segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Expetativas, realidades e perceções

Há o jogo, o pré-jogo e o pós-jogo. A forma como vemos o jogo é determinado pelas expetativas que se constroem antes de acontecer em debates e noutras discussões. A forma como avaliamos o resultado do jogo é determinado pela narrativa durante o jogo e pelos seus comentários finais, em conferências de imprensa e nas mais diversas análises. Quase nunca nos damos conta da forma como somos condicionados e é condicionada a opinião pública em geral. O jogo contra o Porto foi um destes casos de condicionamento. 

[Oops, afinal éramos candidatos ao título e não nos tinham avisado] 
Se fosse pelo pré-jogo nem era necessário o jogo. O Porto vinha de dezoito vitórias consecutivas. O Porto é o campeão em título e o principal candidato esta época. O Porto vai à frente destacado e nada nem nenhuma outra equipa se lhe pode chegar. O Porto tem muito melhores jogadores. Não existe ninguém que igualhe o Sérgio Conceição no campeonato nacional, podendo optar por diferentes estratégias todas elas vencedoras, jogando mais na expetativa e explorando as costas da defesa, pressionando mais à frente ou massacrando em ataque continuado. Acabado o jogo verificamos que o Sporting é que perdeu dois pontos, apesar de continuar aos mesmos pontos de distância do Porto. Afinal, o Sporting era candidato ao título antes do jogo e deixou de o ser depois. O Porto nem sequer viu o Benfica aproximar-se na pontuação, nem desaproveitou a oportunidade para deixar o Sporting a onze e o Braga a oito pontos. 

[Oops, afinal o “Treinador Português” é estrangeiro] 
O Marcel Keizer é um menino perante o “Treinador Português” que sabe como ninguém condicionar os jogos dos adversários e em particular dos estrangeiros. O Sérgio Conceição tinha uma estratégia de condicionamento do jogo de Marcel Keizer. Antecipando, o Marcel Keizer fez de “Treinador Português” e o Sérgio Conceição andou aos papéis durante a primeira parte, dado que vive do condicionamento do jogo do adversário à procura dos seus erros e não da imposição do seu jogo ofensivo em ataque continuado. Afinal, sempre é verdade que o que é verdade hoje é mentira amanhã e vice-versa, tendo-se concluído o óbvio que quem procura condicionar o jogo do adversário acaba por condicionar o seu jogo ao mesmo tempo. [Aqui para nós, ao Marcel Keizer só lhe faltou o arrojo de voltar a ser o Marcel Keizer na segunda parte, metendo dois extremos (Raphinha e Jovane), quando o Sérgio Conceição adiantou os laterais, voltando a deixá-lo aos papéis] 

[Oops, afinal não contam os golos o que conta é a atitude] 
O Sporting jogou para não perder e o Porto para ganhar. O Marcel Keizer pensou em si próprio e não no interesse da equipa. O Sporting criou seis oportunidades de perigo e o Porto duas. Verdadeiramente, só houve uma oportunidade de golo quando o Bas Dost completamente isolado e enquadrado com a baliza cabeceou ao lado. O Sporting rematou mais vezes à baliza. O Sporting fez mais remates enquadrados, como agora se diz (durante noventa minutos o Porto só fez um e com a rótula da perna esquerda do Soares). O Sporting teve mais cantos. As equipas equilibraram a posse de bola e o número de passes. Mas o que conta, o que conta mesmo é a atitude, vá-se lá saber o que isso é. Isso e estar quase a definir bem, como afirmou o Sérgio Conceição, enquanto nós nos íamos lembrando do Diaby ao mesmo tempo que desejávamos que fosse para o Porto onde, pelos vistos, as suas qualidades são muito apreciadas. 

