É aplicar um pouco de Duraglit na Taça de Portugal e devolvê-la como nova ao seu legítimo proprietário, o Benfica ou o Sport Lisboa e Benfica, para os bem-educados. É devolvê-la, pedir desculpa e prometer que nunca, mas nunca mais se voltará a fazer igual. É explicar que o sueco não percebe nada do que se lhe diz e muito menos faz o que deve. Não é por mal, é por não compreender a língua portuguesa ou só a compreender através de rimas emparelhadas. Com ou sem intenção, o que ele faz não tem desculpa e prometemos que o vamos pôr a milhas, num país e num campeonato onde não se respeite a cultura local e as suas práticas e representações sociais.
É uma vergonha, não me revejo no Sporting como hoje se apresenta. Não importam os meios. Os fins tudo justificam. É com golos, golos e mais golos que queremos ganhar jogos e respeito dos adversários? É assim, à má fila? Onde é que fica a nossa cultura e os nossos valores, aqueles que vimos transmitindo geração após geração e fazem do Sporting tão grande como os maiores da Europa? Perdíamos, mas perdíamos sempre melhor de um jogo para o outro, de um campeonato para o outro. Era esse desejo de permanente superação que gerava sentimento de pertença e de identidade e nos mantinha unidos.
Partilhávamos um clube, uma equipa de futebol, os meios de produção, enfim, mas mantínhamos acesa a luta de classes, entre os sportinguistas e os “sportingados” ou entre os croquetes e as claques. Muito antes da queda do Muro de Berlim já questionávamos o marxismo-leninismo: a luta de classes e a propriedade coletiva dos meios de produção constituíam dois processos históricos autónomos, não sendo o primeiro a determinar o segundo e, assim, o fim da história ou a ditadura do proletariado. No Sporting, as vitórias, os bicampeonatos, as “dobradinhas” vão ser o novo motivo de união, acabando-se a luta de classes. Um “beto” da Nova passa a partilhar uma Super Bock com um “mitra” da margem sul enquanto festejam mais um título no Marquês de Pombal. Era isto que imaginava Francis Fukuyama.
O pior ainda é a falta de amabilidade. Os jogadores do Benfica ou do Sport Lisboa e Benfica, para os bem-educados, viram-nos próximo do abismo e não ficaram a assistir ao [previsível] desastre: desviaram-se para que o Trincão pudesse fingir que passava por dois ou por três, o António Silva fez um “carrinho” sem jeito nenhum para o Gyökeres lhe passar por cima, o Renato Sanches correu desalmadamente para ainda chegar a tempo de fazer “penalty” e o Samuel Soares atirou-se à maluca para um dos lados da baliza para deixar o outro a descoberto e, assim, se tornar mais simples a marcação do golo.
Sem maneiras, os do Sporting nem agradeceram e continuaram com uma fúria como se os jogadores do Benfica ou do Sport Lisboa e Benfica, para os bem-educados, lhes tivessem feito algum mal. Então, com a sua tradicional simpatia, o Otamendi deu-nos uma lição magistral: atirou-se para o chão só para permitir que o Harder cabeceasse à vontade e fizesse o segundo golo. O que se esperava dos jogadores do Sporting, do velho Sporting? Que aprendêssemos, que tivéssemos um mínimo de reciprocidade, de empatia. Não, para chatear mais um bocadinho, o Trincão marcou o terceiro golo, começando por enfiar uma “cueca” no António Silva, esse central sempre disposto a ajudar o próximo [não importa quem] com um sorriso nos lábios, de quem tem a certeza de estar a fazer o bem, de estar a fazer o que é justo.
No final do jogo, o Rui Costa estava furibundo. Nestas circunstâncias, quem não estivesse que atire a primeira pedra. Quem não se sente não é filho de boa gente ou bons dias em janeiro enganam o homem em fevereiro, como se diz no Borda d’Água. Votámos no Frederico Varandas convencidos que se encontrava na esteira de um Pedro Santana Lopes, de um Filipe Soares Franco ou de um José Eduardo Bettencourt, do bom e velho Sporting que amamos. Afinal votámos num sonso, no [novo] dono disto tudo! Se têm dúvidas, revejam a última cena de “O Padrinho” [primeiro filme], de Francis Ford Coppola. Após a morte do seu pai [Marlon Brando] e do seu irmão mais velho [James Caan], vê-se pelos olhos da sua mulher [Diane Keaton] a entronização de Al Pacino como [novo] Don Corleone ao fundo de um escritório. Lentamente, um homem aproxima-se da porta desse escritório para a fechar: é Frederico Varandas sem gabardine.