quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Boa Economia para Tempos Difíceis

Vive-se a acalmia que antecede a tempestade. A economia encontra-se congelada pelos regimes de “lay off” e pelas moratórias de crédito. Ninguém sabe verdadeiramente o que vai acontecer depois das férias, quando regressar o Outono e se iniciar o próximo ano letivo. Só o futebol continua como dantes, como se nada estivesse a acontecer. Fiquei a saber que contratámos um rapaz do Famalicão por uns milhões de euros. Foi a revelação da época passado, ao que se diz. Deve ter sido uma revelação idêntica à de Francisco Geraldes há umas épocas e de tantos outros de quem ninguém se lembra mais. 

“Boa Economia para Tempos Difíceis”, de Abhijit Banerjee e Esther Duflo, Prémios Nobel da Economia, constituiu a minha primeira leitura de férias. Às páginas tantas, afirma-se que na Europa as sociedades são mais egualitárias do que a dos EUA, com rendimentos brutos menos desiguais, carga fiscal mais elevada e maior progressividade dos impostos. Existe uma só exceção: os atletas de alta competição. Na Major League Baseball, na NFL, na NBA e na Major League Soccer existem tetos salariais, enquanto nas competições da UEFA não. Para se ter uma ideia desta aberração, basta referir que, em 2018, o Messi recebeu o equivalente a metade do teto salarial total de qualquer equipa da NBA. 

Existem razões para o controlo salarial das principais competições desportivas profissionais nos EUA. A mais repetida, respeita ao nivelamento competitivo das equipas e, assim, à possibilidade de todas elas disporem de condições para, tarde ou cedo, ganharem as competições em que participam, tornando-as mais interessantes. Mas a principal é outra: controlo dos custos pelas empresas que dispõem das concessões. Está-se em presença de um cartel de proprietários que, ao limitar os salários dos jogadores, aumentam a rentabilidade dos seus investimentos e dos seus negócios. 

Os jogadores profissionais dos EUA têm organizado inúmeras formas de protesto para acabar com os tetos salariais. Os argumentos não faltam. No entanto, o único argumento a que nunca se recorre é que os jogadores jogariam com mais empenho e melhores resultados se os salários fossem mais elevados. Todos concordam que a vontade de ser o melhor constitui incentivo bastante. Como afirmou Vince Lombardi, treinador lendário de futebol americano e primeiro campeão da Super Bowl, “ganhar não é tudo, é a única coisa”. 

Reduzir os encargos com contratos milionários dos jogadores de futebol não teria qualquer efeito no seu (des)empenho. Em contrapartida, os clubes seriam mais rentáveis. Em Portugal, tratando-se de instituições de utilidade pública, esta maior rentabilidade permitiria que mobilizassem mais recursos para muitas das suas principais funções de sociais de apoio à prática desportiva e ao desporto em geral. A competitividade do futebol não se ressentiria e teríamos melhores atletas em muitas outras modalidades e mais títulos olímpicos em modalidades como o atletismo, o judo ou o remo.

2 comentários:

  1. Caro Rui, excelente posta!

    Como se diz na minha terra: "és crente!"

    A malta não tem noção nenhuma de clube (salvo alguns intrépidos sportinguistas), o que interessa é o futebol e ganhar...a qualquer custo.

    Para uma leitura de férias: https://www.wook.pt/livro/tempos-dificeis-charles-dickens/17988366

    Um abraço

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    1. Caro Gabriel

      Hoje ou ontem deu-me para isto. Até pareço ingénuo. De facto, somos capazes de ter de voltar a ler Charles Dickens. Os tempos não estão fáceis e não vão melhorar.

      Um abraço

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