[Oops, afinal a fruta é nossa] 
Na arbitragem, há erros de facto (foras-de-jogo, bolas que passam as linhas de jogo ou de baliza) e erros de interpretação (genericamente, as faltas). Em Portugal, analisam-se os segundos como se fossem os primeiros. Os segundos têm sempre uma forte componente de subjetividade por definição (uma interpretação é uma interpretação), a maior ou menor intensidade, o jogou a bola ou não, o cortou lance de perigo, a negligência ou a imprevidência e por aí fora. Se dispõem dessas características, deve, então, ser analisada a coerência do árbitro na sua análise durante o jogo, e não caso a caso, para se concluir sobre parcialidade. O Bruno Fernandes cortou um ataque do Herrera e devia ter levado amarelo. Devia ter sido expulso? Não. Aos dez minutos o Herrera levou amarelo depois da sua quarta falta, três delas sem bola. Se fosse aplicada ao Herrera a mesma interpretação que foi aplicada ao Jéfferson na sua primeira falta, então não estaria em campo quando o Bruno Fernandes fez a falta e, portanto, não a faria ou, pelo menos, não a faria sobre o Herrera. Vamos mesmo assim admitir a segunda hipótese. Se, no primeiro amarelo, aplicasse ao Bruno Fernandes a mesma interpretação que aplicou ao Soares num lance semelhante, então não veria depois o segundo amarelo mas o primeiro. Há um pormenor: o Herrera não foi expulso na segunda parte, depois de uma chapada ao Bruno Fernandes, aparentemente por compensação. De acordo com o que veio nos jornais, fomos gamados mas ainda devemos estar agradecidos, é isso, não é?!

16 comentários:

  1. Obrigado por escrever aquilo que penso e sinto. Por vezes sinto-me estranho e completamente perplexo ao ler algumas escritas sobre o jogo e a situação do Sporting. Se por parte da comunicação social isso acontece e por mais que não goste, é a lei da sobrevivência (pelo menos é a forma que eles acham que podem sobreviver). Agora, por parte de blogs e opinion makers supostamente afetos ao Sporting é que já não entendo. Não se trata de não saber aceitar uma opinião diferente, é que simplesmente não corresponde à verdade nem é justo por quem trabalha.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Meu caro,

      Uma das nossas principais características como sportinguistas é a propensão para a auto-flagelação. E, como diz, acho que somos muitas vezes injustos com os jogadores e treinadores. Imagine como deve pensar o Coates quando lhe fazemos críticas sem ele poder jogar à Luisão. Imagine o Coates a jogar à Luisão: não passava um e ele ia até mais divertido para o trabalho.

      SL

      Eliminar
  2. Não, devemos estar frustrados porque a equipa, pelo 2.º jogo consecutivo, não marcou mais golos que o adversário. Desta vez, em casa, não marcou sequer um, mas conseguiu o empate a 0.
    E quer se queira quer não, a rótula do Soares foi a ocasião mais flagrante de golo, mesmo que tenha sido a única finalização a levar perigo à baliza do Sporting. É daquelas que se costuma dizer, dali, nem o avô cantigas falhava.
    Mas isso não os fez ganhar o jogo, Renan estava atento e mesmo às três tabelas, impediu que a bola entrasse.

    De certa forma, isso até é revelador. Qualquer adversário, seja com arte e engenho, seja com cagança e efeito, mais facilmente lhe cai o sortilégio de nos marcar um golo do que sofrer um por nós feito. E pode até ter menos de um terço da posse de bola, ou um sexto das ocasiões.

    E não há comentadores, propagandistas ou dissecadores que o contrariem.

    Sim, a fartura de golos marcados secou, e sofridos, um por jogo, continuou, salvo quando nenhum dos oponentes marcou, que foi o que aconteceu no fim-de-semana que passou.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Meu caro,

      Foi a rótula do Soares de um lado e a do Militão do outro. Até nisso tiveram sorte. A rótula acertou bem na bola na baliza errada.

