quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Notas soltas



(Uma nota prévia. Não gostei nada de perder. Nunca gosto. O árbitro foi uma nódoa em relação aos critérios disciplinares. Sei também que não jogamos fora contra um campeão nacional de uma potência alpina pois aí seríamos esmagados, apanhávamos pelo menos cinco. Também não sou músico. Dito isto, passemos à música.)

A nível orquestral estivemos bem em muito aspetos. A Família das Percussões marcou bem o ritmo. Os instrumentos de percussão pontuaram e destacaram bem os trechos da peça em execução e fizeram a orquestra vibrar. O piano (sim, é um instrumento de precursão!) entregue como sempre ao brilhante Rui Patrício, esteve excelente. Não falhou uma nota. Não se lhe pedia rapidez de processos mas sim concentração e discernimento e foi o que ele deu. Já o par de pratos esteve desequilibrado. Jérémy Mathieu, teve uma das melhores exibições da noite, esteve sempre afinado e corajoso a equilibrar a sua secção. Arriscou a espaços uns solos e, em determinadas alturas, calou até solistas adversários de classe mundial. Já Sebastián Coates, falhou muitas vezes os tempos e marcações e deu uma fortíssima fífia numa nota falsa que marcou fortemente o desempenho da orquestra. Os tímpanos, Fábio Coentrão e Cristiano Piccini, estiveram atentos e acertados e, por vezes, audazes, pelo menos enquanto tiveram forças e lhes chegou oxigénio ao cérebro, a um mais do que a outro.

A Família das Madeiras, aqueles que normalmente dão “cor” ao som da orquestra, esteve reduzida aos clarinetes de Marcos Acuña e Gelson Martins. Não estiveram particularmente brilhantes no capítulo de atacar os momentos altos da peça. No entanto, quanto a manter a unidade musical da orquestra e a sua coesão, estiveram muito bem e foi incontestável a sua entrega ao sucesso coletivo da orquestra. Nestes casos é difícil julgar a interpretação dos instrumentistas sem conhecer as instruções precisas do maestro.

Na Família dos Metais, o maestro abdicou para esta interpretação da tuba de Alan Ruiz, o que se percebe dada a ligeireza e rapidez de interpretação que se pedia para esta peça. Assim, esta secção foi assegurada pelo trompete de Bruno Fernandes que teve uma interpretação com altos e baixos. Esteve bem na intensidade e nos ocasionais solos e muito menos lúcido na distribuição e nas entradas. De qualquer modo, compreende-se pois ainda não é um intérprete maduro e não contemporiza devidamente os silêncios. Nesta secção esteve ainda o potente trombone de Rodrigo Battaglia e a magistral trompa de William Carvalho. Ambos foram responsáveis pela avalanche sonora da orquestra, conferindo-lhe a dramaticidade e a grandiosidade que a obra pedia. Deram agilidade sonora ao mesmo tempo que soaram de maneira ponderada e majestosa, nem se dando assim pela falta da tuba. 

Não sendo de todo habitual em relação aos cânones clássicos, mas normal no que a este tipo de peças diz respeito, o maestro abdicou da Família das Cordas tendo apenas alinhado com um spalla, o primeiro violino. Para muitos, este é o principal grupo de instrumentos de uma orquestra e dentro destes o violino, graças à sua versatilidade e alcance, que se torna assim a principal voz da família. Tendo abdicado das violas, violoncelos, contrabaixos e harpa, o maestro entregou esta dura tarefa a dois violinistas. Primeiro, Seydou Doumbia que, assertivo e empenhado, tentou em rapidez levar a orquestra a outros níveis. Não foi bem sucedido e o jurado romeno Ovidiu Hategan acabou mesmo por não ajuizar bem a sua interpretação solista. Foi substituído no segundo andamento por Bas Dost. Um intérprete com outro peso, com mais escola, mais clássico e disciplinado na sua interpretação. Mesmo assim, não tendo deslustrado, também não atingiu a musicalidade pretendida. Acabou por oferecer a melhor oportunidade de solo que teve ao trompetista Fernandes e este não a aproveitou da melhor forma. Dizem que este parece mais talhado para raros momentos Maestosos do que para os comuns Vivace.

Quanto ao maestro, Jorge Jesus, deve ser realçado que desta vez não deu largas à sua liberdade criativa, própria de quem vem de áreas mais populares como o fado operário ou malandro, não se tendo entregado a improvisações interpretativas. Preocupou-se desta vez, e bem, com a coesão da orquestra, deixando em aberto a possibilidade de um ou outro solista brilharem, o que, infelizmente, não veio a acontecer.

Em suma, foi um bom concerto, animado e colorido, excelente público e com bons intérpretes mas, infelizmente, a música continuou a mesma!

2 comentários:

  1. Caro Trindade,

    Temos que elaborar uma lista das nossas melhores postadas. Esta é uma delas.

    O meu pai obrigou-me a aprender música. Andei nessa vida mais de uma década. Ficou o solfejo que é mais ou menos como a matemática. Da música propriamente dita é que foi pior. Tocava acordeão. Sinto a falta de referência a este instrumento. Será que o Battaglia não podia ficar com esse instrumento que tanto me diz? Fica a sugestão.

    Um abraço

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  2. Caro Trindade,

    Obrigado pelo concerto. A música assim nunca é a mesma.
    Aguardemos os próximos capítulos, nunca se sabe...

    Abraço!

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