domingo, 22 de julho de 2012

A magia do futebol # 4: Não sei quem escreveu o argumento deste filme, mas o tipo é bom…


Na época 88/89, o Arsenal, que completava 18 anos sem ganhar a Liga Inglesa, disputava a vitória no Campeonato com o Liverpool, nessa altura, um colosso do futebol inglês e europeu. Desta vez, muito melhor do que eu, o grande Nick Hornby, escritor e adepto fanático do Arsenal, descreve magistralmente na sua “Febre no Estádio” os memoráveis momentos finais dessa época. Vale a pena ler.

“E ao fim de cerca de dez anos disto, o Campeonato transforma-se numa coisa na qual se acredita ou não, tal como Deus. Reconhecemos que é possível, claro, e tentamos respeitar as opiniões daqueles que conseguiram manter a sua credulidade. Aproximadamente entre 1975 e 1989 eu não acreditei. Tinha esperança, no início de cada época; e uma ou duas vezes quase deixei que me arrastassem para fora da minha caverna agnóstica. Mas no fundo do coração, eu sabia que isso nunca iria acontecer (…).

Em 1989, 18 anos depois da última vez que o Arsenal tinha ganho a Liga, permiti-me relutante e tolamente acreditar que era possível que o Arsenal vencesse o campeonato. (…) Mas assim que me tornei um novo membro da Igreja dos Crentes no Campeonato dos Últimos Dias, o Arsenal sofreu uma paragem catastrófica. A equipa perdeu em casa contra o Derby; e de novo em casa, contra o Wimbledon não passou de um empate 2-2. (…) Nunca mais deixaria que isto acontecesse [acreditar que o Arsenal ia ganhar o Campeonato], nunca mais, e tinha sido um parvo, agora sabia-o, tal como sabia que havia de levar anos a recuperar da terrível deceção de ter chegado tão perto e falhado”.

Mas ainda não estava tudo acabado. O jogo final da época era precisamente em Anfield contra o Liverpool e o Arsenal precisava de uma vitória por dois golos para ser campeão.

“Não fui a Anfield. O jogo começou por ser marcado para uma data anterior, quando o resultado não era tão crucial, e quando se tornou claro que era aquele jogo que ia decidir o campeonato, já não havia bilhetes há muito tempo. De manhã, fui a Highbury comprar uma nova camisola da equipa, pura e simplesmente por achar que tinha que fazer qualquer coisa, e apesar de reconhecer que usar uma camisola na televisão não deva ser especialmente encorajador para a equipa, sabia que isso me faria sentir melhor. Mesmo ao meio dia, umas oito horas antes do pontapé de saída, já havia montes de autocarros e carros à volta do estádio, e no caminho para casa desejei boa sorte a todas as pessoas por quem passava: o seu otimismo (três-um, ou mesmo um jovial quatro-um) nessa bonita manhã de Maio fez-me sentir triste por eles, como se esses jovens chilreantes e corajosamente confiantes se preparassem para ir para a tumba e não para Anfield perder a fé, na pior das hipóteses.

Fui trabalhar à tarde e, por menos que quisesse, fiquei muito enervado; por fim, fui direito para casa de um amigo apoiante do Arsenal, para ver o jogo. (…) E à medida que o jogo se ia desenrolando e se tornou evidente que o Arsenal ia cair debatendo-se, ocorreu-me pensar como conhecia bem a minha equipa, os seus rostos e maneirismos, e como gostava de cada um dos seus membros. Do sorriso do Merson, com os seus dentes afastados e o feio corte de cabelo à africano, das tentativas viris e comoventes do Adams de resolver as suas imperfeições, da elegância enfatuada do Rocastle, da diligência adorável do Smith… Até consegui perdoar-lhes por terem chegado tão perto e terem estragado tudo: eram novos e tiveram uma época fantástica, e um apoiante não pode pedir mais do que isso.

Fiquei entusiasmado quando o Arsenal marcou um golo logo no início da segunda parte, e voltei a animar-me a uns dez minutos do fim quando o Thomas teve uma clara oportunidade e passou a bola ao Grobbelaar, mas no final o Liverpool parecia estar cada vez mais forte e a conseguir criar cada vez mais oportunidades, e, por fim, quando o relógio do canto da televisão mostrou que os 90 minutos tinham passado, preparei-me para exibir um sorriso corajoso por uma equipa corajosa”. (…)

Nesses segundos finais, “o Lukic passou a bola ao Dixon, o Dixon passou ao Smith, como era de esperar, um golpe brilhante do Smith… e de repente, no último minuto do último jogo da época, o Thomas [sim, esse mesmo, imagine-se, o Michael Thomas que andou anos mais tarde a arrastar-se ali para as bandas da Luz] ficou sozinho e com uma boa hipótese de fazer o Arsenal ganhar o campeonato. “É agora ou nunca!” gritou o Brian Moore; e aí eu achei que me estava a controlar, a tirar uma lição dos recentes lapsos de ceticismo enfurecido e a pensar, bem, pelo menos chegámos perto do fim, em vez de pensar, Michael, por favor, Michael, marca o golo, meu Deus, só espero que ele marque o golo. E a seguir ele deu uma cambalhota e eu caí redondo no chão, e toda a gente na sala saltou para cima de mim, dezoito anos, totalmente esquecidos num segundo. (…)

“Não me lembro de mais nada que tenha cobiçado durante duas décadas (que mais existe que possa ser cobiçado com alguma razoabilidade durante tanto tempo?), nem me lembro de mais nada que tenha desejado tanto em rapaz como em homem. Portanto, espero que sejam tolerantes para com aqueles que descrevem um momento desportivo como o seu melhor momento de sempre. Não é por falta de imaginação, nem por termos vidas tristes e estéreis; é que a vida real é mais pálida, monótona, e contém menos potencial de delírio inesperado”.


2 comentários:

  1. Reinaldo do paradise cafe23 de julho de 2012 às 10:19

    Como me identifiquei com essa angustia dos arsenalistas. Também eu em 2000 sofri a bom sofrer na deslocação do SCP a Vidal Pinheiro e também recordo que ao longo do ano não acreditávamos muito no título.

    No entanto foi o mais saboroso dos títulos, algo porque esperei uma vida inteira.

    SL

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. ainda por cima depois do desaire em Leiria, algumas jornadas antes... ( só mesmo o Sporting: sofrer golos de toscos que com a nossa camisola vestida, nem sabiam onde ficava a baliza )
      Saudações Leoninas

      P.S. a tradução do texto do adepto inglês, está admirável

      Eliminar