terça-feira, 11 de agosto de 2020

Benfica, felicidade e moeda

Há dias ouvi uma conferência muito interessante de André Lara Resende, que concebeu o Plano Real, na Universidade de Oxford, explicando a evolução da política monetária. Após a estagflação dos anos 70, o monetarismo ou a teoria da quantitativa da moeda passou a ser hegemónica no pensamento e nas políticas económicas. A inflação seria única e exclusivamente um fenómeno monetário e as crises, inflacionárias ou deflacionárias, deviam-se à incapacidade dos bancos centrais de contrair ou expandir a base monetária. Esta teoria foi levada à prática de forma brutal por Fernando Collor de Mello para combater a hiperinflação no Brasil, procurando esterilizar a moeda através do congelamento das contas bancárias dos depositantes. A recessão não foi menos brutal e acabou no seu “impeachment” por portas travessas.

Pouco a pouco, os economistas foram compreendendo que o sistema de crédito fazia expandir a base monetária, sem que os bancos centrais a conseguissem impedir. Sem grandes explicações teóricas, a partir dos anos 90, os bancos centrais passaram a tentar controlar a inflação através da simples manipulação da taxa de juro, aquecendo ou arrefecendo a economia em função da sua evolução e do seu ciclo. Na prática, não existe nenhuma fórmula, assume-se que a inflação simplesmente não se encontra ancorada e recorre-se quase a uma simples heurística: se a inflação sobe, então a taxa de juro deve subir também e se a inflação desce, então a taxa de juro deve descer também.

Com a crise financeira internacional de 2008 e as taxas de juro nulas ou praticamente, os bancos centrais viram-se na necessidade de recorrer a políticas não convencionais, como o “Quantitative Easing”, desatando a comprar tudo o que é ações e obrigações, expandindo loucamente os seus balanços. Estas políticas estão a ser ampliadas com a atual crise decorrente da pandemia da Covid-19. A inflação continua a não se ver, apesar da expansão monetária sem precedentes. Conclui Lara Resende que, provavelmente, a inflação resulta de expetativas dos agentes económicos, tendendo a manter-se alta quando é alta e baixa quando é baixa. A inflação seria mais resiliente e determinada por contextos históricos: há períodos em que é persistentemente baixa e outros persistentemente alta.

O Benfica vive o seu “Quantitative Easing”, o seu momento “bazuca”. Nunca se viu tal expansão monetária em nenhum clube português. A ideia é excelente no atual contexto económico e financeiro. Por muito que paguem ao Jorge Jesus ou ao Cavani (nove milhões de euros por ano, é o que se vai dizendo), as suas condições para aumentar o consumo de batatas fritas e hambúrgueres são limitadas (se estivéssemos a falar do Taarabt a conversa seria outra), assim como os potenciais efeitos inflacionários. No fundo, está a seguir Millôr Fernandes, quando afirma que “O dinheiro não traz a felicidade, manda-a vir”. O Luís Filipe Vieira está a mandar vir toda a felicidade que (não) pode. A felicidade dos benfiquistas é a sua felicidade (e vice-versa) e ninguém os quer ver infelizes para o resto da vida sem ele, a presidente, naturalmente.

16 comentários:

  1. Excelente post. Como economista dou lhe os parabens. Acrescento apenas que a inflação é impossivel com salarios que não sobem desde os anos 80 (em quase todo o undo desenviolvido) sem poder de compra não há consumo. quanto ao benfica... os salários dos benfiquistas tal com os outros não sobem por terem o Cavani ou o cebolinha, os custos da bazuca do vieira vão ter de ser pagos, e não vai ser com receitas, essas vão subir mas nunca o suficiente para pagar tanto despesismo . Resta ao SCP is construindo a sua equipa devagar sem grandes mudanças no plantel com inteligencia. e sobretudo calma e paciencia coisas que não existem no nosso clube. Figas...

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    1. Obrigado meu caro.

      Completamente de acordo, Com os salários sem ganhos reais há décadas e décadas e a crescente desigualdade, não é possível dispor de procura agregada robusta. Sem ela, o crescimento económico é débil e a inflação pouco ou nada se mexe, quando não se reduz, gerando riscos de deflação.

      O Benfica também está a emitir moeda, só pode. Depois da pandemia da Covid-19, este ano foi péssimo para as receitas e o próximo não será melhor. Quanto a nós, devíamos ter juízo e evitar mais uns tantos disparates. O Leonardo Jardim conseguiu fazer omeletes com os ovos que lhe deram. É seguir esse exemplo.

