sexta-feira, 30 de maio de 2025

O novo dono disto tudo

É aplicar um pouco de Duraglit na Taça de Portugal e devolvê-la como nova ao seu legítimo proprietário, o Benfica ou o Sport Lisboa e Benfica, para os bem-educados. É devolvê-la, pedir desculpa e prometer que nunca, mas nunca mais se voltará a fazer igual. É explicar que o sueco não percebe nada do que se lhe diz e muito menos faz o que deve. Não é por mal, é por não compreender a língua portuguesa ou só a compreender através de rimas emparelhadas. Com ou sem intenção, o que ele faz não tem desculpa e prometemos que o vamos pôr a milhas, num país e num campeonato onde não se respeite a cultura local e as suas práticas e representações sociais.

É uma vergonha, não me revejo no Sporting como hoje se apresenta. Não importam os meios. Os fins tudo justificam. É com golos, golos e mais golos que queremos ganhar jogos e respeito dos adversários? É assim, à má fila? Onde é que fica a nossa cultura e os nossos valores, aqueles que vimos transmitindo geração após geração e fazem do Sporting tão grande como os maiores da Europa? Perdíamos, mas perdíamos sempre melhor de um jogo para o outro, de um campeonato para o outro. Era esse desejo de permanente superação que gerava sentimento de pertença e de identidade e nos mantinha unidos. 

Partilhávamos um clube, uma equipa de futebol, os meios de produção, enfim, mas mantínhamos acesa a luta de classes, entre os sportinguistas e os “sportingados” ou entre os croquetes e as claques. Muito antes da queda do Muro de Berlim já questionávamos o marxismo-leninismo: a luta de classes e a propriedade coletiva dos meios de produção constituíam dois processos históricos autónomos, não sendo o primeiro a determinar o segundo e, assim, o fim da história ou a ditadura do proletariado. No Sporting, as vitórias, os bicampeonatos, as “dobradinhas” vão ser o novo motivo de união, acabando-se a luta de classes. Um “beto” da Nova passa a partilhar uma Super Bock com um “mitra” da margem sul enquanto festejam mais um título no Marquês de Pombal. Era isto que imaginava Francis Fukuyama. 

O pior ainda é a falta de amabilidade. Os jogadores do Benfica ou do Sport Lisboa e Benfica, para os bem-educados, viram-nos próximo do abismo e não ficaram a assistir ao [previsível] desastre: desviaram-se para que o Trincão pudesse fingir que passava por dois ou por três, o António Silva fez um “carrinho” sem jeito nenhum para o Gyökeres lhe passar por cima, o Renato Sanches correu desalmadamente para ainda chegar a tempo de fazer “penalty” e o Samuel Soares atirou-se à maluca para um dos lados da baliza para deixar o outro a descoberto e, assim, se tornar mais simples a marcação do golo. 

Sem maneiras, os do Sporting nem agradeceram e continuaram com uma fúria como se os jogadores do Benfica ou do Sport Lisboa e Benfica, para os bem-educados, lhes tivessem feito algum mal. Então, com a sua tradicional simpatia, o Otamendi deu-nos uma lição magistral: atirou-se para o chão só para permitir que o Harder cabeceasse à vontade e fizesse o segundo golo. O que se esperava dos jogadores do Sporting, do velho Sporting? Que aprendêssemos, que tivéssemos um mínimo de reciprocidade, de empatia. Não, para chatear mais um bocadinho, o Trincão marcou o terceiro golo, começando por enfiar uma “cueca” no António Silva, esse central sempre disposto a ajudar o próximo [não importa quem] com um sorriso nos lábios, de quem tem a certeza de estar a fazer o bem, de estar a fazer o que é justo.

