quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Seis a um, sim, seis a um!

Nos tempos que correm, não é fácil ser adepto de um clube como o Sporting. Há muitas competições, muitos jogos e muitos adversários. Pelo meio, ainda se metem os jogos da seleção que baralham o quadro das competições do clube. Com exceção do campeonato, saber em cada momento com quem joga o Sporting, em que competição, qual a classificação e quais as expetativas só está ao alcance de um prodígio de Harvard com doutoramento em termodinâmica ou física dos meios contínuos. Antes de começar um jogo, o comum dos mortais tem que pesquisar o passado para analisar as perspetivas de futuro de forma a enquadrar o seu estado de espírito de espetador. É qualquer coisa do tipo: “Qarabag?! Quando é que ouvi falar disto? Ora deixa cá ver [barulho de desfolhar o caderno…], cá está. [barulho do cérebro a ler e a processar a informação] Hoje é para ganhar!” 

Era o primeiro jogo que via orientado pelo Marcel Keizer e estava curioso para ver como é que a equipa iria jogar. Comecei a ver uns pormenores que são sempre os “pormaiores” que diferenciam os treinadores daqueles que vestem fato de treino e carregam as bolas, os coletes e os pinos para os treinos. O André Pinto tinha a preocupação de receber a bola com o pé esquerdo e até a passar com o mesmo pé, sendo mais rápido com qualquer um dos pés a passá-la no momento seguinte. A bola saía sempre pelos centrais, tendo que se desenrascar com ela mas contando com a permanente movimentação dos jogadores do meio-campo para lhes darem linhas de passe, bem como, no limite, do guarda-redes. A bola quando ia aos laterais era para dar amplitude ao jogo e gerar espaço no meio para as desmarcações e a progressão em tabelas ao primeiro e segundo toques (embora com algumas perdas de bola ainda). Aparentemente, acabou o chutão para a frente e as correrias pelas laterais. Quando se perdia a bola, procuravam pressionar de imediato vários jogadores, embora nem sempre bem, dando muitas vezes a oportunidade de os adversários tirarem a bola dessa zona de pressão e apanhar a equipa descompensada no flanco contrário. Comecei a ver um jogador de cor que estava em todo o lado ao mesmo tempo a dar linhas de passe, a receber a bola e a dar-lhe sequência com assertividade para a frente. Pensei que fosse o Diaby, mas depois vi o Diaby e verifiquei que não era. Pensei que fosse o Nani, mas depois vi também que não era. Ao fim de um quarto de hora percebi: era o Wendel. 

Voltando atrás, comecei a ver o jogo com o estado de espírito adequado como se veio a verificar depois. Mal começou o jogo, o Bruno Gaspar ganhou a linha, centrou atrasado para o Bas Dost que rodopiou sobre a bola e foi agarrado por um adversário quando se preparava para marcar. “Penalty”, “slow motion”, guarda-redes deitado e bola a entrar devagarinho para permitir ao guarda-redes ter o tempo necessário para ver a sua triste figura: Bas Dost a picar o ponto à entrada da repartição das finanças onde trabalha, depois de ter sido ensinado pelo Grande Mestre da Tática. O Sporting demonstrava em campo que tinha entrado para ganhar. Mas, com o Sporting, há sempre um mas. Num ataque rápido do Qarabag, a bola vai à lateral direita, um adversário recebe-a e desloca-se para o meio, o Jéfferson não acompanha e não aparece ninguém a fechar, dando-se todo o tempo do mundo para ele meter a bola nas costas do Bruno Gaspar, onde apareceu um ciclista a amortecer com o peito para o remate vitorioso de um colega. A culpa não pareceu tanto do Bruno Gaspar, que estava a fechar dentro junto a um adversário (que veio a marcar o golo), mas do Diaby que esta a olhar para a bola e não viu e muito menos acompanhou a desmarcação pelas costas do referido ciclista. 

Quando acontecem golos como este sabemos por saber de experiência feito que o nosso martírio começa naquele instante. Estranhamente, nada disso aconteceu. A equipa não tremeu e continuou a jogar o seu jogo como se nada tivesse acontecido. O Wendel vai-se a desmarcar e é derrubado à entrada da área sem que o árbitro tenha marcado falta, permitindo a saída de bola em contra-ataque do adversário. O Gudelj recuperou-a de imediato, mas com o tempo necessário para o Wendel se levantar, fazer uma tabelinha com o Bruno Fernandes, que rematou à entrada da área, fazendo a bola bater à frente do guarda-redes para o transformar num passarinho. Recuperação de bola, a equipa a avançar em bloco em tabelinhas, o Wendel a ficar isolado no meio para avançar com ela e a passar ao Nani que fez o simétrico do que costuma fazer o Arjen Robben, com a dificuldade acrescida de não ter precisado de nenhum ressalto nem de encontrar um qualquer André Almeida pela frente. Para que não se concluísse a primeira parte em beleza, o Jéfferson fez o favor de nos explicar pela enésima vez que não sabe o que anda a fazer em campo, demorando a recuperar para a linha do fora-de-jogo e permitindo, assim, a um adversário isolar-se e fazer uma chapéu ao Renan Ribeiro que não deu golo porque o Bruno Fernandes fez de pronto-socorro. 