      SL

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    2. A chamada inflação.... de activos.

      Quanto a construir um plantel com calma e inteligência... realmente estamos bem servidos. O chamado demolishing debasement, levado a cabo pelo capitao coragem.

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  2. sem grandes mudanças do plantel , é para lutar para não descer.Mas com estes escroques que dirigem o SCP poderemos ser campeões brevemente (da 2ª liga ) quanto á calma e paciencia,há demasiada no nosso clube ........

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    1. Meu caro,

      Não dê ideias. Se o Varandas e o Viana decidem mexer no plantel as coisas só podem piorar. Não deviam mexer em nada, devendo, isso sim, pôr-se a mexer dali para fora.

      SL

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  3. "Nunca se viu tal expansão monetária em nenhum clube português" - Com mentiras lá se vai argumentando, esta época ainda nem chegou nem perto à época passada em que tanto Benfica como Porto investiram quase 70 milhões de euros.

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    1. Meu caro,

      Até agora o Benfica só foi buscar jogadores a custo zero, como o Cavani. É esperar pela conta, entre salários, aquisições e comissões. Acaba tudo sempre num Relatório e Contas perto de si.

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  4. Esta fuga para a frente do Vieira, gastando rios de dinheiro, poderá ter duas razões:
    1 - O querer ganhar as eleições a todo o custo, para garantir a carta de alforria, mesmo que provisória, para ver se a justiça portuguesa "se esqueça" ou contar com as prescrições ajustadas, ou,
    2 - garantir mais uns milhões ao Jorge Mendes, dado que os negócios vão maus para o seu lado, visto os grandes clubes europeus, com a crise do Covid, se terem resguardado, dos poucos ganhos económicos actuais ou futuros, porque, aqui, não há teoria monetária, que lhes valha.
    A ver vamos...
    Um abraço

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    1. Meu caro,

      A liberdade não tem preço, como se costuma dizer. O Cavani, o Jesus e outros que tais têm. Se têm, compra-se.

      Abraço,

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  5. Obrigado meu caro.

    Nós temos uns tantos que não são dados ao trabalho. Há alguns que até engordam quando são atletas de profissão.

    SL

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  6. Caro Rui,

    O título do post deixou-me curioso. Quanto à moeda estamos de acordo e agradeço a forma simplista como o colocou. A inflação, essa tem mostrado tanta resiliência que se tivesse um clube seria seguramente o Sporting.

    Sobre felicidade escreveu pouco. Imaginei que se fosse falar de Felicidade Interna Bruta (FIB) e do Butão. Mas como o blog é de futebol fomos parar, e bem, ao Benfica. Porque o tema da felicidade pode ser aqui chamado. Os adeptos do Benfica terão ficado infelizes com o final desta época. Contratar treinadores conceituados, jogadores com nomes sonantes e de preferência a gastar muitos milhões está a trazer a felicidade que os resultados não trouxeram. O FIB do Benfiquista está em alta.

    Nós também já passamos por aqui. Sabemos a felicidade que traz ter um treinador que diz que vai ganhar tudo. Sabemos como é bom ver vedetas a chegar todos os dias ao aeroporto. Mas também sabemos que a felicidade nem sempre traz resultados...

    SL

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    1. Caro João,

      Um dias destes tenho de fazer uma incursão pela FIB. É uma excelente ideia.

      O Benfica vai mudar tudo e mudar tudo custa muito dinheiro. Mudar também não traz resultados obrigatoriamente. De mudanças percebemos nós!

      SL

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  7. Não será uma questão de tomates?
    LFV esta a investir o que sobrou dos tomates do Félix, da venda do dito, claro!
    A coisa rendeu tanto que o "nobel" Nuno Gomes mandou os pais do dito para casa fazer mais filhos.
    Vai ser uma tomatada!
    SL

    João Balaia

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    1. Caro João Balaia,

      Penso que o Benfica já está a gastar por conta do novo João Félix que vão inventar. Desde que o carrossel do dinheiro se mantenha eficiente, encontra-se sempre mais um. A imprensa especializada não tardará a dar notícias desse novo prodígio do Seixal, seja ele qual for.

      SL

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  8. Tanto conhecimento ecoonómico e ainda não pagaram o Ruben Amorim...

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    1. Meu caro,

      Não percebo onde vê a contradição. Para não se pagar, é preciso saber e muito de economia. Saber, por exemplo, de pesca desportiva ou de gastronomia não ajuda em nada se se pretende não pagar.

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