      SL

      Eliminar
  3. Caro Rui,

    já dizia o William Blake: há o conhecido e o desconhecido. E, no meio, estão as portas da percepção (leia-se as Portas de Benfica, no futebol português):) .
    Há uma realidade e uma realidade alternativa. Esta é construída pelos "opimion-makers" ou por cartilheiros, que criam uma percepção da realidade que substitui a realidade, e é tomada como verdade (já diria Kant) na mente das pessoas. Enfim, caso para dizer que Kant(am) bem, mas não me alegram...

    Um abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro Pedro,

      Segundo as informações mais recentes, há o conhecido, o desconhecido e o escondido que é desconhecido de muito e conhecido de pouco. Aparentemente a mãe respeitável de um senhor do Aves escondeu uns contratos na gaveta onde costuma guardar as peúgas. Não se faz isto à senhora, nem aos contratos.

      Um abraço,

      Eliminar
  4. Somos cheios de nós próprios, é um dos nossos handicaps e o mais complicado de controlar. Duas vitórias seguidas e somos imparáveis, vamos ganhar tudo e mais um par de botas, uma derrota e somos o mais miserável clube à superfície da terra. Não fazemos ideia do que fazer com um empate, não dá para despedir um treinador, nem para contratar mais 4 reforços ainda menos para voltar a eleições. Como dizia o Trapattoni, “quando não conseguimos ganhar é importante não perder”, se em Tondela em vez de nos armarmos em grande, depois do primeiro golo, tivéssemos a argúcia de atrair o Tondela “para o jogo da vida deles” tínhamos mais hipóteses de ter recolhido algum lucro desse jogo, assim “à maior” foi só prejuízo.

    No clássico acho que o Keiser fez o que tinha de fazer, apresentou a única característica que aprecio nos holandeses, foi prático. Se tivéssemos sequer tentado ameaçar o Porto com um futebol de maior risco, tínhamos feito um jogo extraordinário e perdíamos, outra vez, com um golo caído do céu aos trambolhões, marcado num contra ataque qualquer. Assim, como não podíamos ganhar fizemos um ponto. Deixem lá o campeonato descansado nós não estamos a competir nesse nível, nem ontem, nem hoje nem nos próximos 5 anos, aceitem a realidade, o Sporting para voltar a contar para o campeonato tem de se reconstruir, quer em quantidade, quer em qualidade.

    A melhor arma que podemos ter neste momento é utilizar este facto a nosso favor, fazer todas as equipas acreditar que estamos um farrapo e que quem não nos vencer não é boa filial do Vieira. Há muito tempo que o Sporting não tinha uma equipa capaz em contra-ataque, hoje tem, Diaby, Raphinha, Nani, Jovane e Bruno Fernandes, são todos maravilhosos a galgar terreno quando o adversário pensa que nos pode vencer e eataca. É essa a táctica a utilizar, fazer de coitadinho e aplicar chapa 5, o problema vai ser convencer os Pepas e os Motas a atacarem-nos sem ser em contra-ataque é que nem a jogar entre eles alguma vez pensaram nisso do ataque organizado ou da posse de bola...
    P.S.- “Voltar a contar para o campeonato” não é fazer uns brilharetes de vez em quando, para isso temos o Vitória, o Boavista, o Marítimo e até o Braga. Não, “Voltar a contar para o campeonato” é fazer mais de 80 pontos em 5 épocas seguidas, até lá quem tem obrigação de vencer clássico não somos nós, são os outros.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Então, já nem em Alvalade temos obrigação de vencer os rivais?

      Esse discurso doentio (e muito arreigado numa considerável franja de adeptos e sócios) é tão só uma das causas para o insucesso...

      Qualquer dia, já nem ao Paço d'Arcos no Hóquei temos obrigação de vencer em casa...

      Coerências

      Eliminar
    2. Meu caro,

      Contra os pequenos não estou completamente de acordo, especialmente em Alvalade. Em Alvalade vêm predispostos a não largarem o seu meio-campo nem que a vaca tussa. É ir para cima deles e quanto mais depressa melhor.

