quinta-feira, 19 de abril de 2018

Campeões mimados

Algo mudou e não o sei explicar. Não entrámos mal no jogo, mas aos dez minutos o Porto controlava. Jogava-se no nosso meio-campo e não nos parecia possível chegar à frente para criar perigo. O Porto trocava a bola como queria e, quando a perdia, pressionava de imediato os nossos jogadores até a recuperar. Parecia uma repetição dos filmes dos jogos contra o Porto que assistimos esta época. Só que a contundência não era a mesma e parecia que a forma como decorria o jogo era mais permitida do que conquistada. Não sei se é assim ou se, como os jogadores, também começo a acreditar no Jorge Jesus e na sua ideia de jogo ou lá o que é.

Na segunda parte, o jogo começou mais repartido. Começava a perceber-se que alguma coisa estava a mudar e algo se preparava para acontecer. A saída do Piccini e a entrada do Ristovski assinalaram definitivamente o “turnover”. Na lateral direita entrou um ciclista que nunca mais parou e que deixou a cabeça do Brahimi em água e sem possibilidades de se chegar à frente e criar perigo. Quando entrou o Montero e recuou o Bruno Fernandes, o cerco ficou definitivamente montado. O Battaglia ficou sozinho a marcar os três jogadores do meio-campo e o Coates um dos Abomináveis Homens das Neves que o Sérgio Conceição costuma colocar no ataque (foi o Soares primeiro e o Aboubakar depois).

Finalmente, os jogadores tinham ordens para atacar a toda a sela. O Ristovski fez mais uma corrida endiabrada pelo lado direito e o Marcano cortou em desespero para canto. O Bruno Fernandes marcou-o como de costume para a molhada que se concentra na zona de “penalty”, onde estavam os dois monstros do jogo de hoje: Battaglia e Coates. A bola respingou para a frente e o Marcano, em pânico, tentou cortar com o pé que estava mais à mão, enfiando uma rosca na bola que veio direitinha para o Coates fuzilar para o lado direito, contrariando as indicações do “Bardo” (de) Carvalho.

O Jorge Sousa reagiu de imediato. O Battaglia recuperou uma bola e quando se preparava para cavalgar para a área foi inventada uma falta. Logo a seguir, o Herrera entra de pé-em-riste sobre o Gelson Martins e recupera a bola sem que lhe fosse marcada falta. O Porto empurrado reagiu como pôde, estando perto de marcar num cabeceamento na sequência de um canto que foi à trave. O Jorge Jesus mandou acalmar as tropas e preparou o prolongamento.

O prolongamento continuou a ser todo do Sporting, especialmente na primeira parte. Esperava-se o golo a qualquer momento. O Gelson Martins isolado do lado direito esqueceu-se do que aprendeu com o Bas Dost no jogo contra o Belenenses e voltou a fechar os olhos e a rematar de qualquer maneira e sem direção. O Montero procurou dominar uma bola na pequena área quando o mais fácil seria rematar de primeira. O Bruno Fernandes fez uma revienga no lado direito, entortou um defesa, atrapalhou-se com ele e com a bola e acabou por fazer um passe ao Casillas. O Jorge Sousa continuava a ajudar o Porto a respirar e a queimar tempo. Foi comovente a atenção dispensada ao Maxi Pereira, permitindo que lhe fosse estancada uma ferida no couro cabeludo em pleno relvado e evitando que o Porto jogasse alguns minutos com dez. As forças foram-se esvaindo até se chegar aos “penalties”.

Nos “penalties” fomos competentes mesmo por quem menos ser esperava. Esperava-se essa competência do Bruno Fernandes, do Bryan Ruiz e do Mathieu. Quando o Coates se dirigiu para a marca de “penalty” e ajeitou a bola, o coração tremeu. Mas desde que falhou uma vez nunca mais hesitou: voltou a apontar a um canto e a disparar sem hipóteses de defesa. Faltava o enigmático e imprevisível Montero. Quando se olha para o rosto nunca se percebe se está à rasca ou confiante. Quando parte para a bola espera-se tudo: um disparate qualquer ou a frieza de um veterano. A bola entrou e as mãos desataram-me a tremer e só pararam passado duas horas para fazer este escrito.