No final do jogo, o Rui Costa estava furibundo. Nestas circunstâncias, quem não estivesse que atire a primeira pedra. Quem não se sente não é filho de boa gente ou bons dias em janeiro enganam o homem em fevereiro, como se diz no Borda d’Água. Votámos no Frederico Varandas convencidos que se encontrava na esteira de um Pedro Santana Lopes, de um Filipe Soares Franco ou de um José Eduardo Bettencourt, do bom e velho Sporting que amamos. Afinal votámos num sonso, no [novo] dono disto tudo! Se têm dúvidas, revejam a última cena de “O Padrinho” [primeiro filme], de Francis Ford Coppola. Após a morte do seu pai [Marlon Brando] e do seu irmão mais velho [James Caan], vê-se pelos olhos da sua mulher [Diane Keaton] a entronização de Al Pacino como [novo] Don Corleone ao fundo de um escritório. Lentamente, um homem aproxima-se da porta desse escritório para a fechar: é Frederico Varandas sem gabardine.

quinta-feira, 29 de maio de 2025

(des)comunicado - parte II

 

A capacidade de bem (des)comunicar não está ao alcance de todos. (Des)comunicar é uma espécie de comunicar apenas quando comunicar se impõe para que seja possível desviar as atenções sobre algo que não se pretende, de todo, ser comunicado (ou mesmo conhecido). Esta arrojada forma de comunicar (des)comunicando escapou, inclusivamente, a Maquiavel que, coitado, desconhecia ainda as virtudes da denominada cortina de fumo. A pirotecnia não é apenas apanágio de claques e membros organizadores de festas populares em plena “época de incêndios”, sendo muitas vezes utilizada para comunicar (des)comunicando, através de um fumo espesso, de cor negra, composto por perclorato de potássio, enxofre e antraceno.

Numa posta de 15 de abril de 2025 escrevia aqui que existe, toda a gente sabe, uma indústria de faixas de campeão antecipado. É uma indústria quase tão importante como a indústria dos comunicados. Dessa feita, após um jogo com o Arouca em que o empate do Benfica era (des)comunicado através de um comunicado em forma de vitória (ou o contrário, nunca se sabe), ficamos a saber que, a partir desse momento único,  qualquer resultado final no campeonato ou na taça que não fosse a vitória do Benfica,  seria obviamente (des)comunicado através de um comunicado, esclarecendo a comunidade e outros interessados que o título já tinha sido entregue em tempo útil e a taça também , e só por manifesta má fé se poderia pensar o contrário, ou mesmo duvidar de todo este processo (des)comunicacional.

Obviamente, para que o efeito (des)comunicacional faça algum sentido (ainda que ignorado ou mesmo esotérico) é necessário encontrar uma evasiva para que o bode expiatório possa passear o seu resultado. O bode foi encontrado no passado domingo, pelas autoridades (des)comunicacionais competentes, mas apenas após o jogo. Durante quase 100 minutos a taça estava entregue, aliás, dir-se-ia entregue por osmose ainda antes do jogo começar.

Neste momento em que escrevo, ainda com o Otamendi em campo (desde o derby na luz que o desgraçado não sabe o que é parar), ainda o bode é dissecado na famosa mesa de operações jornalísticas, entre várias máquinas de costura e alguns guarda-chuvas.  Entretanto, de várias lojas da especialidade, desapareceram quantidades consideráveis de perclorato de potássio, enxofre e algum antraceno.

Acho que todos sabemos para que servem e o feito desejado…

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Parafraseando

Se chegássemos em primeiros na pausa para os jogos da seleção nacional dos quartos de final da Liga das Nações, seríamos campeões [bicampeões, melhor dizendo], foi o que nos anunciou o Frederico Varandas, mais coisa, menos coisa, em fevereiro deste ano. O nosso presidente falou como se fosse a Alcina Lameiras ou, pelo menos, consultasse amiúde a Alcina Lameiras, não negando à partida uma ciência que [ele] não conhece. Chegámos em primeiros, embora à condição, pois o Benfica tinha um jogo em atraso [contra o Gil Vicente]. Em meados de março, a época encontrava-se resolvida, mais lesão, menos lesão, mais 4x4x2 ou mais 3x4x3.

