quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Coisas importantes que os jogos da Taça da Liga ajudam a explicar ou a resolver

A análise do jogo de ontem [do Sporting] contra o Braga não é tão simples quanto parece ou, aliás, quanto parece a análise de qualquer jogo [de futebol como é bom de ver]. De um lado, estava uma equipa que tinha medo de perder; do outro, estava uma equipa que não tinha vontade de ganhar. Talvez não se possa dizer de forma absoluta, tão definitiva, mas as proporções entre medo de perder e vontade de ganhar correspondem grosso modo à atitude das duas equipas no início do jogo. O Sporting entrou ao ataque, mas, desconfiado, com cada jogador a avançar enquanto olhava pelo espelho retrovisor, isto é, com medo de perder. O Braga queria levar o zero a zero tão longe quanto possível [se fosse até aos “penalties” tanto melhor], esperando que caísse dos céus aos trambolhões um erro ou um alívio mal feito do adversário, uma bola vadia, isto é, sem vontade de ganhar. 

No final, quem tinha medo de perder, perdeu; quem não tinha vontade de ganhar, ganhou. Diz-se que Deus escreve direito por linhas travessas. Talvez assim seja e, se assim for, temos um Deus brincalhão que gosta de jogar à rabia com os treinadores e as equipas. Prefiro esta intervenção divina do que aquela que decorre da máxima, da seguinte lei que regula o universo: “quem não marca, sofre”. Trata-se de uma versão castigadora de Deus, que castiga os ricos [de oportunidades] e beneficia os pobres [de oportunidades], pois é deles o reino dos céus. Esta foi a primeira análise que me veio à cabeça embora não tenha a certeza que Deus não esteja a acompanhar com mais atenção a Taça Asiática: quem está disposto a perder o Tajiquistão contra o Quirguistão para ver a meia-final da Taça da Liga?

Há um outro ângulo de análise deste jogo que convém não menorizar. Vivem-se dias de chumbo em Braga. Ao fim de anos, o Braga está com os mesmos pontos do Guimarães no campeonato. Está em causa o equilíbrio do sistema urbano minhoto, a hierarquia funcional entre dois dos seus principais centros urbanos e a mobilidade interurbana. Está prevista a construção de um Metrobus entre Braga e Guimarães, com ligação à ferrovia [à Alta Velocidade ou Velocidade Elevada, não sei bem]. Estavam previstos bilhetes de ida e volta com partida de Guimarães e só de ida quando a partida fosse de Braga. O racional é simples: quem sai de Guimarães tem de regressar [ninguém o quer em Braga]; quem sai de Braga e vai para Guimarães não mais pode regressar [ninguém o quer de volta em Braga]. Se a hierarquia entre os dois clubes continuasse assim, esta bilhética [integrada] teria de mudar? Os bilhetes de Braga também seriam de ida e volta? Os bilhetes de Guimarães também seriam só de ida? Como compatibilizar a anterior com a atual bilhética? Enfim, Guimarães é tão [mas tão] importante como Braga?

Está-se a viver um contexto idêntico no Centro de Portugal desde que a Académica de Coimbra desceu à Liga 3, mantendo-se o Académico de Viseu na Segunda Liga. Num contexto como este faz sentido manter a Universidade de Coimbra em Coimbra? Não deveria ser transferida para Viseu [admitindo que os de Viseu quisessem aqueles constitucionalistas todos]? Ainda se deveria chamar de Coimbra? O que fazer do Politécnico de Viseu? Ficava ou ia para Coimbra? Se fosse, Coimbra ficava com dois politécnicos? Se ficasse, Viseu passaria a dispor de uma universidade e de um politécnico como Coimbra? Quem é mais importante? Coimbra? Viseu? Para mim é Viseu, não tenho dúvidas nenhumas. Nem sequer se comparam cidades que dispõem de clubes que jogam em divisões diferentes. 

A vitória de ontem veio (re)colocar as coisas [as cidades ou centros urbanos] nos seus devidos lugares [ou de acordo com as necessárias hierarquias funcionais] ou, pelo menos, não se volta a falar nisto tão cedo outra vez [convém também não acreditar tanto na sorte quando jogarem contra o Benfica]. 


[Esta postada é um pouco estúpida pois tem destinatários especiais. Eles sabem quem são. Eles sabem que eu sei e sabem que eu sei que eles sabem, como diria o Otávio Machado.]

9 comentários:

  1. Rui Monteiro, tu vives em Braga e sabes que, se os dias são de chumbo, não é por causa dos vizinhos. É apenas por causa dos factos e de o SC Braga dever jogar melhor e estar com mais pontos. Sabes que esse folclore da rivalidade reside apenas em Guimarães e na comunicação social (porque é disso que ela gosta).
    Quanto ao jogo, o Braga respeitou a equipa do Sporting, que se remeteu à tática do chouriço de longe (para a qual conta com exímios executantes).

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    1. Ui! óculos vermelhos serão sempre óculos vermelhos...

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    2. Caro Alexandre,
      O futebol não é para ser levado a sério e muito menos aquilo que escrevo sobre ele. Os jogos não encerram uma moral ou a moral é o resultado, se quiseres. Quem ganha merece ganhar exatamente porque ganhou. O Braga Ganhou e, por isso, mereceu ganhar, é tão simples quanto isto.
      Quanto ao que se passou no jogo, envio-te um link com um vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=14aa2EtuZfo&ab_channel=VSPORTS-AllianzCup. O Sporting tem dez oportunidades de golo [antes do golo do Braga] e só uma resulta de um remate de fora da área. Há certas coisas que são factuais. Podemos e devemos discordar de muitas coisas, não podemos nem devemos discutir factos. Como disse, esses factos não mudam nada também pois o único facto relevante é que o Braga marcou um golo mesmo que o avançado se tenha lançado de cabeça à bola e acabasse por falhar e a meter com o ombro.
      Abraço,
      RM

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  2. Quanto aos jogos do Sporting acho-lhes preferível a atenção de Deus que dos padres. Aliás quer-me cá parecer q os nosso padres cilindram por complecto a possibilidade de o próprio Diabo se meter nisto...

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    1. Meu caro
      É como diz, nem sequer o Diabo se quer meter numa coisa como o futebol português. Comparado com esta malta, não passa de um menino.
      Abraço,
      RM

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  3. A rivalidade entre Guimarães e Braga está muito para além do futebol. Esta modalidade veio, apenas, potenciar mais esta rivalidade. Ela vem, pelo menos, desde o principio da nossa nacionalidade, passando pelo século XVII no tempo dos Filipes.
    E a história de chamar " espanhóis " aos tipos de Guimarães, vem do tempo dos Filipes, quando o governador de Guimarães, um castelhano, chamado Sylva de Mendoza, não quis entregar a ainda vila, aos partidários do então D. João IV. Daí ser conotados como espanhóis.

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    1. Meu caro
      Há uma parte destas rivalidades que têm piada, que ajudam a construir identidades, um certo bairrismo. Estas histórias alimentam-nas e muito bem. Quando se exagera, vem o disparate. Braga e Guimarães têm tudo para colaborar e, em conjunto com Famalicão e Barcelos, estruturar um território com cerca de um milhão de habitantes e que é o maior exportador de mercadorias do país. A excessiva fragmentação, a rivalidade doentia não ajuda à visibilidade da importância deste território para o país.
      Abraço,
      RM

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    2. Como refere, migang, a rivalidade é Guimarães / Braga e não o contrário. É antiga (penso que vem principalmente da segunda metade do século XIX) e tão estúpida que se tornou uma doença. Em Braga isso não existe. Só mesmo por piada.

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