A segunda parte foi mais do mesmo. O Wendel recebe a bola de costas para a baliza à entrada do meio-campo do Qarabag, aguenta a pressão do adversário, vira-se e desmarca no flanco oposto o Diaby, que aproveita um corte defeituoso de um defesa para fintar o guarda-redes e fazer o quatro a um. Mais uma recuperação de bola, mais uma tabelinha e mais uma vez o Wendel a picar a bola por cima dos defesas e a isolar o Bruno Fernandes que fuzilou para o cinco a um. Para variar, desta vez, o Jovane Cabral corre pelo lado direito até ao bico da grande área e centra para o Diaby rematar de primeira e fazer o seis a um. Entretanto, o Marcel Keizer já tinha efetuado várias substituições, saindo o Bas Dost, o Bruno Gaspar e o Nani para entrarem, respetivamente o Jovane Cabral, o Thierry Correia e o Carlos Mané. A festa tinha acabado e pode ser que haja mais para a próxima. 

É difícil encontrar a moral desta história. Um jogo é um jogo (como diria o Luís Filipe Viera, o Paulo Gonçalves é o Paulo Gonçalves e o Benfica é o Benfica) e nada mais do que um jogo. Aparentemente, depois de dois treinadores portugueses de alto coturno (Jorge Jesus e José Peseiro), foi preciso chegar um holandês para perceber que o Wendel é capaz de ser jogador de bola (há uma teoria alternativa: foram necessários meses e meses de aprendizagem com esses dois monstros sagrados da futebolândia nacional para o rapaz aprender a jogar à bola). Os pontos fortes do Sporting são ao mesmo tempo os seus pontos fracos num campeonato como o português. O Qarabag quis jogar à bola, coisa que a maioria dos nossos adversários do campeonato não só não quer como odeia quem quer. Vai ser mais difícil controlar a saída de bola do Sporting e impedir o ataque continuado, mas qualquer erro pode ser a morte do artista. É preciso pressionar melhor depois da perda da bola e ser muito mais agressivo ou, de outra forma, a equipa vai ser apanhada em contrapé na lateral contrária (sobretudo se por lá andar uma mosca morta como o Jéfferson). Há dois ganhos para já: via-se que os jogadores se sentiam confortáveis a jogar assim e se divertiam inclusivamente e, por outro lado, como o Benfica, a uma jornada do fim conseguimos o apuramento para os dezasseis avos da Liga Europa. Parece pouco mas rebobinem a cassete e vejam se com o Peseiro se faria melhor.

16 comentários:

  1. ...como o Benfica, a uma jornada do fim conseguimos o apuramento para os dezasseis avos da Liga Europa.:) Boa tirada.Também penso que nas competições internas não será tão facil jogar com o adversário

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    1. Caro Zé Baleiras,

      Os treinadores portugueses têm como grande característica prepararem os jogos para anular os pontos fortes dos adversários e explorar os pontos fracos. Nenhum deles se preocupa em potenciar os pontos fortes fortes das suas equipas e jogadores e melhorar os seus pontos fracos.

      Rapidamente vão tentar encontrar a melhor maneira de anular a táctica do Marcel Keizer. É uma questão de tempo para o fazerem como o fizeram com o Jorge Jesus.

      SL

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  2. Meu caro Rui Monteiro, para desenjoar do assunto Vitória/Jesus, disse para comigo - epah, deixa-me lá ir ler um blog de um Sportinguista, ganharam 6-1 devem estar contentes, e hoje nem é dia para andarem a falar no seu assunto preferido.

    E assim fui lendo este seu excelente post (mais um, sem ironias), e de repente....lá está, quase a acabar, como quem não quer a coisa, en passant, a referência "elogiosa" habitual, neste caso com o Benfica a garantir com uma estrondosa derrota a qualificação para a LE.

    Tudo normal, o Mundo continua a girar À volta do glorioso, ainda há pouco estive a ouvir o Manuel Serrão durante meia hora a "chorar" que estava farto de só ouvir Benfica, Benfica, Benfica na CS, que coitadinho do Porto não tinha o destaque devido.

    É a vida, já dizia um grande Portista, aquele que deixou uma frase lapidar e imortal para a posteridade, "por cada Leão que cair, outro se levantará", "as pessoas nem têm noção da dimensão do Benfica lá fora....etc, etc".