      Quanto ao resto, estou completamente de acordo. Com uma dose razoável de realismo, talvez sejamos capazes de perceber o que temos de fazer. Sem diagnóstico adequado os jogadores nunca servem nem os treinadores. Se nos entretivermos a fazer o que tem de ser feito, deixamos a auto-flagelação e andamos menos deprimidos.

      SL

      Eliminar
  5. Até que enfim comentário inteligente (e bem escrito e humorado) sobre o jogo de sábado. É isso mesmo, foi isso mesmo!

    ResponderEliminar
  6. Oops. Nem comento para não estragar.
    parabéns.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado. Os comentários acrescentam sempre e nunca estragam.

      SL

      Eliminar
  7. Que o meu caro Rui Monteiro não interprete a minha tentativa de comentário como uma qualquer maneira de discordar do seu texto. Quem sou eu para o tentar? O texto é excelente e se alguma coisa pretendo é que aqueles que eventualmente me lerão párem um segundo para pensar.
    Vivo fora de Portugal há mais de 50 anos e era um puto de 24 anos quando decidi dar o salto. Hoje e só hoje (depois de uns 25 anos sem contactos televisivos) tenho acesso à RTPi e (para falar só de futebol) posso assistir aos programas Trio de Ataque, Grande Área, Golo RTP e a um jogo por semana da Liga. Não faço o "todo" porque a minha paciência tem limites mas quis o acaso que tivesse assistido a dois programas Grande Área! Um foi quando Peseiro foi dispensado e em que todos os sábios foram unânimes no desajustado de tal decisão. O outro foi quando o Rui Vitória decidiu (?) saír do Benfica. Pois esses mesmos sábios sugeriram mais que uma equipa de futebol de onze como treinadores para o Benfica mas a grande curiosidade para mim (pelo menos) foi que ninguém se tenha dignado sugerir Peseiro.
    Hoje, e começa a meter nojo, parece que Bruno Lage é o novo Mourinho (eu teria tendência a citar L. Jardim...) e mesmo se com cabeleiras distintas não me foi vedado o pensamento em Renato Sanches.
    Quanto à Liga o Marcel K(E)izer pode receber e ganhar ao Benfica e Braga em cujo caso (todas as condições colaterais mantidas intactas) lá mais para Maio terá mais pontos que essas equipas e, como corolário, uma posição de segundo (vice-kaiser ?) na tabela.
    A esperança é verde e eu não quero mudar-lhe a côr...

    SL

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Meu caro,

      Pode discordar sempre que entender. Era o que faltava!

      Se tivéssemos dúvidas sobre o tratamentos dos clubes, basta recordar o que se disse do Varandas e do Keizer depois do despedimento do Peseiro. O Varandas demorou meia dúzia de dias a escolher o treinador e foi um ai Jesus. Escolheu o Keizer que não tinha experiência e foi outro ai Jesus. O LFV andou uma eternidade para despedir o RV e outra eternidade para encontrar um substituto. Até pensei que viesse o Ronaldo do Eurogrupo. Afinal veio um rapaz que faz do Keizer um veterano de guerra.

      SL

      Eliminar
  8. Na gaveta das peúgas? Então, cheira-me que isso deve ser uma meia verdade. :)

    Abraço Rui (há que ir cantando e rindo...)

    ResponderEliminar
  9. Ainda de volta à arbitragem... O Rui bem tenta justificar o injustificável para levar uma de moral superior :)
    Não dá. Neste jogo, ao Bruno Fernandes foi poupado um 2 cartão amarelo descaradamente. Não há que fugir disso.
    Como ontem, na minha opinião, o golo foi mal anulado ao Bas Dost já que os centrais adversários nem se fizeram ao lance. Mas cada jogo é um jogo.

    ResponderEliminar