Quando o Jorge Jesus falou do “joguinho” do fim-de-semana passada do Porto não quis desvalorizar o adversário e o resultado contra o Benfica. O que quis dizer ao Sérgio Conceição é que se preparasse para um jogo a sério, contra uma equipa a sério, num estádio a sério com adeptos e claques a sério. Num país a sério e num campeonato sério estas seriam as duas únicas equipas a disputar o título. São as melhores a léguas de distância de todas as outras. Os campeões, os verdadeiros campeões veem-se nestes jogos em que as equipas se olham nos olhos e ganha quem tem mais coração. Hoje fomos campeões.

16 comentários:

  1. Que maneira de acabar um grande texto... parabéns Rui!

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  2. " A bola entrou e as mãos desataram-me a tremer se só pararam passado duas horas para fazer este escrito."

    As minhas ainda tremem. Incrível como nós sportinguistas vivemos o nosso clube. Já vi imagens tb do Fernando Mendees antes dos penalties. Enfim... temos enorme coração, amamos este grande clube com todas as forças. Grande abraço levezaliedson!

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    1. Meu caro,

      Vi este jogo numa pilha de nervos o que contrasta com tantos outros que são entediantes. Alguma coisa parece estar a mudar. A crise reforçou a ligação entre o Jorge Jesus e os jogadores e isso parece estar a fazer a diferença. Quando os jogadores confiam no treinador, as coisas mudam.

      SL

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  3. Muito, muito bom!
    Tão bom como a final que conquistamos com querer e competência. SL

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  4. Isto é Ouro.
    Um grande abraço.

    (o último parágrafo dá nojo por ser tão verdadeiro. Vivemos no país errado para se gostar de futebol.)

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  5. E assim chegaremos aos 60 jogos. Isto não é uma temporada, é uma maratona. Bravo equipa!

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  6. Amigo Rui,
    O ultimo paragrafo, foram as linhas de prosa mais inspiradas que já o vi escrever. A sério.

    SL

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    1. Meus caros,

      O cinco jogo do Sporting contra o Porto foram os cinco melhores jogos da época. Podem nem sempre ter sido bem jogados, mas o nível de intensidade e desempenho das equipas e atletas foi sempre altíssimo. Quando as equipas se equiparam e se anulam, ganha quem acredita mais. Desta vez, acreditámos mais e ganhámos. O último parágrafo procura reflectir esta realidade.

      SL

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  7. Onde andaste nos ultimos 30anos???

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  8. Dois estados de alma tomaram conta de mim ontem em Alvalade
    O primeiro de indignação contra uma equipa de arbitragem que utilizou e permitiu utilizar quase 15 minutos de antijogo não estando à altura do exércicio das suas competências
    Para além disso participou no festim:
    Recordo o zelo com que arrumou duas vezes a caixa de primeiros socorros e o raide de 50m para dar entrada a Maxi ou o tempo que concedeu a Filipe para mudar de roupa...
    O segundo de nostalgia
    Ver uma equipe que sabe tratar bem a bola e a relação recessão passe fez lembrar os tempos em que um tal de Djalo não conseguia receber uma única bola de primeira
    Melhoramos muito de qualidade de recursos
    Falta não perder pontos parvos
    Ontem fomos campeões
    Espero que se torne um. Hábito

    António Ramos

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    1. Meu caro,

      Não podes deixar de associar um estado de alma ao outro. Um justifica o outro. Perdemos pontos parvos porque somos parvos ao ponto de nem sempre perceberemos que o Benfica e o Porto não perdem pontos parvos porque não são parvos ao ponto de permitirem que apanhem parvos como nós apanhamos a arbitrar-lhes os jogos.

      Um abraço

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