Os oito jogos restantes constituíram uma formalidade, uma indispensável ida à repartição do Ministério das Finanças ou à Loja do Cidadão mais próxima para carimbar os papéis que permitissem a festa no Marquês. O Rui Borges e o Bruno Lage ainda nos entretiveram mais dois meses, fazendo de conta que faziam seja lá o que for que eles fingem que sabem fazer. Fingir saber fazer, também é fazer, pois não é só o poeta que é um fingidor, qualquer um deles é capaz de fingir tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente, parafraseando Fernando Pessoas.

O último carimbo foi o do Guimarães. Carimbar não tem nada de exaltante, de excitante, mas há carimbar e carimbar, há ir e voltar, parafraseando Alexandre O'Neil. Um carimbo nunca se repete, parece uma rotina, mas não é, revela idiossincrasias de quem carimba ou o seu estado de espírito, mais sonolento ou mais agitado e frenético. Carimbou-se duas vezes e ficou tudo muito bem carimbadinho, para que se soubesse de quem era a festa no Marquês [o Benfica não carimba coisa com coisa, fica tudo esborratado, sem jeito nenhum]. O primeiro carimbo, do Pedro Gonçalves, foi suave, no cantinho. O segundo, do Viktor Gyökeres, foi mais à bruta, para que não restassem dúvidas de que estava tudo carimbado, como manda a lei. 

Carimbos arrumados e ala para a festa que se faz tarde. Não estamos habituados a ser bicampeões e isso nota-se. Vamos muitos, vamos todos [ou quase]. Não interessa o género ou a idade. Uma única coisa interessa: uma camisola do Sporting com o nome do Viktor Gyökeres estampado nas costas. É tudo muito pueril, é o eterno regresso à infância, parafraseando Javier Marías [estou proibido pelo médico de parafrasear mais do que três vezes por dia]. Discute-se se é melhor o Saldanha ou o Marquês, se a festa deve ser espontânea, dos [e para os] sócios e adeptos, ou mais aberta e organizada. A questão existencial de ser ou não ser campeão ou bicampeão acabou. E o Sporting?  

domingo, 11 de maio de 2025

Eu também quero

o Sporting campeão!

Já agora, percebo que se tente motivar a equipa com cânticos (é assim que se diz, não é?) no final do jogo e seus arredores; percebo menos certas manifestações de júbilo após um empate (mesmo que seja o empate do século, parafraseando o Jorge Amaral que anda angustiado) e sem a coisa ter ainda acabado. Já sabemos como é o Sporting em tempo de decisões - e conhecemos bem o futebol nativo e os seus recônditos bastidores para ficarmos com um pé atrás, não vá aparecer o Otamendi (a esta hora ainda deve estar em jogo) ou o homem da valise.

Já agora, alguém deu pelo apagão do Braga? Dos dois apagões recentes, este parecia-me o mais difícil de explicar, mas depois percebi: o Braga só disputa o terceiro lugar até ao fim se a disputa for contra o Sporting (ordens lá de cima). 

Já agora, alguém consegue explicar como é que o empate do século (que poderia ter decidido o campeão) foi transmitido em directo pela televisão de um dos interessados (com consequências sérias em termos de dioptrias e estigmatismos)?

Já agora, será necessário termos um árbitro (o suspeito do costume) a disputar (deixem passar) o segundo jogo em 48horas?

De resto, o jogo de ontem devia ter acabado por volta dos 18 minutos: o Sporting estava a ganhar e o Otamendi (a esta hora ainda deve estar em jogo) deveria ter sido expulso. Nada do que se passou depois estaria (horas) a ser dissecado na mesa de operações televisivas entre várias máquinas de costura e uns quaisquer guarda-chuvas (para nos valermos de algum surrealismo para qui não chamado).

Eu também quero!