    Já agora, boa vitória, espero que nos encontremos precisamente na Liga Europa, ahahahahahahahaha

    Saudações Desportivas

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    1. De um clube com um presidente que "Vê mais à frente" (diz ele que lhe dizem) e que deu à luz ou teve uma luz que lhe deu (agora é um lampião iluminado?), como não falar?
      O homem caminha (ou andam a encaminhá-lo?) para atingir a santidade (santidade, não insanidade), não faltará muito que comecem as peregrinações à capela do Seixal ou da Carregueira, sei lá.

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    2. Meu caro,

      As pequenas rivalidades fazem parte do jogo. O Sporting existe na exacta medida em que existe o Benfica e vice-versa. Não perceber isso é não perceber a identidade dos clubes. A identidade também se gera por oposição.

      Na Liga Europa, como diz, tiramos isto a limpo. É dentro de campo que estas rivalidades se devem resolver e não fora dele com claques e parvos à mistura.

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    3. Meu caro, sei disso, sem rivalidade não existe grandeza, ninguém é grande se não tiver outros seus iguais.

      Para mim, seremos Primus Inter Pares, para si, vice-versa.

      SD

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    4. chakra indigo, leu o sub-titulo do blog?

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    5. eheheheeh, por acaso não!
      Mas faz sentido, do ponto de vista de um Sportinguista.

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  3. Neste momento o unico equivoco do Keiser chama-se jefferson, ontem não existiam alternativas é certo, mas espero que nos próximos jogos consiga rectificar e apostar no Acuna ou no Lumor. Para já a equipa dá sinais de começar a jogar futebol, subscrevo inteiramente o destaque dado ao Wendel, segunda feira o teste será seguramente de grau muito mais elevado. SL

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    1. O excelente e saudoso Peseiro entendeu que não valia a pena inscrever o Lumor na Europe League...

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    2. Caro Gil,

      Dou o benefício da dúvida ao Marcel Keizer. Aparentemente não tinha outro. Mas com esta táctica e com um lateral como o Jéfferson é meio caminho andando para o suicídio.

      SL

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  4. Até podemos ficar no mesmo lugar que ficaríamos com o Peseiro, mas pelo menos nota-se que existem ideias e uma evolução. Se calhar também apareceu uma luz ou os três pastorinhos ao Varandas...

    Segunda já se vai perceber melhor o que é verdadeiramente evolução ou simplesmente falta de qualidade ou ingenuidade dos adversários.

    Já agora, e esta é para o benfiquista carente de atenção que aí apareceu: Não vos choca que RV, que LFV diz ser o treinador ideal para o "projecto" do Benfica, fique por causa de uma luz que apareceu? Custa-me acreditar que um projecto tão bem pensado, estruturado e alicerçado possa ficar em risco por um descolamento da retina do LFV ou por um gajo com um terraço e uma lanterna mais ou menos.

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    1. Caro JMonteiro,

      Registo as suas palavras:"Custa-me acreditar que um projecto tão bem pensado, estruturado e alicerçado possa ficar em risco por um descolamento da retina do LFV ou por um gajo com um terraço e uma lanterna mais ou menos". É preciso estar atento, sobretudo ao gajo com um terraço e uma lanterna mais ou menos.

      SL

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  5. De repente a blogosfera leonina esta em festa, merecida, diga-se de passagem. Temos Keizer, os mais velhos lembram-se do tio, extremo esquerdo e capitão do Ajax, apenas e só, Campeão Europeu em 71,72,73.Os benfiquistas , esses, não tem saudades(foram eliminados em 1972).
    Keizer, chegou e viu o que os outros não viram : Wendel é bom de bola, dede o tempo das peladas em Niteroi. Diaby do Cintra não é tão mau como pintam. Bruno Fernandes( o melhor em campo vitalicio) já não é o traidor de 2 blogs. Nani é Nani. Jovane sabe cruzar e ......há um puto o Thierry.
    Mas o Homem só chegou há 3 semanas..........
    Vamos lá por a mesa : pão e vinho que é uma casa portuguesa com certeza.
    SL

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    1. Caro João,

      Os de fora vêem sempre melhor do que os de dentro. Vêem sem preconceitos. Ser um treinador português em Portugal tem enviesamentos cognitivos.

      A malta parece estar mais calma e isso é bom em si mesmo. Agora, foram dois jogos muito especiais (se fosse como o Peseiro seriam iguais aos outros ou piores como se viu com os ucranianos, o Loures e o Estoril).

      SL

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    2. Tem razão, aliás temos todos, é outor futebol. Nesta altura arrisco : se houver contratações cirúrgicas em Janeiro, sobretudo laterais, o Sporting é candidato a ganhar o campeonato, prioridade das prioridades e pode ir longe na Liga Europa.

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