diga que não leu a posta?? Comentar sem ler é arrojado mas feio. Ou não percebeu? Ah, já podia ter dito...

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  2. a parte da exigência , fundamental . gerir melhor os recursos internos , excelente . E competência . e termos alguém de colhoes a mandar , muito importante .

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    1. Meu caro.

      Os cordões se não estiverem bem apertados propiciam a queda. Muito importante, não acha?
      SL

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  3. Prosa de excelência, meu caro.
    Está aí o diagnóstico filosófico. Mas nem Cromwell salvaria esta direção moribunda de tantos tiros nos pés.

    SL

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    1. Obrigado, meu caro

      Não há tempo para apontar melhor. Resta-nos o plebiscito. Andamos sempre a navegar à bolina.

      SL

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  4. Caro Gabriel,

    "Começamos a ser outra coisa. E essa outra coisa, ainda indefinida, é o Sporting actual". Está aqui tudo, a impressão que todos temos. O que tenho dúvidas é que não seja uma profecia autorrealizável. Não acreditar é desistir e desistindo deixa-se de acreditar.

    Por regra e por visão política, se se quiser, acredito que os presidentes de clubes e de coisas aparentemente mais importantes são o que nós quisermos que sejam. Não são eles que nos definem, somos nós que os definimos a eles.

    Por isso, é manter a exigência e o sentido crítico e pensar que somos nós que fazemos acontecer. E, sobretudo, compreender que o Sporting é um clube imenso que não sabe a dimensão e a força que tem. É só querer e perseverar, sem tergiversar. Custa-me aceitar que tudo o que é cão e gato possa dizer e fazer o que quer do nosso Sporting.

    Um abraço

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    1. Caro Rui,

      Não podemos transformar a nossa crença num chavão, sob pena de nos transformarmos numa nota de rodapé de um livro de auto ajuda. Há alturas em que temos (todos) de tomar decisões de traçar caminhos. Mas não podemos estar sempre a recomeçar.

      Se reparar, cada vez temos menos assistências em Alvalade. Ainda assim surpreende os nosso rivais. Não podemos estar sempre a assinalar as nossas diferenças para os outros clubes, quando nem sequer dentro de casa nos conseguimos entender em coisas básicas.

      Um abraço

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  5. Caro Rui,

    Não podemos transformar a nossa crença num chavão, sob pena de nos transformarmos numa nota de rodapé de um livro de auto ajuda. Há alturas em que temos (todos) de tomar decisões de traçar caminhos. Mas não podemos estar sempre a recomeçar.

    Se reparar, cada vez temos menos assistências em Alvalade. Ainda assim surpreende os nosso rivais. Não podemos estar sempre a assinalar as nossas diferenças para os outros clubes, quando nem sequer dentro de casa nos conseguimos entender em coisas básicas.

    Um abraço

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